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5. Descrição metodológica

6.2 As razões da emigração

Na construção do questionário foram utilizados as tipologias presentes na literatura, assim como o material extraído a partir das entrevistas, na tentativa de o adequar à realidade melgacense. Em qualquer caso, no registo do inquérito por

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Nos emigrantes as diferenças na distribuição dos géneros não são estatisticamente significativas (p > .050). As distribuições correspondem aos quadros 1 e 2, os quais estão, em anexo, na página 85.

92 Segundo o INE (2001), a percentagem de licenciados, em 2001, em Portugal era de cerca de

12%, ou seja, as percentagens encontradas são superiores, no entanto, este valor parece dever-se à constituição das amostras, uma vez que estas são intencionais ou por conveniência. O grau de bacharel e o ensino técnico profissional não foram incluídos na figura, pois os seus resultados são demasiado escassos; o mesmo procedimento foi aplicado para os quadros de distribuição em anexo.

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Somente três sujeitos em cada uma das amostras revelaram terem qualificações técnico- profissionais.

questionário, a tipologia apresentada apenas pretende fornecer um modelo de análise e não uma análise “realista” da realidade observada (Pires, 2003). A tarefa não é somente a de seleccionar e organizar os materiais, nas torná-los compreensíveis e significativos para o meio social de pertença.

As tipologias expostas e a sua interligação descrevem ainda a evolução histórica da problemática, na qual as abordagens económica ou política-administrativa eram dominantes, conferindo lugar à inclusão de variáveis contextuais, as quais se evidenciam nas relações entre os indivíduos (Pires, 2003), como a inclusão da família enquanto núcleo da decisão de emigrar (Leandro, 2004; Maia, 2003). Adensando a complexidade do fenómeno, o percurso emigratório, apenas numa família, também varia imenso, senão vejamos o testemunho da melgacense San-Payo (2000): “Meu tio emigrou para a Argentina e por lá ficou . . . Manuel meu pai . . . foi para o Rio de Janeiro . . . Porém, o apego à família e ao seu país fizeram-no regressar.” (p. 144).

O factor político, por sua vez, é realçado como elemento impulsionador da emigração (Almeida & Barreto, 1974; Brettell, 1991; P. Monteiro, 1985; Pereira 1981, 1990, 1993; Rocha, 1965), na medida em que condiciona o desenvolvimento económico e a repartição da riqueza. O factor político impõe ainda um enquadramento legal à decisão de emigrar, o qual, em Portugal, era tipicamente restritivo, favorecendo a emigração ilegal. No discurso literário, a variável política aparece em F. Castro (1984, [1930]), uma vez que as diferenças sociais e económicas se fundam no comportamento entre os seres humanos.

A variável aventura foi introduzida, pois, ela é atribuída como uma característica “intrínseca” dos portugueses, desde os descobrimentos. Contudo, mediante uma análise comparativa, outros povos emigraram tanto ou mais do que os portugueses, por exemplo, os galegos, os quais emigraram também para Portugal (Alves, 1992), permanecendo o ditado popular de teor discriminatório: “trabalhar como um galego”.

A vertente cultural também emerge nas entrevistas, sendo atribuída ainda por Torga (2003, [1931]), Namora (1997, [1967]) e M. Antunes (1981). Sanchis (1983), no que diz respeito aos melgacenses, descreve o encontro entre jovens residentes e emigrantes, na serra da Peneda (freguesia montanhosa do concelho de Arcos de

Valdevez), ponto de romaria, onde os jovens procuravam nos emigrantes respostas para as suas inquietações. O conflito laboral também foi incluído, uma vez que esta foi registada nas entrevistas94.

Um outro tipo de estudos têm vindo a realçar a importância da interligação das componentes intrapsíquicas e sociais, na medida em que ambas se determinam mutuamente, sendo que o estabelecimento intrapsíquico da confiança básica95 (Costa, 1991; Gleitman, 1993; Sprinthall & Collins, 1999) no mundo permitiria o explorar do mesmo, podendo conduzir a um percurso emigratório. Estes estudos têm como ponto de partida a abordagem psicanalítica de Erikson (1968, 1994). Foi o psicanalista e antropólogo de origem alemã e dinamarquesa que introduziu o constructo da identidade na psicologia. O sentimento de identidade emerge a partir da interacção entre os mecanismos sociais e individuais, no percurso de vida de Erikson foram as condições históricas – o nazismo – que conduziram à introdução dos factores sociais na psicanálise (Coles, 2000). No registo sociológico, Giddens (1994) retoma o conceito de confiança básica, o qual se refere ao primeiro estágio de desenvolvimento psicossocial, ou seja, a confiança básica versus desconfiança básica. Assim dispondo, a confiança básica revela-se também importantissíma nos sistemas socioeconómicos (Giddens, 1994). Ora, para emigrar é necessário depositar uma confiança básica nas informações obtidas (Castles, 2005; Pires, 2003; Portes, 1999). Usualmente, para os indivíduos com maior grau académico, a decisão de emigrar dependerá do conteúdo das informações obtidas através da comunicação social e das instituições formais. Para aqueles com menor educação académica serão as pessoas mais achegadas a fonte de informação. O factor da confiança básica não foi directamente afectado ao questionário, constituindo-se como uma limitação do estudo e um desafio futuro.

As causas para a emigração, de qualquer modo, não repousam num único factor, mas na relação entre elas, sendo que as tipologias descritas são insuficientes para a descrever. Como ter-se-á oportunidade de constatar, o elemento comum entre os discursos é a problematização da emigração, ou seja, a simples atribuição para os percursos emigratórios encerra também a forma de encarar a emigração e, em

94 Ver, em anexo, as entrevistas 6 e 8, respectivamente, nas páginas 21 e 25. 95

“I dominate a sense of basic trust, which I think is an attitude toward oneself and world deriving from the experiences of first year of life” (Erikson, 1994, p. 57).

consequência, o passado, o presente e o futuro da comunidade de pertença. Nas entrevistas, os inquiridos alicerçam as suas respostas no passado histórico, tendo em consideração a situação ou a predisposição do presente e projectam-se no futuro. As respostas individuais projectam, pois, uma perspectiva colectiva, tal como Ferrarotti (1986) aponta. Na determinação das causas do fenómeno emigratório, em qualquer caso, a problematização não se centra apenas na economia ou na política, mas na cultura em sentido alargado. Este registo complexo pode-se encontrar na literatura, isto é, em “Emigrantes” de F. Castro (1982, [1928]). O protagonista do romance é Manuel da Bouça, homem de escassos recursos e com cerca de cinquenta anos de idade, no qual o motivo poderá parecer somente económico, contudo, dada a profundeza psicológica da personagem, podem-se ainda entrever outros como a inveja ou a cobiça96.

No registo comparativo, em M. Silva et al. (1984), Cepeda (1991), Medeiros e Madeira (2003) ou Ramalho (2003), a motivação preponderante era a económica. Kemp e Morrisset (Citados por Alpalhão & Rosa, 1980) num inquérito realizado junto dos emigrantes portugueses em Hull, no Canadá, mostraram que 73% dos indivíduos emigraram para procurarem uma vida melhor, 12% por razões sociopolíticas e 16% pela melhor qualidade de vida, é curioso constatar que a primeira e a terceira razões apontadas remetem para o registo económico, sendo que o motivo económico encontra diversas formas de se manifestar consoante o desenvolvimento sociocultural da sociedade em causa, ou seja, no caso da sociedade canadiana, a forma de encarar o fenómeno social condicionou a própria forma de o questionar. De qualquer modo, como já foi afirmado, a tipologia apresentada pretende ser um modelo de análise e não uma análise realista.

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“A aldeia era terra sem futuro e os exemplos dos que enriqueceram no Brasil mostravam-se mais numerosos do que barbas sem pego onde se deita dinamite.” (F. Castro, 1982, [1928], p. 31).

Figura 4: Razões para emigrar em ambas as amostras

66% dos regressados consideram a razão económica muito importante, isto é, 76% de homens e 53% de mulheres: X2(3, N = 138) = 10,782, p = .013. Segue-se a razão familiar com 55% de sujeitos, assistindo-se, aqui, a um predomínio feminino, ou seja, 76% são mulheres e 39% são homens: X2(3, N = 128) = 20,629, p = .000. A dimensão política é desvalorizada, obtendo 14%, no entanto esta razão sobressai nos indivíduos entre os 51 e os 75 anos com 21%, o que nos remete, em termos históricos, para a política restritiva do Estado Novo: X2(9, N = 122) = 22,432, p = .00897. A seguinte opção considerada como muito importante foi a aventura: 8%. A razão conflito laboral obteve somente 5%. Por último, a razão cultural emerge com apenas 4%. Na opção de resposta outras razões, somente cinco sujeitos responderam, sendo, em duas delas, o casamento a razão fundamental, o que reforça a componente familiar.

Para os emigrantes, os valores obtidos são muito semelhantes, à excepção da categoria aventura, a qual obteve o terceiro resultado mais relevante, ou seja, 25%, sendo que 71% destes indivíduos têm o terceiro ciclo de escolaridade: X2(15, N = 32) = 26,545, p = .033. Em termos profissionais, 29% são, agora, operários e igual valor é encontrado no sector dos serviços: X2(21, N = 31) = 38,113, p = .013. Porém, a razão predominante é também a económica com 78%, constituindo-se como o valor mais elevado das duas amostras. É curioso verificar que 50% dos mais jovens dizem ainda ser este o motivo muito importante, reforçando o motivo económico como factor repulsivo, mesmo entre os mais jovens emigrantes, apesar do valor da distribuição, entre os 26 e os 50 anos, ser 91%: X2(4, N = 36) = 9,635, p = .047. Segue-se a razão familiar,

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As distribuições dos géneros e das idades dos regressados correspondem aos quadros 3, 4 e 5 e estão, em anexo, na página 85.

0 10 20 30 40 50 60 70 80 90 E c o n ó m ic a P o lí ti c a F a m il ia r C u lt u ra l C o n f. L a b o ra l A v e n tu ra Razões P e rc e n ta g e n s Regressados Emigrantes

a qual se eleva para 57%, obtendo um resultado mais expressivo do que na amostra de regressados. A razão política, curiosamente, eleva-se também para 16%, assim como a razão cultural para 6%. O conflito laboral, por seu turno, desce para 3%. Nos sujeitos até aos 25 anos, o motivo cultural colhe 40% e o laboral 25%, estes valores são os mais destacados na distribuição etária, respectivamente, X2(6, N = 33) = 14,967, p = .021 e

X2(6, N = 31) = 12,960, p = .04498. Concluindo, a razão económica predomina, em ambas as amostras, sendo que, no entanto, esta categoria tem ganho relevância junto dos emigrantes e é ainda importante junto dos emigrantes mais jovens. O motivo familiar é também mais elevado nos emigrantes.