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CAPÍTULO 1 – DA GÊNESE DO TRABALHO DOCENTE E SEU STATUS

2.4 Mudanças estruturais do capitalismo nas décadas finais do século

2.4.1 As reformas educacionais na virada do século XXI

Como pôde ser acompanhado nas seções anteriores, o processo de reestruturação do sistema produtivo trouxe profundas mudanças na concepção dos Estados sobre a educação. A despeito de todos os problemas que a educação ainda enfrenta em diversos países, sobretudo na América Latina, ela ainda é considerada como a solução de muitos problemas da humanidade e como fonte de bem-estar social e econômico (OLIVEIRA, 2009).

A planificação social da educação é vista como um elemento-chave para o desenvolvimento econômico dos países e seu ingresso na “sociedade do conhecimento”. Segundo estudos da OCDE (2004 2006), são constatadas altas taxas de retorno econômico e social nos países que investem maciçamente em educação, sobretudo nos níveis secundário e superior.

Nos últimos 20 anos, diversos países da Europa, América do Norte e América do Sul experimentaram reformas importantes em seus sistemas educativos (BARROSO, 2005, 2011;

LESSARD, 2010; MAROY, 2010, 2011). Pela abrangência e variedade de países implicados, segundo Maroy (2010), essas mudanças apresentam-se não apenas como conjunturais, mas sim como evidências de uma mudança de regime de regulação dos sistemas de ensino.

De uma maneira geral, “regulação” designa os modos de orientação da conduta social (sob o prisma sociológico), estabelecendo as “regras do jogo” em um dado contexto social (MAROY, 2011). Dessa forma, a regulação do sistema educativo é, segundo Maroy (2011), a definição das regras do jogo deste sistema, em que as normas são definidas por arranjos institucionais promovidos ou autorizados pelo Estado.

Para Ozga (2001), a regulação do sistema educativo pode se dar, por um lado, por meio de uma regulação indireta, em que a promulgação de uma ideologia profissional regula seu comportamento de uma maneira particular, criando um clima de consulta e autonomia circular; e, por outro lado, via controle direto do aparelho estatal, controlando o currículo e atrelando aos docentes a responsabilidade pelo sucesso ou fracasso escolar dos alunos.

Tendo acompanhado a construção dos sistemas educacionais de massa em regimes democráticos em meados do século XX, o regime de regulação burocrático-profissional associa-se à intervenção do Estado na constituição dos sistemas de ensino, desse chamar para si a responsabilidade pela socialização dos indivíduos. O modelo burocrático-profissional pauta-se no modelo de organização racional-burocrática que está na base da organização do Estado moderno, onde o estabelecimento de regras precisas e escritas, que definem precisamente as funções, os papéis e as competências de cada um, é uniformizado “em nome da racionalidade e da necessidade de uma universalidade máxima de regras na escala do Estado- nação” (MAROY, 2011, p. 24).

Todavia, a complexidade que envolve o trabalho educativo dota os professores de certo grau de autonomia individual e coletiva perante sua conduta profissional. Ao lado do componente burocrático, deste modo, os professores estavam grandemente associados à gestão de suas carreiras, por meio de instituições representativas, e à definição de programas ou da pedagogia, através de uma elite profissional encarregada de defini-los (corpo de inspeções). Assim sendo, observa Maroy (2011),

este regime burocrático-profissional caminha ao lado dos modos de regulação baseados, ao mesmo tempo, no controle de conformidade dos agentes às leis e regras gerais, na socialização e difusão de normas, valores e saberes entre os professores e, finalmente, no ajuste e na regulação articulada do sistema pelo Estado e os representantes dos professores (MAROY, 2011, p. 25).

Os novos modos de regulação do sistema de ensino que se ascenderam nas duas últimas décadas tenderam a substituir ou a sobrepor essa tradicional forma de regulação e foram fortemente divulgados por organismos supranacionais (Banco Mundial, OCDE, FMI, etc.). A crítica centrou-se na ineficácia desses sistemas, sendo acusados de não conseguirem acompanhar a nova dinâmica econômica e social do capitalismo moderno e, consequentemente, não ser capaz de responder às demandas que lhe eram impostas.

As mudanças empreendidas nos sistemas de ensino nas últimas décadas visavam, em grande medida, a uma modernização administrativa da educação. Perante essas reformas, o Estado assume um novo papel. Esse novo paradigma retira o Estado do cenário enquanto principal executor de serviços tradicionalmente públicos, como a educação, transferindo sua responsabilidade à sociedade, muitas vezes traduzidas pelo mercado (AFONSO, 2001; OLIVEIRA; PINI; FELDFEBER, 2011).

Os chamados regimes pós-burocráticos de regulação dos sistemas de ensino erguem-se sobre essa nova concepção de Estado e lançam mão de mecanismos de mercado e de responsabilização (accountability) para alcançar os objetivos traçados para a educação. Segundo Lessard (2010), os modelos pós-burocráticos sustentam-se, basicamente, sobre dois pilares. Por um lado, os modelos de regulação orientados pelo quase-mercado partem da abertura do espaço educativo local para a concorrência entre os estabelecimentos de ensino, os quais criam leis e regras administrativas que facilitam o exercício do direito dos usuários do serviço (pais e alunos) de escolha da escola. Tal perspectiva pressupõe que a qualidade do ensino é favorecida diante da disputa entre os estabelecimentos em atrair mais alunos, uma vez que seu funcionamento e os recursos financeiros que chegam a eles estão diretamente relacionados ao atendimento realizado pela instituição, isto é, ao número de alunos da escola (LESSARD, 2010; MAROY, 2011). O Estado é responsável por definir os objetivos do sistema e o conteúdo do currículo de ensino, sendo os estabelecimentos (ou outras entidades locais) autônomos para definirem os modos como estes objetivos serão alcançados e o conteúdo do currículo cumprido.

Por outro lado, os modelos de regulação denominados de Estado-avaliador ou governança por resultados centram-se na alavanca da avaliação, da prestação de contas e da responsabilização (LESSARD, 2010). Buscam a melhora da qualidade do sistema de ensino via promoção da avaliação e da contratualização das escolas. Segundo Augusto (2012), esses modelos repousam sobre sistemas de avaliação e indicadores estabelecidos para medir desempenhos, pautando-se

na retórica da administração gerencial. Assim como no modelo de quase-mercado, o Estado assume um papel central no que se refere à determinação dos objetivos e ao programa de ensino do sistema educacional. Também se aproxima desse modelo no que se refere à autonomia dos estabelecimentos em sua gestão pedagógica ou financeira.

Maroy (2011) observa que os regimes de regulação dos sistemas de ensino caracterizados como pós-burocráticos convergem-se em, pelo menos, dois pontos essenciais. Primeiramente, afirma o autor, trata-se de dois modelos em que a racionalidade dos processos não está pautada em relação ao respeito às regras de direito, característico do modelo burocrático, mas sim na valorização dos resultados e na busca pela eficácia. Isto é, uma racionalidade instrumental. Segundo Maroy (2011), “a valorização dos resultados, a busca de eficácia, é privilegiada em relação ao respeito da regra de direito” (MAROY, 2011, p. 33).

Em segundo lugar, os modos de coordenação e controle estabelecidos para orientar as condutas não se baseiam mais no controle pela conformidade às regras e aos procedimentos,

outros modos de coordenação são promovidos, fundamentados na difusão de normas de referência (difusa das “melhores práticas”, sessão de formação ou de acompanhamento de projetos), sobre a contratualização e a avaliação (dos processos, dos resultados, das práticas) ou ainda no ajuste individual e a competição, segundo o modelo do quase-mercado (MAROY, 2011, p. 33). Nesse contexto, observa-se uma introdução de novos modelos de organização do trabalho na escola, baseados, sobretudo, no controle e na avaliação de desempenho dos docentes. Tal aspecto criou novas demandas e outras responsabilidades sobre o trabalho docente que, dentro desse novo modelo educacional – baseado em um ethos competitivo e nos princípios gerencialistas/performativos impostos pela regulação dos regimes pós-burocráticos –, devem obedecer a uma nova cultura de “performatividade competitiva”, conjugando elementos de produtividade e eficiência, os quais envolvem uma combinação de descentralização, alvos e incentivos para produzir novos perfis institucionais (BALL, 2004).

A reestruturação do mundo do trabalho nas últimas décadas afetou, e vem afetando, de maneira considerável, o trabalho dos docentes dentro do ambiente escolar e nos demais aspectos da carreira profissional, principalmente no que refere à valorização pela remuneração e no controle e na autonomia dos fazeres inerentes às tarefas dos docentes que atuam nas redes públicas de educação. Hargreaves (1998) observa que as escolas e os professores “estão a ser cada vez mais afectados pelas exigências e contingências de um mundo pós-moderno crescentemente complexo e acelerado” (HARGREAVES, 1998, p. 27).

2.5 Reformas educacionais na América Latina e no Brasil no contexto de reestruturação