• Nenhum resultado encontrado

Breve caracterização demográfica do concelho de Melgaço

4. A diferenciação cultural entre residentes e emigrantes

4.3 Breve caracterização demográfica do concelho de Melgaço

O concelho de Melgaço é o mais setentrional do país, ocupando uma área de 230 quilómetros quadrados. No censo de 1991 (Instituto Nacional de Estatística [INE], 2001), a população era constituída por 10.801 indivíduos. Comparando os censos de 1960 e de 1991, Melgaço perdeu 25% dos seus habitantes, sendo que: “. . . as freguesias do monte perderam mais de metade dos habitantes.” (A. Gonçalves, 1996, p. 7). Observando os valores obtidos, entre 1960 e 2001, Melgaço perdeu cerca de metade da população, ou seja, cerca de 48% da população. O seguinte quadro ilustra a evolução demográfica do concelho:

Quadro 1: Evolução da população melgacense Ano

1940 1950 1960 1970 1981 1999 2001

População 17889 17798 18211 15805 13246 10810 9974

(Fontes: A. Gonçalves, 1996; INE, 2002)

Entre 1991 e 2001, assiste-se a um decréscimo de 1.044 indivíduos. Dos concelhos da região entre o Minho e o Lima, Melgaço obteve o maior decréscimo populacional, conquanto que somente Viana do Castelo obteve um acréscimo. Melgaço possui uma das mais baixas densidades populacionais da região Minho-Lima. Nas sub- regiões do Norte, a característica predominante dos fluxos migratórios é o reforço dos pólos urbanos. Deste modo, o crescimento urbanístico da vila de Melgaço faz-se, portanto, em detrimento das restantes freguesias. No que diz respeito ao saldo migratório, ou seja, se o concelho se constitui como atractivo ou repulsivo do ponto de vista demográfico, Melgaço é um dos concelhos mais repulsivos, tendo um dos menores saldos naturais: -9%.

As diferenças socioeconómicas também se manifestam em termos nacionais, uma vez que Melgaço se encontra na periferia do país (Shils, 1992), encontrando-se longe do centro de gravidade dos grandes centros urbanos. Assim sendo, na diminuição da população também consta a migração interna para os grandes pólos urbanos. Em Portugal, segundo Almeida (1999), o processo de litorização tem-se acentuado. Em meados do século XX, em Melgaço, os maus anos agrícolas, ou seja, a produção era,

usualmente, escassa ou insatisfatória64, propiciando o aumento do fluxo migratório. Apesar da crescente tercearização, Melgaço continua a ser um concelho agrícola, até porque a exploração do vinho alvarinho se tem intensificado. No entanto, o concelho segue o ritmo crescente de tercearização na área dos serviços: em 2001, 60% da população activa encontrava-se neste sector (INE, 2001). No entanto, as ocupações no sector terciário, não excluem as explorações agrícolas de autoconsumo.

O concelho regista um forte envelhecimento da população, pois, segundo o censo de 2001, as únicas faixas etárias que registraram saldo positivo são as compreendidas entre os 65-69 e os 70-74 anos de idade, sobretudo, esta última, a qual regista um aumento de 26% face ao censo de 1991. No que diz respeito à repartição da população, segundo os géneros, em 2001, existiam, em Melgaço, 5.510 mulheres para 4.464 homens.

64 A este respeito torna-se necessário ler os relatórios e balanços de contas do Grémio da Lavoura

de Melgaço (1960) e os números sequentes, nos quais a carência de mecanização, a falta de assistência técnica, o clima e a emigração são as causas atribuídas para um cenário desolador da agricultura.

4.4 A noção de cultura

O objecto de estudo é a emigração melgacense desde meados do século XX e as diferenças socioculturais entre melgacenses com experiências emigratórias e residentes, as quais resultaram num conflito agonístico entre ambos os grupos. À semelhança de A. Cabral (2000), a noção de cultura: “. . . Abordada, neste trabalho, deverá entender-se com um todo que rege o ser humano em sociedade . . .” (p. 46). A educação e, num sentido mais alargado, a socialização moldam a percepção da realidade (Berger & Luckmann, 2004; Rosa & Lapointe, 2002; Vigotski e Luria, 1996). Ou como diria A. Gonçalves: “. . . não são apenas os pontos de vista que diferem mas os próprios olhares.” (1998, p. 102). A separação sociocultural entre residentes e melgacenses com experiências emigratórias, assim dispondo, funda-se em distintas socializações. Nesta acepção, a cultura é afigurada como um modelo de conhecimento que nos proporciona um modelo de apreensão da realidade envolvente, conferindo sentido ao comportamento (Álgel & Baztan, 1993), assim se explica o recurso aos discursos históricos e literários65.

Na medida em que participamos de uma determinada cultura é, pois, natural que este estudo seja considerado um acto cultural, uma vez que produzimos a mesma66. Assim sendo, o estudo provém da percepção da problemática e do consequente percurso metodológico e epistemológico, para regressar sobre a mesma realidade social, acrescentando-a. Uma das aplicações possíveis das ciências sociais deverá ser a intervenção na realidade social, para além da pretensão do progresso científico.

Pretende-se, pois, problematizar as questões, sem cair em profecias67. No sentido da psicologia cultural de Bruner (1997): “. . . pretendo antes asserir que a cultura e a busca de significados dentro da cultura são as causas genéricas da acção humana.” (p. 30). As mudanças são afiguradas como qualitativas, nas quais os diferentes elementos se influenciam mutuamente, sendo que o processo é dinâmico e variável (Elias, 1994,

65 A este propósito veja-se a colectânea de A. M. Cabral e Pires (1985).

66 É curioso notar que as pessoas consideram a cultura como algo de externo à actividade

quotidiana (Bock, 2003; Rogoff, 2005).

1997)68. No âmbito das ciências sociais, a postura mantida parece ser a mais coerente, na medida em que os fenómenos se encontram, muitas vezes, sobrepostos e em devir, sendo que o próprio processo de investigação não é algo de linear, senão que as várias etapas se entrecruzam (Campenhoudt, 2003; Quivy & Campenhoudt, 1997). Ao longo do trabalho de terreno, tendo em consideração a problemática e a proximidade vivencial dela com o autor, emergia um raciocínio assente na base da exclusão de partes; não era raro colocar-se em questão a pertinência da própria problemática. Neste sentido, o processo de investigação é muito próximo do proposto por Bachelard (1990), pois torna-se necessário proceder constantemente a uma “psicanálise” do próprio trabalho de terreno.

68

No registo da psicologia social, Lewin (1975) explicitou a complexidade dos fenómenos psicossociais.