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2.4 As “Regras” para a Condução da Política Monetária

Embora se tenha levantado a questão acerca da melhor maneira de se conduzir a política monetária, já foi mencionado, ainda na introdução deste capítulo, que, para Friedman, a forma mais adequada de se lidar com tais políticas é através do estabelecimento de regras. Como o autor chega a essa conclusão e as razões por trás da rejeição da discricionariedade farão parte dos temas discutidos nesta última seção.

A escolha para a fixação de regras monetárias está relacionada à maneira como Friedman compreende a moeda dentro do contexto econômico. Para ele, a moeda pode ser comparada a uma máquina extremamente eficiente que possibilitou o “surpreendente aumento no produto e no nível de vida que experimentamos nos últimos dois séculos (Friedman, 1968, p. 12)”. No entanto, por ser muito disseminada, existe um grande perigo quando essa máquina perde o controle e passa a afetar de forma negativa toda a economia, como no caso das inflações e/ou agravamento de crises econômicas, como na Grande Depressão.

Dessa forma, para Friedman, a principal função atribuída à política monetária é “impedir a própria moeda de ser uma fonte importante de perturbação econômica” (Friedman, 1968, p. 12). Nota-se, por esse argumento, que a maior preocupação do autor é evitar que erros na condução da política monetária pudessem afastar a economia da estabilidade. A busca por resultados efetivos sobre variáveis reais, como visto na seção anterior, não deve fazer parte do conjunto de atribuições da política monetária.

A preocupação com o equilíbrio se faz presente também na busca por uma política monetária capaz de fornecer um pano de fundo estável para a economia. Nas palavras do autor:

Our economic system will work best when producers and consumers, employers and employees, can proceed with full confidence that the average level of prices will behave in a known way in the future – preferably that it will be highly stable (Friedman, 1968, p. 13).

Nessa afirmação, existe um espaço para as políticas de indexação que, na visão de Friedman, poderiam fornecer uma maneira rápida e prática de se atingir novamente o equilíbrio de preços23, além de impedir que a inflação puna em demasia o salário real dos indivíduos.

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Estabilidade de preços e a busca por um ambiente econômico harmônico estão diretamente relacionadas às defasagens temporais existentes na aplicação da política monetária. Tais defasagens podem transformar as políticas monetárias em potenciais desestabilizadores do sistema econômico, permitindo, inclusive, que a implementação de algumas dessas políticas traga mais problemas do que soluções para o sistema econômico.

Para compreender como as defasagens temporais podem desestabilizar a economia, é necessário resgatar o estudo de Friedman (1948). Nele, o autor subdivide o lapso temporal total envolvido na tomada de qualquer medida econômica e suas consequências em três partes: (1) lag entre a necessidade da ação e o reconhecimento dessa necessidade; (2) lag entre o reconhecimento dessa necessidade e a tomada da ação em si; e (3) lag entre a ação e seus efeitos (Friedman, 1948, p. 255).

Em relação ao primeiro lag, qualquer alteração na atividade econômica deve ser evidenciada pela análise estatística de indicadores econômicos, os quais, por sua vez, têm implícita uma defasagem na coleta de informações e no processamento dos dados apurados. Além disso, o reconhecimento que essas modificações econômicas demandam uma determinada política monetária exige grande capacidade técnica e uma avaliação consistente do que se passa na economia. No caso de uma política de reação automática24, como proposto pelo arcabouço friedmaniano, esse lag temporal cairia a zero. Situação oposta ao que aconteceria com políticas discricionárias que, segundo Friedman (1948) teriam uma defasagem temporal nada desprezível.

Depois de analisada e corretamente interpretada a situação econômica atual, resta decidir qual a dosagem do receituário monetário a ser aplicada, ou seja, qual a variação da oferta de moeda necessária para lidar com o problema em questão. Esse é o segundo lag relatado por Friedman e, assim como o primeiro, a utilização de uma regra fixa se apresenta mais apropriada do que uma ação discricionária, em virtude, principalmente, do limitado conhecimento econômico corrente para reconhecer qual a medida exata de política monetária para responder ao desajuste da economia.

Embora aponte que o terceiro lag – entre a ação e seus efeitos – esteja presente tanto com a utilização de uma política de reação automática como na política discricionária, Friedman (1948) continua a condenar a implementação dessas últimas. Para o autor, quanto maior for o

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lapso temporal total, maior será também a probabilidade de que a economia tenha evoluído na direção oposta àquela prevista inicialmente pelas autoridades monetárias.

Políticas de “sintonia fina”, portanto, trazem instabilidade ao sistema econômico, uma vez que podem tirar da trajetória de equilíbrio os níveis de preços e de renda. Para evitar esses desvios, o autor propõe às autoridades monetárias a adoção de uma regra monetária como a sugerida em Friedman (1960, p. 89): “a regra mais simples é que o estoque de moeda deva crescer a uma taxa fixa year-in year-out sem qualquer variação na taxa para contrapor-se às necessidades cíclicas”.

Friedman (1982) define que o objetivo de longo prazo da política monetária deve ser a estabilidade de preços. Tal objetivo pode ser conquistado com o estabelecimento de uma meta em termos de agregados monetários e a administração da base monetária como instrumento para atingir essa meta. A condução da política monetária por meio de regras fixas, segundo Friedman, procura minimizar os erros de condução da política monetária. Esses erros estariam altamente correlacionados às decisões discricionárias (mal) orientadas por variáveis econômicas defasadas.

Nota-se, por essa argumentação, que as autoridades monetárias, segundo Friedman, devem se guiar por magnitudes que elas possam efetivamente controlar como a base monetária e o estoque de moeda (e, por consequência, o nível geral de preços). Dessa forma, quem conduz as políticas monetárias é capaz de quantificar taxas de crescimento dos agregados monetários que sejam consistentes com uma taxa específica de inflação. O autor afirma ainda que “as taxas correntes de crescimento (dos agregados monetários) devem ser modificadas para atingir a meta de longo prazo de uma forma gradual, sistemática e pré-anunciada” (Friedman, 1982, p. 101).

A adoção de medidas discricionárias, portanto, não teria espaço dentro do arcabouço friedmaniano. A principal crítica a essas medidas vem da instabilidade gerada pelas defasagens temporais existentes entre a adoção da política monetária e seus efeitos sobre a atividade econômica.

O último ponto de política monetária analisado por Friedman em seu “Monetary

Policy (1968)” recomenda que os formuladores da política monetária evitem ao máximo

manipular as taxas de juros e, também, as taxas de câmbio. No caso da primeira, em função dos efeitos verificados na seção anterior. Já para as taxas de câmbio, a justificativa repousa no fato de que a subordinação da política monetária aos objetivos de comércio exterior não põe fim às irresponsabilidades na condução da política monetária – como ocorreria sob um verdadeiro

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padrão-ouro (Friedman, 1968, p. 15). Sendo assim, o mais recomendável é permitir que as taxas de câmbio flutuem livremente.

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