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As questões éticas no momento da terminalidade da vida

No documento Testamento vital (páginas 47-55)

2. OS PRINCÍPIOS ÉTICO E JURÍDICOS

2.5. As questões éticas no momento da terminalidade da vida

Chega um determinado momento do tratamento terapêutico de uma doença que, mesmo diante de todos os recursos que o médico possui o paciente não “é mais salvável, ou seja, está em processo de morte inevitável” (PIVA; CARVALHO, online, 1993).

Essa situação refere-se ao momento em que as medidas terapêuticas não aumentam a sobrevida do paciente, “mas apenas prolongam o processo lento de morrer. A terapêutica, neste caso, torna-se fútil ou pressupõe sofrimento” (PIVA; CARVALHO, online, 1993). A morte, nesta situação, passa a ser vista como um alívio aos sofrimentos enfrentados pelo paciente e pela família.

Neste momento de identificação de um estado de mortalidade, é óbvio que surgem opiniões das mais diversas, tais como da família, da classe médica, do Conselho Ético entre outros. Todavia, é necessário que se faça uma análise ética e imparcial para que seja possível identificar as reais expectativas de vida de um paciente. Como afirma PIVA e CARVALHO (online, 1993):

A identificação do período de inversão de expectativas envolve todo um processo de racionalização, exigindo uma postura crítica, neutra e isenta de conceitos pré-concebidos, que avalie as opções terapêuticas utilizáveis ou dispensáveis no atual estágio de doença. Essa racionalização levará em conta pelo menos três grandes critérios: a) objetivos: obtidas por meios de imagens, exames laboratoriais e anátomo-patológicos, assim como mensuração de variáveis fisiológicos, que confirme ou não o estágio avançado e irreversível da doença; b) subjetivos: por meio da verificação de reações observadas no exame clínico, como ausência de interação co o meio ambiente, resposta à dor, pulso, perfusão, padrão ventilatório, entre outros; e, c) intuitivos: sendo estes avaliados tanto no grupo médico como no paciente.

Em suma, com a conjugação de todos esses critérios, acredita-se em uma base profissional, sólida e ética para diagnosticar a real situação de um paciente diante de um quadro clínico irreversível e que possa determinar as medidas e atitudes a serem adotadas.

Analisando a situação em face dos princípios éticos que devem nortear a definição da mortalidade de um paciente, a conduta médica deve ser movida por dois grandes princípios de ordem moral: de um lado a preservação da vida e de outro o alívio do sofrimento. Esses dois princípios devem ser vistos de forma concomitante e complementativa. Porém, em algumas situações tais princípios podem entrar em conflito, colocando a equipe médica diante de tomadas de decisões extremamente delicadas e que devem, em princípio,

abraçar o primado pela vida. Outras vezes, a equipe médica irá dar prevalência ao princípio do alívio do sofrimento, assim expõem PIVA e CARVALHO (online, 1993):

(...) Desta forma, no paciente solvável, a aplicação dos princípios da moral deve fundamentar-se na preservação da vida, enquanto que, na etapa de morte inevitável, a atuação médica, do ponto de vista da moral, deve objetivar prioritariamente o alívio do sofrimento (...)

A observância dos princípios éticos é de fundamental importância para a tomada de decisões diante de situações tão complexas da vida, em especial, quando se tratar de situações que são irreversíveis. A opção pela morte não permite o retorno à vida, mas a opção pela vida pode permitir a escolha por uma morte digna em um momento posterior.

Em comentário aos princípios éticos anteriormente apontados, são destacados no artigo escrito por PIVA e CARVALHO (online, 1993):

(...) Os princípios da beneficência e não maleficência são prioritários sobre a autonomia e a justiça. Na maioria das ocasiões, o princípio da beneficência prevalece sobre a não- maleficência, mas dependendo da situação, pode haver uma inversão nesta prioridade. (...) De uma forma objetiva e simples, poderíamos dizer que na fase salvável deve prevalecer a beneficência sobre a não-maleficência. Neste período, justifica- se a aplicação de medidas salvadoras (diálise, amputações, ventilação mecânica, transplantes, etc.), mesmo que tragam consigo algum grau de sofrimento. O primeiro objetivo neste momento é a preservação da vida. Por outro lado, quando o paciente se encontra em fase de morte inevitável, a cura já não é mais possível e os objetivos concentram-se na não-maleficência. Ou seja, tomar medidas que proporcionem o alívio do sofrimento em primeira instância. Se instituído nesta fase, um tratamento mais agressivo, visando à cura, além de ineficaz, trará maior sofrimento.

A pretensão da ética e da conduta médica, diante de tais eventos, é justamente preservar o modo de viver de forma digna e não uma vida que está repleta de sofrimentos e angústias, tanto de ordem material quanto moral.

A conduta ética é pautada, em um primeiro momento, na luta pela manutenção da vida, mas desde que realmente há a possibilidade de ter uma

reversão no quadro clínico. Nesse sentido é a opinião de KIPPER (online, 1999):

No paciente terminal, mesmo que a doença de base não possa ser controlada ou curada, o médico deve trabalhar para mantê-lo o mais confortável possível, reduzindo seu sofrimento físico e psicológico, ou disfunção. Os cuidados paliativos muitas vezes incluem o controle da dor (mesmo que isso possa causar depressão respiratória ou distúrbio hemodinâmico e, sem essa intenção, acelerar a morte) e suporte psicossocial, mas também podem incluir cirurgias, radioterapia e o uso de antibióticos para manter o paciente mais confortável. (...) No caso depaciente terminal, somos a favor de ordens de não-reanimação cardiopulmonar, de comum acordo com o desejo do paciente e/ou família, não oferecendo tratamentos que possam ser caracterizados como fúteis ou desproporcionados, para evitar a distanásia, já que somos contra a eutanásia ativa e o suicídio assistido.

Portanto, podemos perceber que a ética médica sempre nos orienta para um tratamento inicial pela vida, direito este é defendido sempre ao longo deste trabalho. Todavia, nos posicionamos a favor de uma vida com dignidade e com “viver”, pois não é digno permitir o sofrimento de determinados pacientes, considerados como “terminais” e que não possuem qualquer qualidade de vida, sendo apenas mantidos por equipamentos.

CONCLUSÃO

Constatou-se aqui, que a declaração prévia de vontade para o fim da vida é ainda tema pouco debatido no Brasil, a despeito da importância cada vez maior deste instituto como garantidor da autonomia privada do paciente em fim da vida.

A declaração prévia de vontade para o fim da vida é realidade de normativa em várias ordens jurídicas, e tal fato serviu de base para a verificação de que este instituto é válido no Brasil.

Se o compromisso ético e existencial da Testemunha de Jeová para com a sua religião implica que não realize uma transfusão de sangue, o compromisso de outras pessoas com os respectivos sistemas éticos e religiosos implica que recusem a realização de transplantes de rosto ou de válvulas cardíacas de origem porcina, apesar de tecnicamente exeqüíveis e de poderem contribuir para a sua vida e/ou saúde. Essencial parece-nos, numa sociedade em que todos somos livres e credores de igual respeito, é que todos possamos tomar as nossas decisões de consciência, nomeadamente em matéria de organização da nossa própria morte, por forma a que esta se insira no sentido que quisemos dar à nossa vida.

Em apertada síntese, a declaração prévia de vontade para o fim da vida é válida no Brasil, desde que respeite as normas vigentes e que, em seu conteúdo, o paciente opte pela interrupção dos tratamentos ditos fúteis, vez que os cuidados paliativos são garantidores da Dignidade da Pessoa Humana, princípio basilar do ordenamento jurídico brasileiro.

Propiciar ao cidadão o direito a elaborar uma declaração prévia de vontade para o fim da vida é reconhecer que há autonomia do sujeito, é garantir a todos o exercício do direito de ser condutor de sua própria existência.

REFERÊNCIAS

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KIPPER, Délio José. Os Problemas das decisões médicas envolvendo o fim da vida e propostas para nossa realidade. In: Revista Bioética. v.7, n° 01, ano 7,

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