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3. A Crónica do Felicíssimo Rei D Manuel

3.4. As primeiras resoluções

Ainda em 1495, D. Manuel convoca as Cortes para Montemor-o-Novo porque no reino, como Góis refere, naquele ano “hauia quasi per todo elle grande, & mortal pestilença, estas cortes nam procederão cõ há solenidade que a taes actos covinha” (GÓIS, 2010: 14). Mas se não aconteceram com o fausto e a sumptuosidade que seria de esperar para um rei da Renascença, aconteceram sem delongas e provaram que D. Manuel tinha um projeto bem definido para o território nacional. Mostraram, também, um monarca atento aos problemas e

28 Na obra O herói de mil faces, Campbell, traça as circunstâncias e características da criação de mitos de

heróis em diversas comunidades ao longo da história da humanidade.

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desafios do reino, internos e externos. De facto, depois de reunidas as Cortes o novo monarca toma algumas decisões sem demora, como nos diz DG: ─ “Depois de serem juntos e Monte Mor ho Nouo hos estados & elRei ter recebidas has menages, ordenou que se começasse loguo a tratar no que cõuinha a bem, & governo do Regno” (GÓIS, 2010: 14) e acrescenta DG que, depois de tratar das questões que se requeria, mandou que uma comitiva partisse para informar os reis de Castela da sua sucessão sendo que a mesma comitiva deveria informar, imediatamente a seguir, os filhos do Duque de Bragança (bem como os outros banidos pelo anterior Rei, por ocasião das conspirações levadas a cabo contra D. João II) participando-lhes que poderiam regressar. Esta comitiva deveria, ainda, prestar “obediençia que mandou a ho Papa” (GÓIS, 2010: 14). D. Manuel I tomará, assim, como prioritárias as relações diplomáticas com o reino vizinho, Castela, com a Igreja e com os ‘desterrados’ expulsos por seu cunhado.

O cronista DG salienta que a medida de perdão para com os conspiradores, foi uma das diligências que o monarca efetuou, de imediato, mesmo sendo contrária às indicações deixadas em testamento pelo seu antecessor. DG, na referência ao testamento do Príncipe Perfeito transcreve o item em que “lhe encomendava, & mandava” (GÓIS, 2010: 7) que não perdoasse a traição e deslealdade para com ele. Assim, constatamos que, no capítulo I, com o título “Em que se trata do faleçimento delRei dom Ioão, E declaram alguas clausulas de seu testamento” (GÓIS, 2010: 5), DG escolhe transcrever algumas deliberações que o novo monarca contrariará. Tal é precisamente o caso da cláusula do banimento dos traidores e a determinação de que não fossem perdoados por nenhum sucessor. D. Manuel não só revogou a expulsão destes nobres, como se empenhou na reposição dos títulos, benefícios, bens e rendas destas Casas, mostrando à Corte que seguiria um caminho próprio até porque uma das famílias banidas era a sua.

Ainda em Montemor, quis o novo monarca resolver os problemas que julgou mais urgentes para Portugal como a questão dos judeus cativos no reino que, por ordem do seu antecessor e influência dos reis católicos, se encontravam numa situação difícil. Mesmo que provisoriamente, o monarca mostrou alguma abertura à problemática dos judeus no reino. Neste assunto, D. Manuel, também contrariará, de início, o seu antecessor, D. João II. O monarca não cederia, igualmente, à pressão de Castela e determinaria libertar os judeus cativos permitindo que ficassem no reino, convidando-os à conversão à fé cristã ou mesmo

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a permanecer, vivendo a sua fé, em paz no reino. A esta aparente atitude de boa vontade responderam muitos judeus, diz o cronista, com a conversão ‘voluntária’ à fé cristã.

Uma outra preocupação expressa nas primeiras decisões, ainda em Montemor, é a questão da justiça a que DG faz muitas referências. Entendendo o novo monarca que a justiça precisava de ser reformada e as leis reformuladas e bem definidas deliberou um reforço do corpo de justiça:

Nem menos sesqueçeo de prouer loguo na ordem da justiça, & se informar, & inquirir dos offiçiaes della, & hos que achou culpados mandou castiguar, segundo há qualidade dos erros que eram compreendidos. E porque na casa do çiuel houuuesse milhor expediente no despacho da justiça, ordenou nella mais sobre juízes, dos que dantes hauia, & assi ahos desembarguadores pera se deles poderem manter.

(GÓIS, 2010: 16)

Também a questão das viagens ultramarinas e das concessões em África, tão querida para os monarcas anteriores, foi, para D. Manuel, um tema de muita estima e empenho, referida como o projeto para o qual o Rei “teue mais nos olhos & de que se mais honrou, & prezou em todo ho tepo de seu regnado” (GÓIS, 2010: 595). Até porque o que o Rei mais desejava, diz DG, era ter na costa da Barbaria muitas vilas e lugares.

Finalmente, e como convinha, ainda antes de terminar as Cortes de Montemor-o- Novo, o novo monarca não descura a sua relação com Roma e, como bom príncipe cristão, envia uma comitiva a jurar obediência ao Papa Alexandre VI:

Quomo bõ, & catholico christão mandou a Roma Françisquo Fernãdez que fora seu mestre, home que per suas letras, & prudeçia foi depois Bispo de Fez, ho qual leuuou procuração abastante delRei pera ho Cardeal de Portugal dõ George da Costa, Arçebispo de Lisboa, home de grade autoridade dar em seu nome obediençia aho Papa Alexandre sexto que então soccedera na Se Apostolica, ho que assi fez, & ho Papa lho mandou muito agradecer, gratificãdolhe per suas cartas há boa, & deuida sucçessam destes Regnos, na qual spreraua que fezesse muitos serviços a Deos, & a sua sancta Egreja catholica, em lebrãça, & conhecimento do grande & assinado benefiçio que delle, por sua diuina bõdade reçebera.

(GÓIS, 2010: 15)