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As relações at instituições, at outros profissionais

“...a nossa área de psicologia, ela tem essa permeabilidade que muitas vezes ela, no acompanhamento terapêutico, é benéfica. Por exemplo, muitas vezes, tem gente que faz acompanhamento terapêutico que não é psicólogo, é terapeuta ocupacional. Às vezes pode ter um pedagogo, um psicopedagogo, vai ser bem vindo, mas... é uma permeabilidade que é até rica, porque muitas vezes aquele at traz coisas pra nós muito interessantes pros casos, mas às vezes também traz algum comprometimento quando ele não domina muito a psicopatologia. Ele vai ter que estudar um pouco mais... a gente já vem com essa bagagem...”

“A gente ainda falava isso, mas é só a Urgentemente. Às vezes, quando começava a surgir, a gente ficava meio assim: pôxa a gente fez uma formação, mas é o contrário, é surgindo uma cadeira na universidade, surgindo o estágio na prefeitura que a Prática vai solidificando e aparecendo em clínicas menore;, em hospitais assim, particulares, ela vai mostrando a cara. Não adianta ela ficar restrita num espaço só e você vai ficar com ciúme do seu

saber ou não passar pra ninguém, tem que divulgar mesmo pra coisa ficar solidificada, tem que ter teorização, tem que ter mestrado, livro...”

“Hoje o Séquito nem existe mais, na verdade foi uma tentativa de formar uma equipe pra que essa equipe ficasse independente da Clínica Urgentemente. Porque na verdade assim, como a gente trabalha ali, mas não tem o vínculo empregatício, na verdade funciona como free lancer, a gente não tinha tanta aquela liberdade de pegar um paciente de fora, de pegar um paciente particular, por exemplo, sem ser via Urgentemente. A gente achou que facilitaria, formar uma equipe, colocar uma coisa à parte, seria o primeiro passo pra montar uma associação. Os planos eram até,, no futuro, da gente tentar formar uma cooperativa de acompanhamento, com acompanhantes que não fossem só dali. Por gente que já tivesse passado por ali, que tivesse passado na PUC, por exemplo, que tem acompanhamento terapêutico como estágio supervisionado. A idéia era essa, mas assim, como há pouco tempo atrás era uma coisa muito nova, a gente não teve muito sucesso, não. Assim, consegue os acompanhamentos tudo, mas ainda tem que ter uma instituição que direciona, sabe?”

A entrevistada fala da área de conhecimento e atuação – Psicologia-, da existência de uma “permeabilidade”, ao mesmo tempo fala da área do AT. Traz a idéia de que a

psicologia é um campo aberto a outros profissionais, que no caso do AT isso é “benéfico”, pois traz contribuições para os casos, mas também algum comprometimento. Em sua opinião, o saber advindo da psicologia, a psicopatologia, propiciaria um diferencial no fazer do at.

Uma idéia que aparece é que é importante fazer alianças com outras instâncias de difusão (universidades, editoras), para que a prática do AT “se solidifique” e “apareça em clínicas menores”.

No terceiro trecho, percebe-se a busca de expansão do campo de atuação e inserção no mercado, que esbarra, entretanto, em fronteiras corporativistas “tem que ter uma instituição que direciona”.

O sentido que parece escapar, nesses trechos dos depoimentos, é de que há uma dimensão relacional dos ats-psicólogos com outros profissionais que exercem o AT e com as instituições/clínicas que oferecem esse serviço, relacionada a movimentos de expansão e permanência no mercado.

“A equipe tem, pode ter diferentes configurações, pra dar conta de uma certa

circunstância, da família que topa, que contrata, quer, pode pagar. Mas que também dá problema. Tanto a gente entre a equipe, pera aí, começa a divergir, ‘não larga o psiquiatra’, porque ele queria fazer umas coisas, ‘não acho que é por aí’, o endócrino queria que a gente fizesse outras coisas, a gente coloca o nosso... a equipe se organiza, mas a diferença é que pode voltar e remeter à nossa, pra pensar as nossas questões. Como ajudar ela, tal pra se cuidar. Sem ser a questão deles, mas por essa questão dela. Não é a gente que vai tá lá de madrugada, não é a gente que vai fazer com que ela emagreça de fato, a gente vai fazer um papel pra problematizar essa questão, sem ser só o spa, que já foi, teve uma semana no spa, emagreceu, emagrece e volta tudo. A diferença de que haja uma equipe é de como pode tratar essas questões específicas, assim, eu tinha uma parceira, a Ilda, a gente ia discutir o caso, mas não tinha a quem remeter pra falar mais sobre at...”

O at, na relação com os outros profissionais da equipe que também acompanham o paciente, se vê em meio a diferentes solicitações para trabalhar com o paciente. Nesse meio que demanda muito, o at fala de poder ter a “nossa”, a equipe de ats para pensar “nossas questões”, ter a quem “remetê-las” e ao mesmo tempo deixar que a “questão” do paciente

possa ser considerada. De maneira entrelaçada, se põem questões referentes à identidade do at e do paciente, às suas “questões” que necessitam ser “problematizadas”, necessitando de um “espaço” para que isso se dê.

V - NO ENTRECRUZAMENTO DA VIA HISTÓRICA COM A VIA COTIDIANA: A TERCEIRA VIA

Intitulando desse modo esta parte do trabalho, busca-se traduzir o que se passou: no entrecruzamento das vias histórica e quotidiana foi possível considerar, através das diferentes interações entre at-pacientes, at-instituições (de formação, de trabalho), at-teorias, at- profissionais, a emersão de sentidos vários. Muitos, é certo, escaparam ao movimento de “tomar em consideração”, então, se apresentam aqui aqueles que puderam ser considerados.

Carvalho (2004), ao propor uma breve história do AT, traz a experiência de Eugene Minkowsky, nos primórdios do século XX. Este psiquiatra francês viveu dois meses na casa de um dos seus pacientes e, ao observar a si mesmo e ao paciente, ao comparar suas vidas, obteve resultados de ordem psicológica e fenomenológica. Ao abordar tal experiência esta autora aponta o modo de proceder do psiquiatra como precursor do AT.

Barreto (1998) assinala que na história da psicanálise é possível reconhecer atitudes e procedimentos que em muito se assemelham à atividade que os ats buscam fundamentar. O autor lembra que Freud, inicialmente, fazia sessões com certos pacientes durante caminhadas, passeios e/ou viagens. Ferenczi propôs a análise ativa e também a recíproca, na qual aceitou a proposta de uma paciente para que se invertessem os papéis (analista/analisando) por um determinado tempo de cada sessão. Klein e Freud tiveram experiências de análise com os próprios filhos. Barreto lembra exemplos na literatura psicanalítica que fazem pensar diretamente no AT são os relatos das experiências clínicas de M. Sechehaye (1988), Winnicott (1984), Margaret Little (1990) e Khan (1991).

Os dois autores brasileiros, citados acima, ao trazerem tais informações, acabam insinuando que alguns fazeres que guardam semelhanças com as características do AT existiram antes de serem nomeadas como tal. Mas não foram leigos que os exerceram, foram psiquiatras, psicanalistas, Barreto (op. cit.), por exemplo, começa a lista com ninguém menos

que Freud! Sim, Freud praticava algo próximo a essa clínica. Mas por que isso nos interessa? Ora, se práticas similares ao AT, já existiam encarnadas em figuras como Freud, Winnicott e Ferenzi, por que o amigo qualificado, o auxiliar psiquiátrico a princípio nasce na pele de leigos ou estudantes? Ou por que psicanalistas, psicólogos tendo lido estes autores não se sentiram à vontade para fazer o mesmo?

Na experiência argentina, diante de impasses junto a pacientes com os quais as abordagens clássicas não funcionavam cria-se a figura do AT para dar conta daquilo que, no relato de Sereno (1996), trazendo a experiência brasileira, é considerado uma demanda que ficava fora dos tratamentos institucionais oferecidos. Entretanto esse “fora” passa aos poucos a não só compor o cenário dos tratamentos oferecidos, mas também inaugura um “espaço”, ou uma “clínica” receptiva a diferentes formulações teóricas, que se utiliza de espaços e situações diversificadas, rompendo com o um fazer psicoterápico padrão. No que se refere a essa temática é pertinente pensar se a constituição do amigo qualificado, auxiliar psiquiátrico, depois acompanhante terapêutico em certa medida, não responde ou cumpre à tarefa científica moderna de ordenação e classificação do real que segundo Figueiredo (2003), no seu afã purificador acaba por produzir híbridos.

Dentro dessa idéia na qual busca-se ordenar o real é pertinente lembrar o que diz Santos (2003) sobre o paradigma científico que passa a vigorar na modernidade6. A idéia de racionalidade científica se estende às ciências emergentes, e, este modelo global de racionalidade científica vai admitir variedade interna, mas delimita fronteiras com outras formas de conhecimento, não científicas, que seria o senso comum e os estudos humanísticos (históricos, jurídicos, literários, filosóficos e teológicos). Este autor coloca que este modelo opõe a incerteza da razão entregue a si mesma, à certeza da experiência ordenada. Por ter a

6

A época moderna pode ser definida pela concepção de ciência positivista que representa para Santos (2003), a dogmatização da ciência.

física e a matemática7 como modelos há duas importantes consequências: conhecer significa quantificar e o método científico assenta na redução da complexidade. Trata-se de um modelo de conhecimento causal que aspira à formulação de leis, à luz de regularidades observadas com vistas a prever o comportamento futuro dos fenômenos. E, um conhecimento baseado na formulação de leis terá como pressuposto metateórico a idéia de ordem e estabilidade do mundo, a idéia de que o passado se repete no futuro.

A ciência moderna privilegia o como funciona das coisas em detrimento de qual agente ou qual o fim das coisas, por essa via o conhecimento científico rompe com o senso comum. Se no senso comum, no conhecimento prático em que ele se traduz a causa e a intenção convivem sem problemas, na modernidade, a Ciência para obter a causa formal expulsa a intenção, pois busca prever e intervir no real. Entretanto ao proceder assim, ao dissociar, separar elementos como causa e intenção, “purificando” os objetivos da ciência, os ideais da modernidade acabam por meio de seus procedimentos produzindo uma série de dualismos, como enfatiza Figueiredo (2003)

“os procedimentos dissociativos, separadores, segregadores, implicados nas classificações e identificações purificantes, geram produtos na forma de inúmeras dicotomias: sujeito (atividade) e objeto (inércia e passividade), indivíduo e sociedade, natureza e cultura, corpo (substância extensa) e mente (substância pensante), forças (energia) e sentido (linguagem simbolos)” p.12

O AT, a princípio amigo qualificado foi criado para atender uma demanda que “ficava fora dos tratamentos institucionais oferecidos”. Pode-se pensar que as atividades atribuídas a ele na época, representavam “modos de atuação” que estavam “fora” do que usualmente era realizado (saídas, compartilhar quotidiano...) pelos profissionais da equipe como psicólogo, psiquiatras e psicanalistas que representam a ciência da saúde. A criação do AT parece despontar como fruto deste movimento circunscrito na modernidade que quer

7 Com teoria heliocêntrica de Copérnico, com as leis de Kepler, Galileu e Newton é na matemática que a ciência moderna encontrou seu instrumento de análise, mas também a lógica de observação e o modelo de representação para a estrutura da matéria. Em função desta localização central da matemática

delimitar, ordenar que acaba por constituir especialidades. Constitui-se uma especialidade: para circular, sair às ruas, compartilhar o quotidiano, tem-se o AT. Entretanto, essa especialidade vai se hibridizando8 (ganhando funções e conceitos novos) e tomando feições que remontam os saberes que estiveram implicados em sua origem e em suas transformações.

É também interessante considerar a questão levantada por Barreto (1998) ao falar da existência de um privilégio, na cultura ocidental, da dimensão discursiva. Esse privilégio em sua experiência vai sendo desconstruído na medida em que aponta que os relatos clínicos de autores como Freud, Ferenzi, Winnicott e outros sobre suas experiências, revelam que é possível descobrirmos que o trabalho com determinados sujeitos e/ou em determinadas dimensões do self, só é possível com a presença da pessoa real do analista. Este estando implicado, com todos seus afetos e sua personalidade, lança mão de recursos que transcendem a dimensão discursiva como campo simbólico por excelência. Tais autores apontam para a dimensão simbólica presente nos objetos do cotidiano: objetos da cultura, tão simbólicos quanto à palavra.

Nos relatos de experiências dos ats junto aos pacientes (item AT pacientes), essa dimensão simbólico/simbolizante do at vai se perfilando, tanto no conteúdo dos relatos quanto nos sentidos que se colocam em movimento na expressão escrita da própria pesquisadora , também at, ao discorrer sobre os mesmos. A clínica do at, herdeira de idéias psicanalíticas, reconhece que os objetos do quotidiano, sendo simbolizáveis e simbolizantes, são instrumentos terapêuticos. Entretanto, a idéia tanto da utilização de pessoas leigas, como aconteceu nas origens do at, como da utilização do quotidiano como espaço de possibilidades

8 Revelando sua inscrição também no contexto da crise do paradigma positivista que enuncia o paradigma emergente ou pós moderno. Neste último, segundo Santos(2003), é necessário buscar interações de intertextualidades. Diferentemente do conhecimento disciplinar da modernidade que policia fronteiras e cria especialistas, na ciência pós-moderna os temas são galerias por onde os conhecimentos progridem ao encontro uns dos outros, buscando as mais variadas interfaces, ela é analógica e tradutora, pois incentiva conceitos desenvolvidos localmente a emigrarem para outros lugares cognitivos para serem utilizados fora do seu contexto de origem.

terapêuticas, veiculam talvez um sentido não pouco tensionante: o terapêutico está no mundo e não necessariamente, ou somente, junto a profissionais ou em determinados espaços físicos.