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ESPAÇOS ARQUEOLÓGICOS DE REMINISCÊNCIAS DA COLONIZAÇÃO

3 A CIDADE DE CAMPO MAIOR: DOS PRIMÓRDIOS DO POVOAMENTO

3.4 ESPAÇOS ARQUEOLÓGICOS DE REMINISCÊNCIAS DA COLONIZAÇÃO

O enfoque para a abordagem sobre os espaços de reminiscências da colonização surgiu a partir da maturação teórica de uma perspectiva arqueológica, de forma que se foi percebendo que, em uma abordagem desse gênero, seria imprescindível considerar o contexto

da cidade a partir dos seus primórdios. A partir dessa concepção, há de se considerar a cidade como esse “microcosmo” inserida no processo pelo qual surgiram as aglomerações urbanas empreendidas pela frente de colonização portuguesa. Desse modo, para tal investigação se torna imprescindível compreender os processos ocorridos numa abordagem da longa duração (KERN, 2009, p. 20). O espaço urbano se encontra repleto de possibilidades de investigação em razão das inúmeras fontes produzidas ao longo da sua existência. Esses núcleos se constituem nos espaços por excelência a partir dos quais se pode elaborar uma reconstituição dos processos históricos, considerando que,

As fontes escritas, materiais e iconográficas são quase inesgotáveis: arquivos eclesiásticos, arquivos municipais, antigos planos urbanos, iconografias de época, velhas fotografias, textos narrativos literários, ruínas de edificações e vestígios da antiga estrutura viária. Como as cidades são verdadeiros arquivos de cultura material, produzidas ao longo dos séculos e milênios, não podemos ignorar também a contribuição fundamental dos vestígios obtidos nas escavações arqueológicas: sedimentos de estratigrafias antigas, vestígios de objetos artesanais, remanescentes arquitetônicos enterrados (KERN, 2009, p. 435).

Como se pode perceber, as pesquisas sobre a cidade oferecem ao historiador e arqueólogo infindas possibilidades de abordagens e atualmente a arqueologia urbana se constitui em um dos mais promissores campos da arqueologia. Por esse viés teórico, se tentou compreender o longo processo a partir do qual se originou a cidade de Campo Maior, como já foi abordado anteriormente.

Entretanto, faz-se necessário ressaltar que esta porção norte do território piauiense estava povoada por dezenas de tribos indígenas da etnia dos Tremembés, das quais se tem maior referência sobre as tribos dos Alongás, dos Potis, dos Jenipapos, dos Caratiús, ou Crateús, e dos Aranhis (BATISTA, 2009, p. 135-56), possivelmente por serem tribos guerreiras que não se submeteram facilmente ao colonizador português, se impuseram em seus territórios, organizaram ataques aos colonizadores, matando seus animais e destruindo as plantações, sendo por isso odiadas pelos portugueses e, na quase totalidade, dizimadas nas guerras da conquista. Alguns sobreviventes fugiram e outros foram presos e subjugados. Entretanto, os vestígios dessas populações podem ser evidenciados pela absorção dos traços culturais indígenas pelos colonizadores, como o uso do milho, da rede, do fumo, da palha, da mandioca, do beiju (tapioca) e tantos outros fatores como a riqueza hidrográfica significativa marcada pela presença indígena que se conservam nos nomes dos rios, cuja origem vem da língua nativa, a exemplo dos rios Jenipapo, Surubim, Longá, Marataoan e Poti (BATISTA,

2009, p. 15). Todavia esses são apenas exemplos elementares, entretanto habilitar o olhar é um exercício a partir do qual se faz com que se veja para além das evidências. Das populações indígenas não foram tomadas apenas suas terras; foi roubada a sua própria identidade quando foi instituída pelo “Diretório Indígena” a mudança do nome indígena e se adotaram com o batismo novos nomes e sobrenomes portugueses. A extinção dos aldeamentos a partir de 1870 levou as famílias indígenas a engrossarem a mão de obra em localidades vizinhas às aldeias, ou como agregados sem terra nas fazendas ou em trabalhos sazonais (SILVA, 2003, p. 3). Com essa prática, tamanha foi a aversão ao indígena que na história piauiense foi interpretada durante anos tendo o índio como extinto no Piauí. Entretanto, o seu ressurgimento é visível em todo o Nordeste do Brasil, ao se constatar no Censo de 2010 um total de 2.944 índios em solo piauiense. As centenas de sítios de pinturas rupestres espalhadas por todo o Estado do Piauí são na atualidade os vestígios mais evidentes que o transformaram em um grande museu a céu aberto a comprovar a sua mais longínqua posse e domínio desse território pelas populações indígenas.

A partir do que foi exposto sobre as questões indígenas, compreende-se que, nos lugares denominados como espaço da colonização, está implícita a presença indígena. Exemplo é o espaço natural das matas dos carnaubais e dos rios acima citados, com garantia de salubridade em um território favorável à criação de gado, no qual foram montadas dezenas de fazendas. No ano de 1762, quando Campo Maior foi elevada à categoria de vila, existiam 91 fazendas de criação de gado e 49 sítios (MOTT, 1976, p. 357-8). Dentre as fazendas mais antigas e visitadas por ocasião desta pesquisa, estão Abelheiras, Trabalhado, Jatobazal, Periquito, em Campo Maior, e Fazenda Boa Esperança, que deu origem ao município de José de Freitas, permanecendo no local apenas uma construção moderna. Algumas fazendas coloniais existentes no município de Campo Maior permanecem em funcionamento na atualidade e ainda conservam o mesmo nome do registro das sesmarias, embora tenham mudados os seus proprietários (INDICE DE SESMARIAS, 1747, p. 104).

Nesse período, foi possível observar no município de Campo Maior que, ao longo do século XX, algumas iniciativas foram feitas no sentindo de um melhor aproveitamento e industrialização da matéria prima abundante no local como a cera da carnaúba, a carne e o couro do gado. A fabricação da cera da carnaúba constitui-se uma iniciativa bem-sucedida (CARVALHO, 2005, p. 13), entretanto, a industrialização dos produtos advindos da pecuária, visando à exportação da carne a partir da montagem da empresa Frigorífico do Piauí S/A FRIPISA (empresa de economia mista), em meados da década de 1950 (BRITO, 2005, p. 2), na qual se vislumbrava o desenvolvimento do Estado do Piauí, funcionou, por alguns anos,

chegando ao seu fracasso por falta de maiores investimentos. O mesmo ocorreu com a fazenda Curtume, que atuava principalmente com o tratamento industrial do couro e sua exportação. A mesma funcionou até a década de 1990 e, com a morte do proprietário, os herdeiros não a adaptaram às exigências ambientais (os dejetos eram lançados sem tratamento no rio Longá), ocasionando a sua inviabilidade. Porém, esses dois empreendimentos merecem uma investigação por parte de historiadores e arqueólogos que tenham motivação para investigar sobre história e Arqueologia Industrial. Ambos os espaços estão em ruínas. No prédio do FRIPISA, permanecem os maquinários importados que ali foram instalados.

Figura 21 – Mapa mostrando os pontos denominados de espaços arqueológicos da colonização

No centro histórico da cidade, ainda é possível visualizar parte do acervo arquitetônico colonial português, visível especialmente nos casarões do entorno da Praça Bona Primo. A referida praça constitui-se o marco da fundação da Freguesia de Santo Antonio do Surubim na qual foi erguida a capela sob a proteção do referido santo, no princípio do século XVIII, sob a responsabilidade do Mestre de Campo Bernardo de Carvalho Aguiar e do Padre Tomé de Carvalho, então vigário da Freguesia da Mocha. Por volta de 1711, esse espaço era apenas o Largo da capela de Santo Antonio, entretanto, ao longo do século, foram surgindo no entorno os casarões ainda preservados. Dessas construções coloniais, a Igreja foi uma das que não resistiu ao processo de modernização, sendo demolida na segunda metade do século XX para dar lugar a uma construção mais moderna e condizente com o novo status de sede da diocese. E, dessa forma, sob o signo da modernização, se perdia a peça mais antiga do acervo arquitetônico de Campo Maior. Paralela à catedral de Santo Antonio, foi construída no ano de 1892 a Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Negros, também conservada.

O que se denominou de espaços da Batalha do Jenipapo e da colonização compreende- se também como vestígios da cultura material, tema que será abordado no capítulo seguinte, pois todos esses espaços foram construídos pela sociedade em um momento histórico e sobre os quais continuam a incidir mudanças e adaptações perpetradas pelos seus habitantes ao longo dos tempos.