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Capítulo 1. Região e regionalização: atualidade dos conceitos e

1.2. As regiões e as redes geográficas

Rede é um conceito antigo, que diz respeito à criação de malhas (linhas e pontos articulados), que permitem a conexão entre os lugares e a fluidez territorial – circulação material (pessoas e mercadorias) e imaterial (normas, informações, finanças). Hipócrates (séc.V a.C.) definiu as redes a partir de sua matriz orgânica, isto é, relacionada ao corpo humano, e Saint-Simon, em meados do século XVIII, definiu a matriz moderna do conceito de redes técnicas (Dias, 2007). Ao longo da evolução dos sistemas técnicos, as redes de circulação e comunicação passaram a ser compreendidas como mediações técnicas das transformações sociais (DIAS, 2007).

O desenvolvimento técnico possibilita, cada vez mais, o caráter deliberado de criação e traçado das redes no território (SANTOS, 1996). Com os avanços da ciência, da tecnologia e da informação, “a montagem das redes supõem uma antevisão das funções que poderão exercer e isso tanto inclui a sua forma material, como as suas regras de gestão” (SANTOS, 1996, p.211).

O debate contemporâneo está pautado, por um lado, pela densa e extensa difusão das redes, configurando uma malha planetária, especialmente facilitada pelos avanços tecnológicos das redes de comunicação e informação. Por outro lado, aborda as transformações sociais decorrentes da configuração dessa malha, sobretudo no que se refere às ações produtivas e às relações de poder que elas viabilizam no território (RAFFESTIN, 1993; SANTOS, 1996; CASTELLS, 1999). Neste caso, predomina o foco na ação dos agentes hegemônicos da economia capitalista, tais como as grandes empresas privadas, por serem aqueles que detêm maior poder sobre o desenho, a organização, a administração, a regulação, a inovação e o uso das redes. Por vezes, o

40 Vidal de La Blache, em 1920, já havia alertado sobre a intrínseca relação entre expansão das redes

debate contemporâneo também é marcado pelo determinismo técnico das redes sobre as transformações sociais e não o contrário.

As redes criam e recriam arranjos técnicos e institucionais, combinando diferentes escalas de ação (local, regional, nacional e mundial), tornando mais complexas as interações socioespaciais (DIAS, 2007). Trata-se de uma materialidade (face visível) e ação (face invisível), organizada hierarquicamente e que permite integrar e criar coesões no território, construindo relações de poder – “toda rede é uma imagem do poder” (RAFFESTIN, 1993, P.157). Constituem uma “malha de duplo controle, técnico e político” (BECKER & EGLER, 2003, p.145).

O suporte das redes são pontos ativados, cuja topografia ultrapassa as fronteiras nacionais, criando conectividade dos lugares com o mundo, uma sociabilidade à distância que traz conteúdos do mundo aos lugares e vice-versa (SANTOS, 1996). De acordo com o autor, a instalação de seus pontos ocorre em diferentes momentos e é condicionada pelo contexto da história complexa da evolução dos lugares e regiões; quando instaladas, possibilitam rapidez, instantaneidade e simultaneidade das ações.

As redes se superpõem num mesmo subespaço, ajudando a comandar as mudanças na divisão territorial do trabalho, nos conteúdos regionais, e “seriam incompreensíveis se apenas as enxergássemos a partir de suas manifestações locais ou regionais” (SANTOS, 1996, p.215). As redes criam diferentes escalas de solidariedade geográfica41, mundial, nacional, regional e local, e tornam mais complexa a divisão territorial do trabalho (CASTILLO et al, 1997). Nos lugares e regiões, elas se integram aos demais fenômenos socioespaciais e exercem seu papel de integração funcional e territorial. As redes tornam mais complexa a ideia de região e regionalização no período da globalização.

A configuração pesa diferentemente nos diversos lugares, segundo seu conteúdo material. É a sociedade nacional, através dos mecanismos de poder, que distribui, no país, os conteúdos técnicos e funcionais, deixando os lugares envelhecer ou tornando possível sua modernização. Através das relações gerais direta ou indiretamente impostos a cada ponto do país, seja pela via legislativa ou orçamentária ou pelo exercício do

41 Sobre a discussão do conceito de solidariedades geográficas, como expressão das diferentes formas

de relação entre os lugares e as regiões no âmbito da divisão territorial do trabalho, ver Santos (1996) e Castillo et al (1997).

plano, a sociedade nacional pesa com seu peso político sobre a parcela local da configuração geográfica e a correspondente parcela local da sociedade, através das qualificações de uso da materialidade imóvel e duradoura. (...) O trabalho local depende das infraestruturas localmente existentes e do processo nacional de divisão do trabalho nacional. (SANTOS, 1996, p.217).

A densidade e diversidade das redes nas regiões ajudam a definir sua especialização produtiva, seu grau de fluidez e competitividade, e seu poder como centro de decisão (polarização e comando). Daí a importância das redes para a conformação das hierarquias urbanas e conexões geográficas no território (ROCHEFORT, 1982; SOUZA, 1995).

As redes estruturam e comandam a divisão territorial e internacional do trabalho, especializando e solidarizando os lugares. São objetos técnicos e políticos, que ajudam a conformar as regiões do mandar e do fazer (SANTOS & SILVEIRA, 2001) e as regiões competitivas (CASTILLO, 2008). As redes também abrigam círculos de cooperação política, social e produtiva, que viabilizam uma série de usos do território e a própria coerência funcional das regiões. A rede oferece suporte ao poder, aos círculos de cooperação.

A divisão do trabalho e a edificação das regiões são condicionadas pela capacidade de renovação técnica42 das redes e de atualização dos círculos de cooperação política dos lugares. Tais renovações mudam o valor dos lugares, garantindo maior ou menor poder e competitividade das regiões.

As redes são importantes para a difusão de tecnologias no território, assim como, de informações que organizam a produção, os fluxos e o consumo. Elas viabilizam a inovação e lógica de incorporação tecnológica nos lugares, muitas vezes desconsiderando as demandas e desigualdades regionais. Os agentes que organizam as redes têm grande poder técnico, político e econômico de comando sobre a divisão territorial do trabalho e a difusão de inovações, tecnologias e informações no território. Esses agentes pertencem aos setores mais corporativos da economia, que se utilizam de estratégias verticais de atuação no território, isto é, atuação em rede (MANZONI NETO & SILVA BERNARDES, 2008).

42 “Nessas condições, a tendência atual é de um envelhecimento mais rápido do que antes dos

subespaços que não dispõem dos meios de se atualizar, de um ponto de vista da fluidez. (...) Dentro de uma cidade, o mesmo processo de envelhecimento rápido é mais rápido em certos bairros do que em outros.” (SANTOS, 1996, p.218-219)

O planejamento regional tem nas redes (urbana, comunicação, transporte, energia, informação, pesquisa e desenvolvimento, institucionais) um de seus principais elementos para organizar regiões. As redes organizam regiões, ao mesmo tempo em que tornam mais complexa a ideia de regionalizar o território, dado que as redes inserem os lugares na divisão internacional do trabalho.

1.3. Regionalização e planejamento regional no Brasil: breve