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5 IMAGENS E REPRESENTAÇÕES DA BATALHA DO JENIPAPO

5.2 AS RECORDAÇÕES DO ARTISTA

Na ocasião em que foi marcada a entrevista com o senhor Francisco José Soares da Paz, foi-lhe solicitado que contasse como foi sua experiência artística e quando ele havia se descoberto com essa aptidão. Artes Paz, como prefere ser chamado, tomou a palavra e falou sem embaraços e de forma emocionada sobre sua vida de menino na zona rural, quando vivia na localidade conhecida como Fazenda Repuxo61, no município de Campo Maior, no Estado do Piauí. Nasceu em 04 de dezembro de 1971 e teve uma origem pobre, sua mãe era professora e seu pai agricultor. Não existia energia elétrica onde morava e à noite a família utilizava lamparinas a gás para iluminar. Seus primeiros desenhos foram rabiscados à noite, à luz de lamparinas, enquanto a fumaça que saía da combustão provocava irritação em seus olhos. Sua irmã, curiosa, se punha a olhar o que o irmão desenhava. Isso o irritava, pois não queria que ninguém o visse. Preferia a privacidade. Quando isso não ocorria, os irmãos terminavam brigando e a mãe sempre tinha que fazer alguma intervenção, às vezes com castigos para Artes, que era o mais velho. Ao contar esse exemplo e tantos outros, ele o fez para enfatizar como nunca havia recebido incentivo para desenvolver sua aptidão e assim poder ampliar seu conhecimento no campo das artes. Segundo ele, a mãe o reprimia porque desejava que o filho se dedicasse aos estudos, pois não via nenhum futuro naqueles seus desenhos, os quais o atrapalhavam na sala de aula. As professoras reclamavam de como se distraía durante as aulas, pois passava a maior parte do tempo desenhando, enquanto deveria prestar atenção à aula. Questionado sobre quais desenhos gostava de rabiscar, ele diz não lembrar-se de precisamente o que desenhava, mas afirmou que seu posterior contato com as revistas em quadrinhos, a qual gostava muito de ler (principalmente de bangue-bangue e faroeste), lhe serviu de inspiração para seus desenhos. Sua preferência era pelos desenhos do caubói com as armas na cintura. É dessa convivência com o universo das histórias em quadrinhos que nasce a inspiração para confeccionar uma revistinha. Naquela fase, alimentava o desejo e o sonho de tornar-se futuro desenhista desse tipo de revista.

O seu interesse pelos quadrinhos de bangue-bangue foi aos poucos dando lugar para novos heróis, agora influenciados pela televisão e aos poucos também são transformados em quadrinhos. Seu foco de interesse havia se transformado agora para os heróis dos desenhos animados, especialmente o He Man e o Esqueleto, aqueles de que a criançada mais gostava e

61 A Fazenda Repuxo foi instalada por volta de meados do século XX distando cerca de 9 km da cidade de Campo Maior. Na referida fazenda, foi instalado um curtume no qual era feito o beneficiamento do couro do gado, matéria-prima abundante no município.

encomendava os desenhos. Na escola, chegou a ganhar algum dinheiro com os desenhos que fazia, e isso o estimulava, pois, com o que ganhava, passou a garantir seu lanche diariamente. Francisco conta que, desde menino, sempre teve anseio por liberdade para desenhar, e esse seu desejo, assim como a necessidade de trabalhar para se manter, levou-o a sair de casa ainda muito cedo. Deixou a convivência com a família para viver e trabalhar em fazendas próximas com pessoas amigas. Segundo ele, quando morava na Fazenda tinha liberdade para desenhar nas horas vagas. Infelizmente, o artista não guarda nenhum rascunho de desenhos dessa fase da vida. Durante sua infância e adolescência, sem referências nem incentivos para se desenvolver no campo das artes, seu único espaço de crescimento era a escola, espaço este que, mesmo na atualidade, no ensino público, ainda não oferece o devido incentivo para estimular a criatividade. Já enquanto garoto, foi descobrindo que aquela aptidão latente para o desenho e para a pintura se irrompia na prática de pintor de letreiros em paredes. Assim, ele relembra:

Eu cheguei já numa certa idade, acho que aproximadamente uns 15 e 16 anos eu via pessoas pintando letreiros e eu comecei a me interessar também. Era uma coisa que, na época, quer dizer, ainda hoje, tinha certa rentabilidade, ao contrário do desenho, da pintura em si, que se eu fosse pintar um quadro, naquele tempo, eu não tinha nem os materiais certos, não sabia, nunca tinha nem ouvido falar na tinta a óleo, nas tintas apropriadas para se pintar uma tela. A gente pintava mesmo, quando pintava algum quadro, de alguma coisa era com a tinta mesmo de parede (PAZ, 2012, p. 3).

Desde então, seu interesse por esse tipo de pintura foi crescente, já que se apresentava também como alternativa de profissionalização e melhor rentabilidade. De tal forma, foi trabalhando como pintor de letreiros que Artes Paz conseguiu desenvolver melhor sua capacidade para o desenho e para a pintura. Ele começou a perceber que o seu trabalho diferenciava dos demais colegas que exerciam a mesma profissão.

Quanto à pintura de telas, seu interesse só será despertado posteriormente, já que não tinha a convivência com essa modalidade nem manuseava os materiais adequados. Sua primeira oportunidade como pintor de letreiros surgiu no período de campanha política. Para garantir a vaga, ele treinava em casa em uma única parede rebocada que havia em sua residência e que funcionava como uma lousa, onde apagava e refazia sua pintura quantas vezes fossem necessárias para treinar e aperfeiçoar o letreiro e o desenho. Às vezes, os letreiros vinham acompanhados de um desenho.

Dessa forma, começou sua vida de pintor de letreiros. Primeiramente, trabalhou para campanhas políticas, para marcas comerciais famosas. Trabalhou vários anos na Coca-cola,

viajando por todo o Estado do Piauí, na função de pintar a marca nos muros de estabelecimentos comerciais. Para ele, ainda adolescente, viajar fazendo algo que sabia fazer e lhe proporcionava grande prazer se apresentou como uma experiência adequada à sua aptidão, como ele mesmo se expressa:

Eu acho que foi talvez com uns 17 anos por aí. Eu já saí praticamente do interior, já viajava pelo Piauí na época, mas só que aquilo pra mim era uma coisa imensa, garoto ainda, nunca tinha saído de Campo Maior. Comecei a trabalhar e me dei bem. Eu não lembro quanto tempo eu passei, foi um bom tempo trabalhando nessa empresa até que reduziram os custos, cortaram as despesas lá, e eu fui uma das despesas. [...] Eu trabalhei em várias cidades do interior do Piauí, passava às vezes uma semana, um mês. Enfim, pintava em muros, em trailers, em bares, onde se vendia o produto e o proprietário aceitava e a gente fazia aquela pintura sendo pago pela empresa Coca-Cola de Teresina (PAZ, 2012, p. 3-4).

Com o aperfeiçoamento tecnológico do mercado publicitário chegando às empresas, sua profissão de pintor de propagandas se tornou um tanto obsoleta. Em tempos de cortes de gastos, o primeiro serviço a ser dispensado era o serviço do pintor de letreiros. Entretanto, logo depois dessa dispensa, ele conseguiu colocação em outra empresa, tornando-se pintor de letreiros da marca Café Santa Clara. Foram longos cinco anos na mesma função e que também chegou ao fim. Com a demissão e o fim dessa experiência, começou uma nova fase de redefinição de seu campo de atuação.

Assim, passou a conjugar o trabalho autônomo com várias atividades artísticas, ornamentais e publicitárias. Até aquele momento, seu trabalho como pintor de letreiros e de marcas comerciais o havia levado a manusear apenas a tinta látex, à base d’água. E, em sua nova fase como autônomo, abriu-se um novo campo de atuação, porém limitado pelas condições econômicas. Com mais maturidade pessoal e criativa nessa nova fase, sua atenção e interesses se voltaram, também, para a pintura em telas. Naquele período, ele conheceu a artista plástica Oneide, natural de Capitão de Campos e, ao vê-la produzir suas telas, interessou-se profundamente, também, por produzir telas. A partir daí, nutriu com a artista certa amizade, com a qual procurou sempre conversar sobre suas ideias, tirar dúvidas, pedir esclarecimentos e esse relacionamento foi positivo para o seu aperfeiçoamento e saber artístico. O interesse e a aptidão pela pintura de telas haviam estado sempre latentes, e era chegada a hora de se manifestar. Mesmo não dispondo de material adequado, chegou a pintar e vender algumas telas que havia feito em madeira, outras em compensado com tinta látex, já que naquela época desconhecia o manuseio com as telas e as tintas a óleo próprias para a pintura artística. Embora tivesse vendido algumas telas, o retorno financeiro não era suficiente

para sua manutenção, fato esse que sempre o conduzia para a pintura de letreiros na qual adquiria maior rentabilidade em curto espaço de tempo.

Desde cedo, percebeu que conduzir a vida apenas pintando telas naquela cidade de Campo Maior era impossível. Naquele contexto, a pintura de telas passou a ser uma atividade para as horas vagas. Seu encantamento foi notório quando teve contato pela primeira vez com os quadros em óleo sobre tela da artista Onilda62. As cores encantaram e pareciam estar trazendo um novo colorido à sua vida de pintor. Algo em seu interior se manifestava como se já conhecesse aquelas técnicas, como se já soubesse de tudo e estivesse precisando apenas de algumas orientações: era a sua aptidão se manifestando. Seu desejo criativo de produzir telas se ampliava, mas os limites também eram acentuados tanto pela falta de recursos como pela ausência desses materiais na sua cidade.

Em certa ocasião, Artes Paz foi convidado pela Secretaria de Educação para ministrar um curso para alunos das escolas públicas que apresentavam aptidão para as artes plásticas. Para a execução do referido curso, a Secretaria fornecia o local e todo o material necessário, incluindo assim as telas e as tintas. Ministrar aquele curso foi um marco importante na sua trajetória de aperfeiçoamento artística, pois conseguiu manusear as tintas a óleo e preparar as telas pela primeira vez. Segundo ele, o resultado, ao final do curso, foi surpreendente para todos. Os alunos e as pessoas que nunca haviam pintado conseguiram elaborar belíssimas telas através do curso. E, por sua vez, o instrutor aprimorava seu dom para experiências vindouras: agora o artista se sentia mais convicto e seguro para se aventurar no universo da pintura.