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As Viagens Ultramarinas e as Descobertas

2. As Ordenações Manuelinas

2.11. As Viagens Ultramarinas e as Descobertas

Em consequência das Viagens Ultramarinas, encontramos legislação para os crimes cometidos na nova realidade do reino. Viviam-se novos tempos e novos desafios a que as OM pretendem objetar. Referem as OM que:

Se alguu Mestre, ou Piloto, ou Contramestre, Marinheiro, Bombardeiro, Espinguardeiro, Beesteiro, Grumete, e qualquer outra pessoa, desta sorte, que nas Nossas Armadas for, e leixar a náu, ou nauio em que for ordenado, e della se for sem licença auctoridade de Nosso Capitam Moor que da tal Armada for, ou do Capitam da Náo, ou nauio em que assi for ordenado, se pola ventura do corpo d’Armada por alguu caso se partisse, ora a dita Armada vaa pera cousa de guerra, ora de mercadoria, encorrerá qualquer destes acima declarados, que o fezerem, pena de paguar em quatro dobro todo o que teuer recebido do seu soldo, e mais será pubricamente açoutado, se for pessoa de qualidade em que a dita pena d’açoutes deua caber. E se alguas pessoas fóra da condiçam dos sobreditos, de qualquer forte que sejam, o fezerem, encorreram em a dita pena de quatro dobro de todo o que teuerem recebido de seus soldos, e pagualo-ham da cadea, e mais seram degradados pera huu dos dos Nossos Luguares d’Alem por quatro annos cada huu: e huus e outros aalem disto aueram mais por pena por o semelhante fazerem, que perderam todos, e qualquer privilégios Nossos que teuerem, e qualquer outros de qualquer forte que possam seer […]

(OM, Livro Quinto, XCVIII: 296)

Também as questões relativas ao contrabando de armas e/ou, outros materiais a favor dos inimigos pesaram nas OM. A estas infrações respondem os legisladores com firmeza. O Título LXXXI determina que não se vendam armas “nem ofensivas nem defensivas” (OM, V Livro, LXXXI: 240), nem produtos, instrumentos ou materiais de ajuda à guerra, assim como a pólvora, ou materiais para fazer navios, ou outros materiais que, na “Terra de Mouros” (Livro V, Título LXXXI: 241-241), possam ser utilizados pelos infiéis para, entende-se, combater os cristãos. Aqueles que, desobedecendo, o fizessem perderiam:

Todos os seus bens moueis, e de raiz, conuem a saber, a metade pera Nós, e a outra metade pera quem o descobrir e acusar, e mais seja degradado pera sempre pera a Ilha de Sam Thome. E esta mesma pena aueram quaelquer Estrangeiros, ou Nossos Naturaes, que forem achados em cada huu dos Nossos Luguares d’Alem em Africa com as ditas armas, e cousas sobreditas, tendo-as secretas.

E sendo a alguas pessoas das sobreditas tomadas, em passando pera vender em Terra de Mouros, armas, ou ferro, ou nauios, ou artilharia, ou plouora, ou outras qualquer cousas necessárias, ou

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proveitosas pera feito de guerra, ou prendendo-os, e tomando-os em Terra de Mouros com cada hua das cousas sobreditas, Mandamos que aalem de perderem todas as cousas que lhe forem achadas, e tomadas, e perderem todos seus bens, a metade pera Nós, e a outra metade pera quem as tomar, sejam feitos seruos daqueles que os tomarem, segundo por Dereito Canónico, e Commum he determinado.

(OM, Livro Quinto, LXXXI: 241)

Relacionadas com as descobertas e com o domínio de outros lugares estão muitas das punições inventariadas, ao longo das OM, principalmente o degredo, nomeadamente, para São Tomé (Título X) ou para outro dos “Lugares d’Alem”, (OM, V Livro, Título X: 39), em África. Provavelmente, entenderiam o Rei e os legisladores que esta população poderia colonizar as ilhas que eram desabitadas até à sua descoberta.

O degredo aparecia como prática comum para muitos crimes como é o caso do Título IX deste Quinto Livro e que diz respeito a escrituras falsas ou a testemunhas que mentem ao tribunal. Dependendo do crime e da condição social do acusado, o juiz determinaria a pena a cumprir que passaria por suportar castigos físicos, sempre mais brandos para os fidalgos e mais duros para os de baixa condição. Para crimes de homicídio cometidos pela nobreza, a Lei instruía que se informasse o Rei para que fossem averiguados todos os fatores do crime, da linhagem do criminoso e do morto pois o castigo seria determinado depois de o caso ter sido estudado pelo Rei. Em casos em que o castigo seria a morte para alguém de baixa condição, no caso de o acusado ser um fidalgo poderia considerar-se o degredo (Título XIV). As penas para os escravos seriam sempre mais duras pela sua não-condição. Por isso, a descrição das penas a que os escravos estavam sujeitos, não inclui o direito a averiguações ou ao estudo do processo, como acontecia com as classes mais altas. As penas para os escravos (Título X), que a Lei previa, variavam entre a tortura, açoitamento em público, o decepamento dos membros e, no limite, à morte.

O propósito de balizar e tornar adequada a conduta da sociedade no reino e nos seus domínios é também uma constante nos títulos se que dedicavam às novas vivências e realidades do reino. No Quinto livro das OM, os legisladores dedicam inúmeros títulos e itens a crimes de conduta repreensível como o adultério de homens e mulheres, a violação das “barregãs” (amantes), desobediência a oficiais de justiça, etc. O legislador remete ainda para a homossexualidade, masculina e feminina, destinando a estes o castigo de morte por fogo, como é referido no Título XII, e castigo igual para aquele que praticar atos sexuais com animais. Para os que se vestem como homens ou mulheres não o sendo, determina a Lei que sejam açoitados publicamente (Título XXXI) como forma de trazer vergonha aos visados.

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Uma outra preocupação diretamente ligada ao período que o reino atravessava, as Descobertas, dizia respeito às finanças do reino e ao sistema monetário, temas que ocuparam o primeiro Título do Livro IV. Neste primeiro Título, é definido o valor das moedas, a sua valorização e a justa correspondência de forma a que valesse o mesmo em todo o reino.

Verificamos, ao longo do levantamento a que procedemos, que nos cinco livros das OM existem temas recorrentes que ocupariam as preocupações dos legisladores, como a normalização da conduta em sociedade e, obviamente, a definição do papel de cada um na vida do reino, tendo em conta a população diferenciada que coexistia. Para além disto, é notório que o monarca e os legisladores terão tido uma visão abrangente e alargada das necessidades legislativas do reino, tendo em conta as múltiplas regiões então controladas.

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