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RODRIGO ROSOLEN FURIAN

TESTAMENTO VITAL

Ijuí (RS) 2014

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RODRIGO ROSOLEN FURIAN

TESTAMENTO VITAL

Trabalho de Conclusão do Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Trabalho de Curso - TC.

UNIJUÍ - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.

DEJ- Departamento de Estudos Jurídicos.

Orientador: MSc. Carlos Probst

Ijuí (RS) 2014

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“Ninguém pode ter medo de ser morto por um pedido seu que seja definitivo, bem informado e autônomo.”

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AGRADECIMENTOS

Desenvolver este trabalho necessita de amigos e colaboradores envolvendo dedicação, esforço e muita compreensão.

Assim, agradeço ao Professor Carlos Probst, sem encontrar palavras que reflitam minha gratidão por sua generosidade, ao ter me acolhido e dedicado sua atenção para realizar este trabalho.

Aos colegas do Curso de Direito, com os quais vivemos momentos de crescimento pessoal e intelectual.

Aos advogados, juízes e colaboradores do Fórum de Ijuí por gastarem seu tempo, e pela paciência ao me contar histórias, repartir seus conhecimentos comigo, mostrarem novos pontos de vista sobre o assunto e o desenvolvimento intelectual na área do Direito.

Agradeço, de forma carinhosa, e especial, aos meus familiares que consagraram, a todo momento, desde o meu primeiro dia na escola até os dias atuais os meus estudos e apostaram na certeza da produção dessa conquista. Peço sempre a Deus que os projeta e que continue mantendo-os firmes no propósito familiar fonte de nossa inspiração. Obrigado Pai e obrigado Mãe por tudo!

E, principalmente a DEUS, por ter nos iluminado e nos orientado no percurso deste caminho de crescimento e fortalecimento pessoal.

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RESUMO

A vida é considerada como o direito fundamental mais precioso que um ser humano pode pretender lutar e ser tutelado pelo Estado. Todavia, a manifestação da vida merece ser realizada com dignidade. A dignidade da pessoa humana, como fundamento maior, deve ser preservada e respeitada, inclusive no momento da morte. A dignidade humana está estampada no direito de manifestar sobre a autonomia própria de cada indivíduo, em especial, pela forma que este opta para que a sua morte possa ocorrer. A autonomia da liberdade humana é o reconhecimento de sua própria condição como ser humano e que deve prevalecer em uma sociedade democrática e plural, com respeito às decisões individuais, desde que interesses ou direitos de terceiros não sejam afetados com a decisão escolhida.

A Ética, como ciência, determina os fundamentos necessários para a justificativa de um cidadão em não querer ser atendido por equipe médica quando se encontrar em momento de terminalidade da sua existência física. O Direito, por seu turno, estabelece critérios e define os princípios que devem ser invocados para amparar a decisão então tomada. Surge, portanto, o testamento vital que se apresenta como instrumento alternativo para permitir e reconhecer o direito à liberdade individual e a opção por não receber tratamentos médicos diante do diagnóstico de quadro irreversível. A opção por uma morte digna, diante de quadros irreversíveis de saúde, merece ser tratada como uma questão de saúde pública. A liberdade de escolha de cada indivíduo, através da declaração antecipada da vontade, representa o reconhecimento da dignidade da pessoa humana no momento de sua morte, para que esta possa, como sequência da vida, ocorrer de forma digna.

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ABSTRACT

The life is considered as the basic right more precious than a human being can intend to fight and to be tutored person for the State. However, the manifestation of the life deserves to be carried through with dignity. The dignity of the person human being, as bigger bedding, must be preserved and be respected, also at the moment of the death. The dignity human being is printed in the right to reveal on the proper autonomy of each individual, in special, for the form that this opts so that its death can occur. The autonomy of the freedom human being is the recognition of its proper condition as human being and that it must prevail in a democratic and plural society, with respect to the individual decisions, since that interests or rights of third parties are not affected with the chosen decision.

The Ethics, as science, determines the beddings necessary for the justification of a citizen in fondness not to be taken care of by medical team when if to find at moment of terminalidade of its physical existence. The Right, for its turn, establishes criteria and defines the principles that must be invoked to support the taken decision then. It appears, therefore, the vital will that if presents as alternative instrument to allow and to recognize the right to the individual freedom and the option for ahead not receiving treatments medical from the diagnosis of irreversible picture. The option for a worthy death, ahead of irreversible pictures of health, deserves to be dealt with as a question public health. The freedom of choice of each individual, through the anticipated declaration of the will, represents the recognition of the dignity of the person human being at the moment of its death, so that this can, as sequencia of the life, to occur of worthy form.

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SUMÁRIO INTRODUÇÃO ... 07 1. TESTAMENTO VITAL ... 09 1.1. Conceito ... 09 1.2. Características... ... 15 1.3. Requisitos ... 17 1.4. Histórico ... 22

1.4.1.Testamento vital na Alemanha ... 23

1.4.2. Testamento vital na Espanha ... 23

1.4.3. Testamento vital nos Estados Unidos da América (EUA)... 24

1.4.4. Testamento vital em Portugal ... 25

1.4.5. Testamento vital no Uruguai ... 26

1.4.6. Validade no Ordenamento Jurídico Brasileiro ... 27

1.5. Dignidade da Pessoa Humana... ... 29

2. OS PRINCÍPIOS ÉTICO E JURÍDICOS... ... 32

2.1. A ética na evolução da ciência... ... 32

2.2. Princípio da igualdade... ... 34

2.3. Princípio da inviolabilidade da vida... ... 35

2.4. Princípio da dignidade da pessoa humana... ... 37

2.5. As questões éticas no momento da terminalidade da vida... ... 46

CONCLUSÃO... ... 50

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INTRODUÇÃO

Este trabalho se propõe a tratar da relação aproximada existente entre a terminalidade da vida e a dignidade da pessoa humana. Certamente, um dos momentos mais graves da vida do ser humano é a proximidade com a morte. Assim, um direito civil constitucionalizado não pode fechar os olhos e virar o rosto para as implicações que surgem a partir do conflito existencial colocado na fronteira entre a vida e a morte; entre o existir e o não existir.

Diante de situações tão delicadas, é de suma importância que a ciência médica e biológica possa ter previsão de normas claras e objetivas, além de se pautar em princípios definidos, que possam estabelecer os limites para o seu campo de atuação.

A relevância do tema resta comprovada na analise detida do rápido desenvolvimento médico-científico pelo que a sociedade mundial tem passado nas últimas décadas. Se outrora, a morte era encarada como um processo natural, atualmente, este processo, ainda que natural, é tido como uma derrota, um acontecimento que demonstra a fragilidade da Medicina e a fraqueza dos médicos.

Em razão dessa mudança de perspectiva, o Direito tem-se defrontado, quotidianamente, com questionamentos acerca dos direitos dos pacientes, especialmente dos pacientes em fim da vida. De tais, emerge o “direito de morrer”, direito que ampara os defensores da eutanásia, do suicídio assistido, e

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de demais institutos que visam garantir o direito do paciente em fim da vida a morrer com dignidade, como as diretivas antecipadas.

Assim, as diretivas antecipadas são gênero, do qual é espécie a declaração prévia de vontade para o fim da vida, documento pelo qual uma pessoa capaz pode deixar registrado a quais tratamentos e não tratamentos deseja ser submetida caso esteja em fim da vida.

A declaração prévia de vontade para o fim da vida se assemelha ao testamento, pois também é um negócio jurídico, unilateral, personalíssimo, gratuito e revogável, todavia, distancia-se do testamento em duas características essenciais deste instituto, a produção dos efeitos post mortem e a solenidade.

Para tanto, num primeiro momento será abordada a definição doutrinária de testamento vital, especialmente quanto às suas características, requisitos e finalidades.

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1. TESTAMENTO VITAL 1.1. Conceito

O testamento vital não deve ser confundido com o testamento civil. O testamento civil diz respeito àquilo que se quer fazer com seu patrimônio, ou seja, para quem você deseja deixar, após a morte, os bens que foram adquiridos em vida. Já o testamento vital visa ser eficaz em vida, indicando como você deseja ser tratado se estiver em uma situação de doença grave e inconsciente. O significado desta expressão está intimamente ligado ao atual estado das ciências biomédicas, do elevado grau de desenvolvimento das tecnologias empregadas no cotidiano de tais ciências e dos princípios fundamentais eleitos pela Constituição Federal.

O testamento vital é um documento redigido por uma pessoa no pleno gozo de suas faculdades mentais, com o objetivo de dispor acerca dos tratamentos e não tratamentos a que deseja ser submetida quando estiver diante de um diagnóstico de doença terminal e impossibilitado de manifestar sua vontade. É importante que este documento seja redigido com a ajuda de um médico de confiança do paciente. Ademais, ressalte-se que as disposições, para serem válidas no Brasil, apenas podem versar sobre interrupção ou suspensão de tratamentos extraordinários, que visam apenas a prolongar a vida do paciente. Tratamentos tidos como cuidados paliativos, cujo objetivo é melhorar a qualidade de vida do paciente não podem ser recusados. Ao contrário dos testamentos em geral, que são atos jurídicos destinados à produção de efeitos post mortem, os testamentos vitais são dirigidos à eficácia jurídica antes da morte do interessado.

O testamento vital pode ser chamado também de documento de vontades antecipadas, living will, testamento em vida, testamento biológico e ainda de testament de vie.

Sánchez (apud, AMARAL, PONA, 2010, p.4), escreve que:

Os testamentos vitais são documentos por meio dos quais uma pessoa suficientemente capaz pode estabelecer,

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antecipadamente, que medidas e tratamentos quer que se lhe apliquem quando não possa mais expressar sua vontade pessoalmente, podendo ainda, designar um representante para que tome esse tipo de decisão em seu lugar.

Segundo Borges (apud CLEMENTE; PIMENTA, 2006, p.4):

O testamento vital é um documento em que a pessoa determina, de forma escrita, que tipo de tratamento ou não tratamento deseja para a ocasião em que se encontrar doente, em estado incurável ou terminal, e incapaz de manifestar sua vontade.

Sá, (2005, p.36) afirma que:

O living will” ou “testamento em vida” pretende estabelecer os tratamentos médicos indesejados, caso o paciente incorra em estado de inconsciência ou em estado terminal”. Sendo mais comuns as disposições sobre recusa de entubação e de ressuscitação.

Betancor (apud MOTA, 2007, p. 1) define-o como:

Instrumento jurídico no qual os indivíduos capazes para tal, em sã consciência, expressem sua vontade acerca das atenções médicas que deseja receber, ou não, no caso de padecer de uma enfermidade irreversível ou terminal que lhe haja conduzido a um estado em que seja impossível expressar-se por si mesmo.

Desta forma, tem-se que o testamento vital é um documento jurídico redigido por uma pessoa quando plenas as suas faculdades mentais, por meio do qual dispõe antecipadamente a sua vontade quanto aos tratamentos a serem ou não empregados caso advenha situação na qual não possa mais expressar suas intenções em virtude do estado de saúde em que se encontre, podendo ainda servir de instrumento para a nomeação de terceiro para tomar a decisão quanto aos tratamentos utilizados e ainda dispor acerca da doação ou não de órgãos. Por meio desse documento o indivíduo manifesta a sua vontade de não ser mantido vivo em condições que considere indignas, cuja qualidade da vida já não mais pode ser preservada diante da batalha travada para vencer a morte.

Se a pessoa tivesse um acidente vascular cerebral (derrame) no qual, devido a uma lesão permanente no cérebro, sua visão e seus movimentos ficassem comprometidos, que tipo de tratamento seria feito: lutar pela preservação da vida a todo custo ou deixar que a natureza seguisse seu curso.

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Não há uma resposta certa para essas perguntas que dependem dos valores morais e espirituais de cada pessoa e do momento de vida anterior a um evento dramático que aleatoriamente atinja a saúde. Mas para que as orientações de cada pessoa seja cumpridas, é importante que seus desejos sejam transmitidos, ainda em vida,para um familiar ou um amigos próximo – antes que qualquer eventualidade possa ocorrer. Para isto é necessário ter um documento escrito previamente discutido entre o paciente e seu médico, redigido com clareza, enquanto a pessoa esteja lúcida em plena capacidade de manifestar seus desejos.

O referido documento, de natureza jurídica, tem a finalidade de assegurar, então, a manifestação pela escolha por uma morte digna, priorizando o fundamento da dignidade da pessoa humana estampado na Constituição Federal de 1988 (artigo 1°, inciso III), de igual modo previsto no texto da Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948 (Preâmbulo).

Como aponta o sítio eletrônico do Conselho Regional de Medicina de São Paulo (CREMESP) o testamento vital, também conhecido como “diretiva antecipada” de vontade “é documento que permite à pessoa transmitir decisões sobre cuidados em fim de vida antes do tempo, ou seja, quando ainda estiver possibilidade e consciente para isso” (online, 2010).

Destaca GODINHO (online, 2010) que o testamento vital,

“consiste num documento, devidamente assinado, em que o interessado juridicamente capaz declara quais tipos de tratamentos médicos aceita ou rejeita, o que deve ser obedecido nos casos futuros em que se encontre em situação que o impossibilite de manifestar sua vontade, como, por exemplo, o coma. Ao contrário dos testamentos em geral, que são atos jurídicos destinados à produção de efeitos post mortem, os testamentos vitais são dirigidos à eficácia jurídica antes da morte do interessado.

Diante das circunstâncias clínicas irreversíveis do paciente, a dignidade da pessoa humana é estabelecida quando o estado de saúde não permite o resgate de sua consciência, o que se apresenta como um dano irreversível e

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diante da ausência de condições de manifestar as suas próprias vontades ou desejos futuros.

O objetivo e a vantagem do testamento vital é a opção que o ordenamento jurídico possa oferecer a uma pessoa que, quando da sua lavratura, se apresenta em perfeitas condições de saúde mental, opte por um conforto e alívio da dor, ao se deparar, no futuro, com um estado irreversível de saúde, de modo a garantir a livre manifestação de um indivíduo pelo seu direito de morrer. Todavia, morrer de forma digna, uma vez que a qualidade de vida se apresenta prejudicada.

Nesse sentido, se posiciona MALUF (2010, p. 314):

Impõe o que se chama de tratamento fútil, que aumenta o sofrimento do doente e das pessoas ao seu redor e na prática nenhum benefício acarreta para este. Vale-se ainda, nesses casos, da denominada obstinação terapêutica, onde o acesso à moderníssima tecnologia – em equipamentos hospitalares e fármacos – pode vir a prolongar indefinidamente um estado irreversível de saúde do paciente terminal.

A ideia da proposta de regulamentação de um documento jurídico que autorize o paciente, em algum momento de sua vida, decidir sobre a sua forma digna de enfrentar a morte, é um reforço dos direitos dos doentes à sua autodeterminação, de modo a não optarem por procedimentos médicos cirúrgicos que possam prolongar a vida de forma desnecessária e sacrificante, diante de situações irreversíveis (PORTUGAL, online, 2011).

O testamento vital, como documento que estampa a vontade futura do paciente sobre seu estado de saúde, passa a ser uma alternativa para este que, em alguns países, mesmo diante da ausência de legislação específica, opta a comunicar aos seus familiares a sua vontade pessoal sobre o destino de sua vida, em casos irreversíveis ou impossíveis de cura.

A vontade do paciente, então manifestada no testamento vital, poderá ser comunicada mais tarde ao médico ou a uma equipe médica, que, em uma última análise, tomará a decisão que, de acordo com os princípios médicos, é

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sempre de poder do paciente, sobre o tratamento ou ausência dele, perante a situação em concreto (PORTUGAL, ONLINE, 2011).

MARIA HELENA DINIZ (2009, p. 376) se contrapõe à defesa do testamento vital, vez que, na sua concepção, é o mesmo que praticar homicídio:

Em defesa do morrer com dignidade, há quem sustente a necessidade de admitir-se legalmente, em certos casos específicos, a eutanásia ativa, também designada benemortásia ou sanidicídio, que, no nosso entender, não passa de um homicídio, em que, por piedade, há deliberação de antecipar a morte de doente irreversível ou terminal, a pedido seu ou de seus familiares, ante o fato da incurabilidade de sua moléstia, da insuportabilidade de seu sofrimento e da inutilidade de seu tratamento, empregando-se, em regra, recursos farmacológicos, por ser a prática indolor de supressão da vida.

E, ainda continua (DINIZ, 2009, p. 382):

A incurabilidade, a insuportabilidade da dor e a inutilidade do tratamento não justificam a eutanásia porque: a) a incurabilidade é prognóstico e como tal falível é, e, além disso, a qualquer momento pode surgir um novo e eficaz meio terapêutico ou uma técnica de cura.

Com o devido respeito, nos posicionamos em sentido contrário, pois, falar em falibilidade do diagnóstico da improvável cura de um paciente é trabalhar com uma probabilidade que, em muitos casos, não existe, além de desconsiderar, por completo, o direito à manifestação da própria autonomia e liberdade que cada indivíduo tem.

Nem mesmo o suicídio voluntário, como conduta extrema e consciente de um cidadão que nem sempre apresenta um quadro clínico irreversível, é punido pelo ordenamento jurídico penal. Até mesmo porque, após a prática do suicídio, não há possibilidade jurídica de se aplicar uma penalidade a tal indivíduo diante da conduta extrema praticada contra si mesmo.

A nossa manifestação é no sentido de que o testamento vital pode ofertar uma morte digna de qualquer indivíduo e optar pela interrupção de tratamentos que possam prolongar a vida sem qualquer resultado positivo, de

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modo a permitir um maior sofrimento ao paciente. O direito à vida continua prevalecendo sobre os demais, todavia, desde que seja exercido de forma digna.

Essa opção foi experimentada, inclusive, pelo então Papa João Paulo II, o qual, no final de sua vida, optou pelo recolhimento aos aposentados papais ao invés de um tratamento que, talvez, pudesse manter o seu estado de vida sem um nível adequado de qualidade ou dignidade.

Tal manifestação pessoal do Papa João Paulo II foi apoiada na Encíclica Papal Evangelium Vitae, a qual, comentada pelo Pe. SANCHEZ (online, 1996) aponta para o valor dado ao elemento “vida”, de modo que tal valor deve agir tanto pelo lado negativo de “não praticar” o aborto e a eutanásia, como pelo lado positivo de “permitir a plenitude” da vida com o seu favorecimento:

Os capítulos terceiro e quarto são, por assim dizer, “o agir”, com um diferença: o capítulo terceiro é o agir no sentido negativo, o “não matarás”; portanto, a rejeição do aborto e da eutanásia. O capítulo quarto também é “o agir”, mas num sentido positivo. Não basta dizer “o aborto, não”. Não basta dizer: “a eutanásia, não”. O que fazemos nós para defender a vida e para que a vida tenha um sentido de plenitude? Não é portanto apenas uma questão negativa, não. É dizer: você tem que favorecer toda a vida. E aí, por exemplo, abre muito mais as perspectivas, incluindo toda a problemática, por exemplo, dos deficientes físicos, da acolhida aos idosos, do sentido da vida nascente etc. Portanto este capítulo quarto tem um sentido positivo.

No mesmo sentido, como manifestação pela defesa da vida com dignidade, ainda que a mesma se encontre, digamos, em sua fase final, encontramos o comentário de AMARANTE (online, 1996) a respeito da referida Encíclica Papal:

(...) Quando falo em certeza absoluta é porque hoje em dia se considerada como morte de um indivíduo a morte cerebral. Quer dizer, não há nenhuma atividade cerebral, mas aquele coração ainda pulsa. Seria justo nós negarmos uma possibilidade, embora até que por milagre, desse indivíduo continuar vivendo e retirar os seus órgãos para que outros vivam mais tempo? É uma questão muito difícil de nós entendermos e vivermos nos dias de hoje. Mas eu acredito que todo médico que seja cristão deve ser contra esse tipo de procedimento. Como também não admitimos a eutanásia, mas acreditamos que seja possível evitar-se o prolongamento de um sofrimento, não por impedimento de administração de remédios para tirar a dor, por

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impedimento de determinado tipo de tratamento, mas não fornecendo possibilidades de prolongamento desse sofrimento. Eu lhes dou um exemplo: um ancião com noventa anos, já preso ao leito há algum tempo, que não tem nenhuma possibilidade de melhora numa fase terminal de uma doença, por exemplo, como o câncer. Não vai adiantar de nada continuarmos administrando remédios, fazendo quimioterapia ou radioterapia. Ele poderá até morrer da tentativa de tratamento, ao invés de se curar. Quanto a esse tipo de procedimento, nós devemos ser contra e deixar que o doente, até na sua hora de morte, tenha sua dignidade respeitada.

A questão a ser defendida com o instituto do testamento vital não é a defesa da morte com a eliminação da vida. Mas sim, a defesa de uma vida, em todas as suas fases, inclusive, na fase final dela, com dignidade, em especial, em respeito à manifestação da autonomia individual de cada cidadão, no sentido de reconhecer a própria existência.

O debate passa pela ótica filosófica em que se discute a transcendência de certos paradigmas sobre o tema “morte”, além do próprio significado da vida e a sua continuação com uma “certa” qualidade.

Para HABERMAS, apontado por SARLET (2007, p. 214):

(...) que o Estado secularizado e neutro, quando constituído de modo democrático e procedendo de modo inclusivo, não pode tomar partido numa controvérsia ética relacionada com a dignidade da pessoa humana e o direito geral ao livre desenvolvimento da personalidade.

Percebe-se que o pensamento a ser defendido em um Estado democrático de direitos e constituído para o fim de inclusão de grupos até então desprotegidos, não pode interferir em tal discussão quando se se tratar da dignidade da pessoa humana como elemento essencial para o próprio desenvolvimento da personalidade de um indivíduo.

Essa concepção preserva a autonomia individual em reconhecimento por parte do Estado à própria condição humana de cada cidadão nas suas escolhas existenciais.

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O testamento vital é um documento com diretrizes antecipadas, assim como o testamento comum, realizado por uma pessoa em situação de lucidez mental para ser levado em conta quando, por causa de uma doença, já não seja possível expressar sua vontade.

No entanto, é um ato jurídico entre pessoas vivas e não um ato causa

mortis, dado que não tem como fim a regulação das coisas depois da morte.

Por esse instrumento o indivíduo determina, de forma escrita, a quais tipos de tratamento deseja ou não se submeter para a ocasião em que se encontrar doente, em estado incurável ou terminal, e incapaz de manifestar sua vontade.

Como elencam Amaral e Pona (2010, p.8), as características deste documento são as mesmas do testamento comum:

a)Ato jurídico (ou negócio jurídico): representa a manifestação da vontade do indivíduo para a produção de efeitos jurídicos;

b) Unilateral: porque sua eficácia não depende do concurso de outra pessoa, bastando a vontade declarada pelo testador na forma da lei;

c)Personalíssimo: somente o indivíduo pode realizá-lo, lhe sendo vedada a outorga de poderes para a confecção por representante;

d)Revogável: para que se leve a cabo as disposições nele contidas, é necessário que expresse as vontades do testador de forma inequívoca, podendo o mesmo, a qualquer momento, revê-las, revogá-las;

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f) Solene: exige-se o registro do documento, como garantia da segurança jurídica. É essencialmente formal, devendo ser escrito e respeitar as solenidades, sob pena de nulidade.

1.3. Requisitos

Assim como os demais documentos jurídicos, o testamento vital deve obedecer alguns requisitos para que se permita sua elaboração.

Na maioria dos países nos quais se aceita a sua confecção, exige-se que a pessoa seja maior e capaz. Que o documento seja assinado perante duas testemunhas independentes, e que seus efeitos sejam válidos apenas após 14 dias de sua assinatura, sendo a manifestação passível de revogação a qualquer tempo. Além disso, tem caráter provisório, pois sua validade no tempo é de aproximadamente cinco anos. Exige-se ainda, a caracterização da fase terminal do doente atestada por dois médicos. (CLEMENTE; PIMENTA, 2006, p.5)

A declaração vital será plenamente eficaz quando for parte de um mandato claro entre paciente e médico. Sua validez dependerá dos trâmites que lhe deram origem, da precisão e clareza com que seja formulado. Não poderá representar alienação à liberdade pessoal, podendo ser livremente revogado ou alterado a qualquer momento.

Um estudo realizado pela Associação Portuguesa de Bioética (PORTUGAL, 2010, p.14) defende quepara ser válido, o consentimento deve ser atual. Ora a criação on-line de um Registro Nacional de Diretivas Antecipadas de Vontade permitiria que só documentos recentes, com um período de validade predefinido, fossem considerados válidos. Mais ainda, a existência de este registro permite também que o consentimento seja livremente revogado até à prática do ato concreto, na medida em que, enquanto existir competência, o doente pode revogar a orientação expressa no Testamento Vital. Findo este prazo de validade, e no caso de o doente ficar incapaz de decidir, o Testamento Vital manteria o seu valor dado que

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representa a vontade previamente manifestada do doente, desde que não existam dados que permitam supor que o doente alteraria a sua decisão.

Outro ponto relevante abordado pelo estudo é o estabelecimento de requisitos para a plena eficácia do testamento vital, sendo eles:

a) Limitação a pessoas capazes, competentes, maiores de idade e não inibidas por anomalia psíquica;

b) Informação e esclarecimento adequados, por intermédio de um médico com formação técnica apropriada;

c) Efeito compulsivo na decisão médica e não meramente indiciário;

d)Existência de um formulário-tipo com o objetivo de padronizar procedimentos;

e)Possibilidade de revogação a qualquer momento e sem qualquer formalidade;

f) Renovação periódica da manifestação de vontade;

g)Certificação perante um notário para garantir a autenticidade e evitar influências indevidas na esfera da decisão pessoal;

h)Criação no âmbito do sistema de saúde de um Registro Nacional de Diretivas Antecipadas de Vontade (RENDAV), para agilizar o acesso ao testamento vital por parte dos profissionais de saúde.

Diante da análise destes requisitos pode-se verificar a compatibilidade do testamento vital com o ordenamento jurídico brasileiro.

O primeiro é a capacidade do indivíduo. Fundamental requisito para confeccionar o documento, a capacidade aqui exigida é capacidade plena para

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a prática dos atos da vida civil. O Código Civil de 2002 optou por definir quem são os incapazes em seus artigos 3º e 4º. Desta forma entende-se por capaz todos aqueles que já atingiram a maioridade, nos moldes do art. 5º, CC/02 excluídos os que se encontrarem nas situações descritas nos arts. 3º e 4º do CC/02. Exclui-se também a possibilidade prevista pelo art. 1860, parágrafo único do CC/02 que prevê a possibilidade dos maiores de 16 anos testarem, atribuindo-se somente aos indivíduos que já tenham atingido a maioridade civil a capacidade para deixarem um testamento vital, pois não se trata aqui da disposição patrimonial, e visa resguardar a vida e a integridade física do menor. (BRASIL, 2002, p.13; 209)

O segundo é a informação, intimamente ligada ao consentimento informado (esclarecido), que se dá através da discussão ampla do médico com formação técnica apropriada com o paciente sobre o diagnóstico, prognóstico, os tratamentos possíveis e suas conseqüências. O que é assegurado pelo art. 5º, XIV, da CF/88, que garante a todos acesso a informação de seu interesse. (BRASIL, 1988, 22) E, ainda, o art. 59 do Código de Ética Médica, que garante ao paciente o direito de conhecer o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e objetivos do tratamento. (BRASIL, 1988, p.7)

Terceiro: efeito compulsivo. O médico ao ter conhecimento do disposto no testamento vital deverá respeitá-lo, agindo em consonância e apenas nos limites deste, ainda que a família do paciente se oponha. Como estaria resguardado pela disposição testamentária não há que se falar em responsabilização civil do profissional. No entanto, se o médico violar tal disposição estará sujeito às penas impostas pelo Código Civil de 2002 em seus artigos 186, 932, 948, 949, 950 e 951. Além de sofrer sanções disciplinares. (BRASIL, 2002, p.141; 167-168)

Quarto: formulário-tipo. Visa facilitar a elaboração deste documento pelo paciente, para que a sua manifestação de vontade seja clara e facilmente compreendida.

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Quinto: revogável. Por se tratar de uma manifestação de vontade, é plenamente possível a sua revogação, pois a declaração deve estar em consonância com a vontade do testador, podendo ser revogada a qualquer tempo.

Sexto: renovação periódica. Com o intuito de preservar a vontade do indivíduo, possibilitando sua alteração, tendo o documento prazo de validade, devendo ser renovado de quando em quando. Nos países que adotam o testamento vital esse prazo é de aproximadamente 5 anos.

Sétimo: certificação perante um notário. Para que se dê maior garantia de validade, deve ser realizado por meio de escritura pública ou apresentado a registro perante um tabelião, que, com a fé conferida pela lei, assegura a veracidade e validade de documento.

Oitavo: criação no âmbito do sistema de saúde de um Registro Nacional de Diretivas Antecipadas de Vontade (RENDAV). Não seria necessariamente um requisito, mas sim uma forma de garantir a eficácia do testamento vital, pois para que o médico respeite tal manifestação de vontade é necessário que tenha conhecimento desta.

Apesar de não estar elencada dentre os requisitos estabelecidos pelo estudo da Associação Portuguesa de Bioética é necessário que a manifestação da vontade seja inequívoca. A intenção do paciente deve ser precisa e claramente manifestada. Não podendo haver dúvidas acerca das providências indicadas pelo indivíduo.

No modelo utilizado nos Estados Unidos, tem-se como requisito a presença de pelo menos duas testemunhas no momento da assinatura, as quais devem de igual modo, assiná-lo. E a eficácia do documento se dará somente depois de decorridos 14 dias da assinatura, por motivos de segurança jurídica, sendo de suma importância que se estabeleça um período de espera para o testamento passar a ser válido.

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Ressalte-se que as diretrizes antecipadas previstas no testamento vital aplicam-se ao paciente que se encontre em condição terminal, sob um estado permanente de inconsciência ou um dano cerebral irreversível, na qual não seja mais possível a recuperação da capacidade para tomar decisões e expressar seus desejos futuros.

O fundamento legal do testamento vital é o respeito à autonomia do paciente e seu direito de decidir sobre os procedimentos médicos que afetem sua integridade corporal e sua saúde. Esse direito está previsto tanto no artigo 15 do Código Civil, quanto nos artigos 22 a 24 do Novo Código de Ética Médica, os quais estabelecem ser infração ética:

Art. 22. Deixar de obter consentimento do paciente ou de seu representante legal após esclarecê-lo sobre o procedimento a ser realizado, salvo em caso de risco iminente de morte.

Art. 23. Tratar o ser humano sem civilidade ou consideração, desrespeitar sua dignidade ou discriminá-lo de qualquer forma ou sob qualquer pretexto.

Art. 24. Deixar de garantir ao paciente o exercício do direito de decidir livremente sobre sua pessoa ou seu bem-estar, bem como exercer sua autoridade para limitá-lo.

Esse direito foi regulamentado pela Resolução 1.995 do Conselho Federal de Medicina (CFM), que demonstra como deve ser feito um testamento vital, optando pelo direito de refletir, aceitando ou recusando intervenções médicas que afetem sua integridade corporal, ainda que em relação a vida.

Conforme LUX, Laura Mayer. Autonomía Del paciente y responsabilidad penal médica [“PatientAutonomyandmMedcial Criminal Liability”]. Revista de Derecho de La PontificiaUniversidad Católica de Valparaíso, Valparaíso – Chile, v. 37, p. 371-413, 2º semestre de 2011:

Para que o paciente possa consentir e assumir as conseqüências previsíveis do tratamento médico que lhe será aplicado, ele deve conhecer e compreender os alcances da intervenção que lhe será proporcionada, o que implica, entre outras coisas, o dever do médico de dar estas informações de uma maneira compreensível para o paciente, e certificar-se de que esta informação foi efetivamente compreendida pelo paciente quanto ao alcance de sua intervenção, o que implica, entre outros deveres, o do medico de passar esta informação de uma maneira compreensível para o paciente, e se assegurar de que esta informação foi efetivamente compreendida pelo

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paciente (...) o que inclui uma informação completa sobre os riscos de vida envolvidos e os seus efeitos secundários que possam ocorrer em relação a capacidade de trabalho ou para a aparência física, vem como qualquer outra que possa ser considerada relevante para a outorga do consentimento informado do paciente.

Não há lei especifica que regule o testamento vital. Ele passou a ser reconhecido graças à Resolução 1.995/2012 do CFM, que se fundamente na autonomia da vontade do pacientem um dos pilares da Medicina, bem como na dignidade humana prevista na Constituição. O artigo 41 do Código de Ética Médica sinaliza de maneira clara que a vontade expressa por meio do testamento vital dever ser respeitada, segundo dispõe em se § 1º:

Art. 41. Abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste ou de seu representante legal.

Parágrafo único. Nos casos de doença incurável e terminal, deve o médico oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando sempre em consideração a vontade expressa do paciente ou, na sua impossibilidade, a de seu representante legal.

Assim, o paciente terminal tem a possibilidade de opinar sobre como deseja ser tratado e, mesmo que não esteja consciente, as ações devem ser pautadas naquilo que a pessoa tenha disposto em seu testamento vital. Nesse documento, pode ser declarada a recusa ao uso de recursos artificiais que apenas prolongariam a vida. Países como Espanha, Portugal, Alemanha, Argentina, Uruguai e Estados Unidos já há leis que regulamentam sobre o assunto.

Para que o testamento vital seja válido é necessário que ele seja digitado, impresso e assinado pelo testador sem quaisquer rasuras. Entretanto, para evitar qualquer contestação jurídica, o ideal é que o testamento vital cumpra os requisitos para os demais testamentos informais, conforme exige o artigo 1.876 do Código Civil, sendo assinado pelo interessado e por três testemunhas, ou registrado em cartório.

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1.4.1. Testamento vital na Alemanha:

Na Alemanha, no ano de 2009, o Parlamento aprovou o projeto de lei que regulamenta o testamento vital, de modo que os médicos alemães possam respeitar a manifestação da vontade do paciente, fixada por escrito, ainda que isso possa importar em sua morte. Segundo a legislação alemã, o paciente tem o direito de decidir sobre seu tratamento médico até o final da sua vida, estipulando como quer ser tratada em caso de adquirir uma doença grave ou venha a sofrer um acidente que a incapacite de se pronunciar sobre a questão. Desta maneira, prevalecerá a manifestação escrita elaborada de forma prévia. O testamento vital alemão ainda permite a nomeação de uma pessoa de confiança do testador para tomar decisões sobre o seu tratamento de acordo com a vontade prévia do paciente (DEUTSCHE WELLE, online, 2009).

No modelo alemão, caso o testamento vital não se adequar ao quadro atual da doença e caso não haja qualquer ressalva por parte do paciente, por escrito, a equipe médica, juntamente com os responsáveis, tomará a decisão de forma conjunta. Em caso de discordância entre estes, o caso será levado a um tribunal, o qual dará a palavra final (DEUTSCHE WELLE, online, 2009).

O projeto de lei alemão, então aprovado, contempla o direito constitucional de cada cidadão à sua autodeterminação, inclusive no final de sua vida, superando, portanto, questões de ordem ética e religiosa apontadas durante os debates parlamentares e assegurando a constitucionalidade do mesmo (DEUTSCHE WELLE, online, 2009).

1.4.2. Testamento vital na Espanha:

De acordo com o ordenamento jurídico espanhol, mais especificamente com a Lei das Vontades Antecipadas, aprovada no ano de 2000, é possível que o cidadão espanhol especifique o que deseja que lhe aconteça, diante de uma possível incapacidade de decidir por si próprio, quanto à manutenção de sua vida (Diário de Notícias, online, 2005).

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A aprovação do projeto de lei no Parlamento Espanhol se deu em decorrência da luta da Associação “Derecho de Morir Dignamente” (DMD), por longos catorze anos, dando início com um pedido formal feito ao Governo da Catalunha, o qual apresentou um projeto de lei à Comissão Nacional de Justiça, para atender ao caso do jovem Ramón Sampedro (Diário de Notícias, online, 2005).

A legislação espanhola se preocupou que as demais províncias, distintas da que foi lavrada o testamento, possa ter conhecimento da existência de tal documento. Tal situação seria possível através da criação de um Registro Nacional de testamentos vitais, todavia, tal registro ainda não foi criado, o que cria um problema, pois as províncias espanholas possuem uma certa autonomia quanto à elaboração de documentos públicos.

Com essa legislação, na Espanha, continua sendo proibida a realização da eutanásia ativa, porém, o suicido assistido, se expresso em petição séria e inequívoca, pode ser deferido, no caso em que o paciente venha a sofrer de uma doença grave que possa conduzi-lo, necessariamente, à sua morte (Diário de Notícias, online, 2005).

1.4.3. Testamento vital nos Estados Unidos da América (EUA):

Nos Estados Unidos da América, todos os Estados reconhecem alguma forma de manifestar os denominados “testamentos de vida”, que, segundo DWORKIN (2003, p. 252) “são documentos nos quais se estipula que certos procedimentos médicos não devem ser utilizados para manter o signatário vivo em circunstâncias específicas”. Todavia, tal instituto não é muito utilizado nos Estados Unidos, como assim aponta DWORKIN (2003, p. 253):

Uma pesquisa realizada em 1991 informava que 87% dos entrevistados acreditavam que se deveria exigir ou permitir que os médicos retirem o suporte vital se o paciente tiver assinado um testamento de vida com essa determinação; outra pesquisa, porém, informava que somente 17% dos entrevistados haviam assinado esse tipo de testamento, pois muitos

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desconhecem a forma exata de redigi-lo ou são demasiado supersticiosos ou sensíveis para assinar um documento em que pedem para morrer.

O direito ao testamento vital ou “procuração para questões da vida” é o reconhecimento da autonomia para as questões individuais e que não merecem ingerência do Estado sobre as decisões pessoais que buscam decidir o próprio destino.

No Estado da Califórnia, a legislação preconiza (DWORKIN, 2003, p. 253):

(...) “o direito de optar pela eliminação da dor e do sofrimento e de morrer com dignidade no tempo e no lugar de nossa própria escolha, quando nos tornamos doentes terminais, é uma parte integral de nosso direito a controlar nosso próprio destino.

A previsão legislativa da Califórnia, assim como aconteceu na Flórida, é pautada nos estudos e trabalhos desenvolvidos pela “HelmockSociety” (Sociedade Cicuta), a qual tem como finalidade a promoção da dignidade humana e da liberdade de escolha pelo final da vida. Atualmente, a atuação da referida sociedade se desdobra nos Estados da Flórida, Califórnia, Oregon e Nova Iorque, além de outros que já foram convocados a participar da atuação daquela (HELMOCK SOCIETY, online, 2011).

Quanto à legislação americana, é interessante destacar que cada Estado possui autonomia legislativa para determinar os seus próprios ordenamentos, em decorrência da formação estatal dos EUA.

1.4.4. Testamento vital em Portugal:

A aprovação do testamento vital ou simplesmente “directivas antecipadas de vontade”, em Portugal se deu no ano de 2011, sendo que a legislação passou a permitir que a pessoa possa escolher quais os tratamentos médicos está disposta a aceitar ou não no final de sua vida. Segundo o projeto de lei aprovado, há a possibilidade de nomeação de um procurador de cuidados de saúde, o qual assegurará o cumprimento das instruções do

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paciente, caso este venha a ficar incapacitado em manifestar a sua vontade em relação aos tratamentos médicos (DIÁRIO NOTÍCIAS, online, 2011).

O modelo português segue, basicamente, as mesmas diretrizes traçadas pelo modelo alemão, com a possibilidade de nomeação de um procurador para tratar das vontades do testador a respeito do tratamento médico caso este fique impossibilitado de manifestar a sua própria vontade.

1.4.5. Testamento vital no Uruguai:

O Uruguai foi um dos primeiros países do mundo a aprovar uma legislação específica sobre eutanásia (ano de 1934), a qual autorizava ao juiz exonerar a pena do autor que tivesse contribuído para acelerar o processo de morte de outrem por questões sentimentais, em atendimento às súplicas reiteradas da vítima. Para tanto, o agente também deveria apresentar antecedentes criminais honrados, segundo a legislação mencionada.

Com esse histórico, o Uruguai, no ano de 2009, aprovou o testamento vital ou declaração de vontade antecipada, sendo que a legislação prevê que a pessoa maior de idade e em plenas condições psíquicas, de forma voluntária, consciente e livre, pode manifestar a sua oposição à aplicação de qualquer tratamento ou procedimento médico no final de sua vida, exceto, quando essa conduta afetar a saúde de terceiros (GIORGIS, online, 2009).

Quando o doente se encontrar em situação de total inconsciência mental e, ainda, não tiver decidido sobre o final de sua vida, a legislação permite que a decisão sobre a suspensão ou não aplicação de tratamentos médicos possa ser tomada pelo seu cônjuge ou companheiro; ou por parentes consaguíneos até o primeiro grau (GIORGIS, online, 2009).

A legislação uruguaia prevê que o testamento vital seja assinado pelo testador na presença de duas testemunhas ou através de escritura pública ou ato notarial, sendo o mesmo anexado ao histórico clínico do declarante. A exemplo do que acontece com o testamento patrimonial, o testamento vital,

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segundo o ordenamento jurídico uruguaio, pode ser revogado a qualquer tempo pelo declarante, seja por ato escrito ou verbal. Deve, ainda, o médico, ao proceder com o cumprimento de um testamento vital, informar ao Comitê de Bioética da instituição de saúde em que trabalha para que o mesmo possa se manifestar quanto ao cumprimento da declaração. Para atestar quanto ao diagnóstico de doença terminal, é necessária a confirmação por um segundo profissional de saúde e, aí sim, dar efetivo cumprimento ao testamento (GIORGIS, online, 2009).

1.4.6. Validade no Ordenamento Jurídico Brasileiro

Com relação à análise da validade do testamento vital no ordenamento jurídico brasileiro, o Código de Ética Médica em vigor desde 2009 estabelece que é dever do médico levar em consideração a vontade do paciente em se submeter a tratamento (arts. 46, 48 e 56). Tal norma demonstra a importância que deve se dar à vontade do paciente.

A partir de interpretação sistemática das normas brasileiras não é encontrada nenhuma norma que veda o direito do paciente em decidir se vai se submeter ou não à determinado tratamento quando este não aumenta a chance de cura, sendo apenas prolongamento da situação terminal. Neste sentido tem-se o pensamento de Luciana Dadalto (2010, p. 129):

Os princípios constitucionais da Dignidade da Pessoa Humana (art. 1º,III) e da Autonomia (princípio implícito no art. 5º), bem como a proibição de tratamento desumano (art. 5º,III) são arcabouços suficientes para a defesa da declaração prévia do paciente terminal, vez que o objetivo deste instrumento é possibilitar ao indivíduo dispor sobre a aceitação ou recusa de tratamento em caso de terminalidade da vida.

Após estas constatações conclui-se pela possibilidade de existência do testamento vital no Brasil, permitindo inclusive o registro do documento em Cartório para atestar fé pública e publicidade.A grande questão que resta sobre o tema é a força vinculante do testamento vital.

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Como já ressaltado, nada impede que a pessoa elabore documento, porém não há garantia de que sua vontade, caso perca a capacidade ou consciência, será cumprida. A partir disso são analisadas algumas soluções.

A primeira possibilidade é elaborar o documento no Brasil, efetuar o registro em cartório, com o fim de atestar sua veracidade para apresentação ao médico. Caso este se recuse a cumprir a vontade, a família ou o autor do documento deve procurar resposta judicial.

Neste caso, juiz tem o papel de analisar a legalidade e autenticidade do documento e pode inclusive determinar dilação probatória. Além disso, verifica se os termos da vontade do doente terminal não ferem a ordem jurídica brasileira. Se o testamento vital em juízo for compatível com a lei, a moral e os bons costumes, a sentença determina o cumprimento de seus termos pelo médico.

Outra solução é criar o documento em país cuja legislação permita o testamento vital. Com esta situação surge um ato jurídico capaz de produzir efeitos no território brasileiro, desde que com observância dos preceitos do art. 17 da lei de introdução às normas do direito brasileiro, o qual determina que “as leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes”.

Ao autor do testamento vital basta a comprovação de que seu ato jurídico não ofende a soberania nacional, a ordem pública nem os bons costumes. Dessa forma o ato praticado em território estrangeiro adquire eficácia e garante a desejada força vinculante.

Nesta hipótese, da mesma maneira que na primeira, cabe a ressalva de que caso o médico se recusa a cumprir o estabelecido pelo ato é possível o reconhecimento judicial, conforme explicado. Em virtude disso, a primeira solução se mostra mais prática.Cumpre alertar que caso o documento

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estabeleça a prática de eutanásia, este perde a validade naquilo que se refere a este instituto. A eutanásia consiste na prática de ação ou omissão para antecipar a morte de uma pessoa em estado terminal e é tipificada como crime pelo art. 121 do Código Penal.

Por sua vez o testamento vital demonstra a vontade da pessoa em não se tratar, quando o tratamento cabível não tiver previsão de cura, mas sim de apenas prolongamento da vida. O documento não antecipa a morte, como a eutanásia, mas permite que a vida acabe no tempo natural, ou seja, sem adiar o fim por meio de ação humana. Dessa forma, a distanásia, medida prevista pela carta de antecipação de vontades, não encontra vedação legal.

No dia 13 de fevereiro de 2003, em Brasília, o Conselho Federal de Medicina (CFM), pela primeira vez, absolveu profissional acusada de não efetuar uma transfusão de sangue em sua paciente, Testemunha de Jeová. A paciente, que morreu ao dar a luz, foi considerada dona de seu corpo, tendo sido acatado o documento que assinou em conjunto com sua família, determinando à médica que, numa emergência, não realizasse em seu corpo nenhuma transfusão de sangue.

1.5. Dignidade da Pessoa Humana

A vida é um direito fundamental como elenca o art. 5º da Constituição da República em seu caput. (BRASIL, 1988, p.21). Durante muito tempo acreditou-se que os direitos fundamentais fosacreditou-sem absolutos, no acreditou-sentido de acreditou-se situarem no patamar máximo de hierarquia jurídica e de não tolerarem qualquer tipo de restrição. Desta forma, todo poder seria limitado por esses direitos e nenhum objetivo estatal prevaleceria sobre estes. Os direitos fundamentais gozariam de prioridade absoluta sobre qualquer interesse coletivo.

Prevalecia o princípio do primado do direito à vida no qual se defende que:

A vida tem prioridade sobre todas as coisas, uma vez que a dinâmica do mundo nela se contém e sem ela nada terá sentido.

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Consequentemente, o direito à vida prevalecerá sobre qualquer outro, seja ele o de liberdade religiosa, de integridade física ou mental, etc. (DINIZ, 2006, p.28).

O direito à vida é relativizado em três circunstâncias:

a) Quando se depara com o embate vida x vida: que é o caso da legítima defesa, uma pessoa pode tirar a vida da outra para defender a sua própria.

b) Quando se está diante de choque entre princípios: após a análise do caso concreto, um princípio irá se sobrepor ao outro, não significando que há hierarquia entre estes, mas sim que naquele caso um foi afastado para a melhor aplicação do outro.

c) Quando se tratar da defesa do direito de propriedade: hipótese em que uma pessoa que tem sua propriedade invadida mata outra para defesa dessa.

Assim, tendo em vista que não há direitos absolutos e que a Constituição da República consagra o direito a inviolabilidade da vida, deve-se questionar se o direito à vida compreende também o direito à morte, ou a inviolabilidade assegurada pela Constituição gera um dever do indivíduo em continuar vivo, ainda que intoleráveis sejam as circunstâncias em que tal vida é mantida. Sztajn (apud, AMARAL, PONA, 2010, p.17) assevera que:

O que o preceito constitucional faz é tutelar um bem jurídico, a vida, sem alcançar a vontade de morrer e a faculdade de provocar a própria morte. A norma protege a vida contra ação de terceiros, daí porque o induzimento ao suicídio é tipificado como conduta delitual. A autonomia na escolha de entre viver ou não deve ser absoluta, resultar da manifestação livre e informada, sem interferência externa de qualquer ordem, especialmente do médico ou do Estado.

O direito à vida está intrinsecamente atrelado ao direito de defesa, ou seja, impedir que os poderes públicos pratiquem atos contra a existência de qualquer ser humano e que outros indivíduos se submetam ao dever de não agredir esse bem.

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A previsão constitucional do direito de inviolabilidade da vida se destina a assegurar ao indivíduo que ninguém atente contra sua vida. Sendo designada também ao Estado, o qual tem a obrigação de garantir a efetividade deste direito, provendo aos indivíduos segurança e as condições mínimas para o desenvolvimento pleno da vida destes, mas não destinado ao próprio indivíduo, impondo-lhe o dever de continuar vivo em quaisquer circunstâncias.

Assim, o que é assegurado pela Constituição Federal é o direito à vida e não o dever de viver, pois como bem elenca o art. 5º, III, não se admite que o indivíduo seja obrigado a se submeter a tratamento desumano ou degradante. Diante disso, por não ser obrigado a continuar vivo, é possível a escolha do indivíduo anteriormente mesmo à própria doença, de não receber tratamento caso se encontre em estado vegetativo no qual não possa mais expressar sua vontade. (BRASIL, 1988, p.22).

O que se defende aqui é que o direito a uma morte digna, também foi protegido pela Constituição Federal. Quando se defende o direito à morte digna não quer dizer que o indivíduo possa extirpar seu direito fundamental precípuo, necessário para a efetivação dos demais, mas sim que tendo em vista um ideal de qualidade de vida e a não intervenção de terceiros nem do Estado na vida do indivíduo, que este possa negar-se a submeter-se a tratamentos que apenas prolonguem uma vida sem dignidade, onde haveria quantidade ao invés de qualidade. Diniz (2006, p.381) ao tratar do direito à morte digna assevera que:

A dignidade da pessoa humana é o valor fonte legitimador de todo ordenamento jurídico. A consciência jurídica atual, diante da indiferença de um mundo tecnicista e insensível, precisa ficar atenta à maior de todas as conquistas: o respeito absoluto e irrestrito pela dignidade humana, que passa a ser um compromisso inafastável e um dos desafios para o século XXI.

Desta forma, ocorre a escolha pela quantidade de vida em detrimento de sua qualidade, sendo o indivíduo reduzido à condição de coisa, o que ofende o principio da dignidade da pessoa humana. E ainda, se a submissão a

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tratamentos se der de forma contrária à vontade do paciente estaremos diante de ofensa à sua liberdade de escolha e a sua autonomia.

Assim, tendo em vista que o testamento vital tem como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana, que é o valor legitimador de todo ordenamento jurídico, esse tem amparo constitucional sendo possível a sua inclusão no ordenamento jurídico brasileiro.

2. OS PRINCÍPIOS ÉTICO E JURÍDICOS

2.1. A ética na evolução da ciência

A grande preocupação do mundo jurídico se apresenta com o avanço então alcançado pela ciência, de modo geral, sendo que se busca um parâmetro de ética para delimitar tais conquistas alcançadas.

Obviamente, que o Direito ou a Ética não podem se tornar um obstáculo para o avanço e conquistas almejadas pela ciência, mas esta também não pode ser conduzida de qualquer forma, como vimos em momentos anteriores da história humana, nos quais o ser humano foi “coisificado” nas mãos de cientistas e médicos.

Os avanços científicos começam a vir acompanhados de princípios éticos e jurídicos que passam a definir o comportamento no desenvolvimento da ciência, sendo que estes passam a impor uma conduta de resultado e preocupação para com o ser humano e as gerações futuras. O Direito destaca a aplicação do princípio da responsabilidade para com as gerações futuras, sendo que não dá para satisfazer as vontades e anseios da geração atual em detrimento das gerações futuras.

Essa preocupação é externada pela doutrina quanto à fixação de limites que devem ser estabelecidos para os trabalhos desenvolvidos pela ciência, com destaque para a possibilidade de ingresso no “mundo do desconhecido”

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ou, melhor dizendo, para os resultados que podem ser tornar inesperados, como assim aponta GARCIA (2004, p. 24):

A chamada “aventura da razão”, que acompanha o ser humano desdesempre, percebe-se, portanto, que pode apresentar um lado sombrio, isto é,em que, efetivamente, não se vislumbra uma luz, clara, banindo as trevasda própria ignorância humana: ela, nesse momento, é a ignorância humana,embora cercada de cientificismo, acompanhado do espetáculo datecnologia.

A necessidade de estabelecer parâmetros éticos para as pesquisas médicas e a evolução da ciência, nos coloca na condição de co-responsáveis pela criação do Mundo e da própria garantia da espécie humana, principalmente, por desconhecer os resultados futuros que podem ser produzidos pelo avanço avassalador da ciência.

A própria evolução humana é a forma pela qual podemos ser considerados livres, o que, consequentemente, nos permite também criar e buscar novas direções até então inimagináveis. BARBOUR (2004, p. 178) adota esse pensamento cristão sobre a evolução da espécie humana através de suas pesquisas:

(...) Nós somos criaturas ao mesmo tempo da natureza e da cultura, condicionadas pelos genes e pela história prévia. Mas, como co-criadores, temos a liberdade e a capacidade de buscar novas direções inesperadas – e, mesmo assim, continuamos dentro dos limites impostos por nossaherança genética e social.

O Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), GILMAR FERREIRA MENDES, destacou a mesma preocupação desse avanço tecnológico ao proferir o seu voto no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) n° 3.510/2006 – Distrito Federal (DF):

(...) os avanços científicos e os procedimentos e ferramentas utilizados para alcançá-los geram importantes incertezas éticas e jurídicas, que devem ser convenientemente reguladas, com o equilíbrio e a prudência que exige um tema tão complexo que afeta de maneira tão direta a identidade do ser humano.

A evolução da ciência vai impor um conflito entre a realidade e os valores a serem dotados. A ciência, em algumas das vezes, pode não se dar conta de certos valores ou preferências da sociedade, no dizer de GARCIA (2004, p. 25):

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(...) a realidade estudada pelo sábio não se dá conta de nossaspreferências; ela é indiferente ao bem e ao mal. E propõe a existência de“uma evidência espiritual do valor, que pode se impor ao ser humano comuma autoridade indiscutível, mas esta exigência inteiramente pessoal –reconhece – não apresenta nenhuma medida comum com as especulaçõesdos matemáticos e dos físicos”.

2.2. Princípio da igualdade:

Este princípio, que atualmente encontra amparo no Texto Constitucionalde 1988, prevê a igualdade de aptidão, com possibilidade virtuais de exercício da igualdade, de modo que todos os cidadãos possam ter tratamento igualitário perante a lei, em consonância com os critérios adotados pelo nosso ordenamento jurídico (IACOMINI, 2009, p. 56).

O que se veda com a previsão e aplicação do referido princípio são as diferenciações arbitrárias, pois se permite um tratamento desigual dos casos desiguais, na medida em que se desigualam. Tal tratamento é exigência do próprio conceito de “justiça”.

Assim confirma IACOMINI (2009, p. 56):

A igualdade se configura como uma eficácia transcendente, de modo que toda situação de desigualdade persistente à entrada em vigor da norma constitucional deve ser considerada não recepcionada, se não demonstrar compatibilidade com os valores que a Constituição, como norma suprema proclama.

A ideia de igualdade não pode ser resumida apenas à concepção de isonomia formal. Em um Estado Democrático de Direito formado por uma sociedade plural, com a presença de grupos minoritários, é de suma importância que se dê uma proteção efetiva aos direitos fundamentais dos integrantes desses grupos, para que seja construída uma sociedade justa, livre, solidária e, ao mesmo tempo, plural.

Esses valores são facilmente encontrados no Preâmbulo da Constituição da República brasileira de 1988, quando o legislador invocou a garantia de assegurar o pleno exercício dos direitos sociais e individuais, tendo como

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valores “a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos (...)” (BRASIL, Constituição Federal, 2011, s/n.).

Desta forma, diante de uma suposta igualdade, é necessário verificar a imposição do comando normativo sobre uma determinada classe social, de modo que não possa provocar uma “discriminação indireta”, o que enseja a prática segregacionista ao invés de uma prática igualitária.

2.3. Princípio da inviolabilidade da vida:

O direito à vida é valor imensurável para o ser humano, pois dele decorrem todos os demais direitos fundamentais então previstos no ordenamento jurídico. Desta forma, a proteção jurídica dada a tal valor deve se tornar prioridade ao legislador, em especial, quando se tratar de experimentos médicos e científicos realizados em seres humanos.

Não se discute, e essa não é a pretensão desse trabalho dissertativo, o momento certo ou aproximado do começo da vida; tratemos com a ideia da vida já concebida, de modo a alcançar a tutela do ordenamento jurídico.

Essa tutela jurídico-constitucional ao direito fundamental à vida abrange elementos tanto de ordem material como de ordem imaterial, como preleciona JÚNIOR (2011, p. 676):

O direito à vida é o direito legítimo de defender a própria existência e de existir com dignidade, a salvo de qualquer violação, tortura ou tratamento desumano ou degradante. Envolve o direito à preservação dos atributos físico-psíquicos (elementos materiais) e espirituais-morais (elementos imateriais) da pessoa humana, sendo, por isso mesmo, o mais fundamental de todos os direitos, condição sine qua non para o exercício dos demais.

Tal proteção jurídica ao direito à vida estabelecida em todos os textos constitucionais dos Estados ocidentais, inclusive por influência da Declaração Universal dos Direitos do Homem, insurgiria, independentemente, de previsão legalou não, pois tal direito decorre de norma de caráter natural, sendo

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deduzida da própria condição natural do ser humano, não levando em consideração o seu grau de evolução social, econômica ou de qualquer outra ordem. Como afirma DINIZ(2009, p. 22):

Assim sendo, se não se pode recusar humanidade ao bárbaro, ao ser humano em coma profundo, com maior razão ao embrião e ao nascituro. A vida humana é um bem anterior ao direito, que a ordem jurídica deve respeitar. O direito ao respeito da vida não é um direito à vida. Esta não é uma concessão jurídico-estatal, nem tampouco um direito de uma pessoa sobre si mesma. Logo, não há como admitir a licitude de um ato que ceife a vida humana, mesmo sob o consenso de seu titular, porque este não vive somente para si, uma vez que deve cumprir sua missão na sociedade e atingir seu aperfeiçoamento pessoal.

DINIZ (2009, p. 23) assume um comportamento bem extremo no sentido de tutelar ao máximo o direito à vida, colocando-o na condição de um bem jurídico de grande valor, que impede qualquer prática que possa violar a vida humana. Além disso, invoca a proteção contra atos que possam, de qualquer maneira, atentar contra a vida:

Jamais se poderia legitimar qualquer conduta que vulnerasse ou colocasse em risco a vida humana, que é um bem intangível e possui valor absoluto. Diante da inviolabilidade do direito à vida (CF, art. 5°) e à saúde (CF, arts. 194 e 196), não podem ser admitidos o aborto, a pena de morte (CF, art. 5°, XLVII, a), a discriminação de deficientes ou portadores de necessidades especiais (CF, arts. 3°, IV, 203, IV, e 227, §1°, I I), a eugenia negativa, a tortura e o tratamento degradante (CF, art. 5°, III) e experimentos científicos ou terapias que rebaixem a dignidade humana.

Na mesma linha de proteção ao referido direito fundamental, BULOS (2007, p. 116), também apresenta os seus argumentos fortes em prol da vida humana:

Deveras, não é dado a ninguém dispor de sua vida no sentido de fulminá-la, razão pela qual a eutanásia ativa e a eutanásia passiva (ortonásia) são flagrantemente inconstitucionais. Sem embargo, inexiste direito subjetivo de exigir de terceiros a realização da chamada “morte doce” ou “homicídio por piedade”, sob o argumento de que se estaria minorando dores e sofrimentos de pacientes em estado de saúde irreversível (eutanásia ativa).

Portanto, por essas posições doutrinárias, percebe-se que deve haver um esforço concentrado por parte do Estado, em todas as suas funções, para que possa ser assegurado o princípio da inviolabilidade à vida, tendo em vista

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que o exercício de tal direito fundamental deve, também, se pautar no exercício da dignidade da pessoa humana.

2.4. Princípio da dignidade da pessoa humana:

A dignidade da pessoa humana, como valor jurídico, se destaca como uma construção ao longo da existência da humanidade, não sendo assim um valor dado, mas sim, um valor conquistado.

Nos dizeres de EDELMAN apud SARLET (2010, p. 31), tentar definir qualquer conceito, mesmo os de natureza jurídica, “necessita retomar a história e reconstruí-la, para que se possa rastrear a evolução da simples palavra para o conceito e assim apreender o seu sentido”.

Para BARROSO (2009, p. 250) “a dignidade da pessoa humana é o valor e o princípio subjacente ao grande mandamento, de origem religiosa, do respeito ao próximo”.

O imperativo categórico kantiano é fundamento para a ideia de dignidade da pessoa humana com bases éticas que superam o utilitarismo. Assim expõe BARROSO (2009, p. 250):

(...) A dignidade da pessoa humana é a ideia que informa, na filosofia, o imperativo categórico kantiano, dando origem a proposições éticas superadoras do utilitarismo: a) uma pessoa deve agir como se a máxima da sua conduta pudesse transformar-se em uma lei universal; b) cada indivíduo deve ser tratado como um fim em si mesmo, e não como um meio para realização de metas coletivas ou de outras metas individuais. As coisas têm preço; as pessoas têm dignidade. Do ponto de vista moral, ser é muito mais do que ter.

A obra de KANT se torna referencial para a formação do conceito de dignidade da pessoa humana, como aponta ARAÚJO (2009, p. 312):

(...) é algo acima de todo preço que não admite qualquer equivalência e, sim, “valor incondicional, incomparável, para o qual só a palavra respeito confere a expressão conveniente da estima que um ser racional deve lhe tributar”, e continua, afirmando que a autonomia é “o fundamento da dignidade da natureza humana e de toda a natureza racional”.

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