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3.3 A constituição da clínica do AT: explorando experiências, conceitos e funções

3.3.1 Funções do AT

No livro Acompanhamento terapêutico de pacientes psicóticos, Mauer & Resnizky (1987) falam da experiência na Argentina e apresentam as principais funções do AT, que são: - Conter o paciente – esta função é descrita como primeira e fundamental função do acompanhante terapêutico, em qualquer momento do processo, de modo a oferecer-se como suporte, acompanhando as angústias e ansiedades do paciente.

- Oferecer-se como modelo de identificação – trabalhando em um nível dramático vivencial, não interpretativo, o at mostra ao paciente, “in situ”, diferentes formas de agir, o que auxiliaria no rompimento de modelos estereotipados de vinculação, como também a esperar e postergar, oferecendo a possibilidade do desenvolvimento de mecanismos de defesa mais adaptáveis.

- Emprestar o “ego” – o at se “empresta como se fosse um motor com combustível” p. 41 capaz de planificar e decidir pelo paciente naquelas situações em que este não é ainda capaz de agir por si mesmo. Serve de ego auxiliar, assumindo funções que o ego do paciente debilitado no momento não pode assumir.

- Perceber, reforçar e desenvolver a capacidade criativa do paciente – durante o diagnóstico, ao at cabe perceber as capacidades manifestas e latentes do paciente, para poder realizar uma seleção e hierarquização destas.

- Informar sobre o mundo objetivo do paciente – o at participando do quotidiano do paciente, ao obter informações fidedignas sobre o seu comportamento na rua, sobre os vínculos que mantém com os membros de sua família, as emoções que o dominam, as pessoas com as quais gosta de se relacionar, além de saber de condutas sobre alimentação, sono e higiene, auxiliaria a equipe com estas informações que são consideradas indicadores diagnósticos.

- Representar o terapeuta – o at “ampliaria” a ação do terapeuta, ajudando “o paciente a metabolizar interpretações efetuadas pelo terapeuta e, inclusive, deverá refazê-las” (p. 42).

- Servir como catalisador das relações familiares – contribui para “descomprimir e facilitar as relações familiares”.

Neste livro, Mauer e Resnizky exemplificam o trabalho do at junto a pacientes esquizofrênicos, psicopatas, adictos, depressivos e relatam que o acompanhamento pode ocorrer individualmente e em grupo. Em relação às tarefas, discriminam o tipo de trabalho a ser desenvolvido durante o tratamento, de acordo com a condição do paciente que pode ser: ambulatorial, hospitalização diurna, noturna, internação completa ou família substituta.

No caso dos pacientes ambulatoriais, por não estarem hospitalizados, o trabalho do at seria ajudá-los a planificar e a instrumentar um organograma de seu tempo, que inclua atividades nas quais eles tenham dificuldade em atuar com autonomia. Quando o paciente estiver em hospitalização diurna, as autoras esclarecem que cabe ao at desenvolver tarefas complementares às desenvolvidas na comunidade terapêutica. Na hospitalização noturna, a atribuição do at é acompanhar o paciente em passeios, esperá-lo na saída de um curso, ajuda- lo a ordenar seus objetos pessoais, ajudar a planejar saídas com amigos no fim de semana. Na internação completa, a tarefa do at é tanto a de ajudar o paciente a integrar-se na comunidade que o acolhe como possibilitar o nexo com o externo, favorecendo e reforçando o vínculo do paciente com objetos, seres e lugares do mundo exterior. No caso de paciente com família substituta, a tarefa do at seria a de promover uma reaprendizagem da convivência, ajudando o paciente a permeabilizar-se em relação à existência de um “outro” ou de outros com os quais compartilha o quotidiano.

No elenco de ações e funções do AT descritos por Mauer e Resnisky (1987), chamam a atenção algumas características: a contenção desponta como função primeira e

fundamental; o trabalho é não interpretativo; ao auxiliar a desenvolver a capacidade criativa do paciente, o at é quem hierarquiza e seleciona tais capacidades; o at, apesar de terapêutico, representa o terapeuta e ajuda a metabolizar as interpretações até mesmo refazendo-as. A idéia de “emprestar o ego” parece guardar uma espécie de síntese que perpassa as demais funções do at descritas por estas autoras.

Sereno (1996), a partir de sua experiência como at, faz uma crítica a este modelo de AT, no qual o at empresta o ego ao paciente, servindo como modelo de identificação. Segundo essa autora, neste modelo, o ego do acompanhante aparece como senhor de todo saber e totalmente discriminado, a ponto de servir como modelo de identificação. Ela ressalta que o at, na medida do possível, buscará romper com vinculações estereotipadas, em momentos nos quais o paciente reedita transferencialmente seus fantasmas familiares. Mas relata que no seu fazer de at, observou que o psicótico, em certos momentos, apresenta um saber que pode promover uma troca de posições.

Eggers (1985), a partir da experiência como médico assistente no Instituto de Psiquiatria Compreensiva em Porto Alegre, descreve o acompanhante terapêutico como recurso complementar à psicoterapia, inclui o at no que denomina didaticamente de etapa diagnóstica e terapêutica, momento em que será adotada uma estratégia de ação por meio da qual o at desenvolverá atividades com o paciente, sua família e com a equipe. Eggers atribui ao at as seguintes funções em relação aos pacientes e a família deste.

Com o paciente – estar próximo, diminuir o sentimento de solidão; auxiliar a planejar e organizar o pensamento; ajudar a estruturar hábitos; reorganizar condutas de forma mais adaptativa; auxiliar em decisões; assumir responsabilidade pelo paciente; estimular capacidades latentes; agir como superego; examinar com o paciente os seus limites; operar a alta progressiva na hospitalização; atuar como ponto de contato entre o paciente e a família;

manter vínculo terapêutico quando o paciente troca de terapeuta; executar um programa de atividades físicas e recreativas.

Com a família – fomentar novas formas de comportamento no grupo familiar; baixar o nível de ansiedade; avaliar o paciente na família, no seu meio ambiente; avaliar as condições que a família oferece para manter o paciente em seu meio.

Num dos textos apresentados no I Encontro Paulista de ats, reunidos no livro da equipe do Hospital Dia A Casa – “A rua como espaço clínico”, Cenamo et al. (1991) as diferenças em relação as funções exercidas pelo at, se fazem notar: Função de ego auxiliar - descrita não no sentido de emprestar o ego do acompanhante ao terapeuta, mas de "pensar junto", no sentido de um fortalecimento do ego do acompanhado, de ajudar na percepção da realidade interna e externa por parte do paciente; Função de modelo de identificação - o at deve fazer com que o paciente projete e reconheça nele o que deseja desenvolver ou ser; Função de aliviar as ansiedade persecutórias; Função de continência; Função especular; Função de interlocutor de desejos e fantasias – o at deixaria de agir na esfera da necessidade e penetraria na esfera do desejo.

É notória a presença de diferentes ênfases no que diz respeito às funções do AT. Em Eggers (1985) pode-se detectar que as funções privilegiam ações relativas a um ajuste ou a uma adaptabilidade social do sujeito, na qual se acentua o papel do at em responsabilizar-se pelas decisões e pelas atividades, como programar atividades físicas e recreativas. Cenamo et al. (1991) já parece direcionar seu elenco de funções para a condição “desejante” do sujeito que pode vir a ter mais autoria no que faz.

Utilizando um referencial winnicottiano, Barreto (1998) no itinerário das 210 páginas de seu livro, no qual relata suas “andanças com Dom Quixote e Sancho Pança”, destrincha uma série de funções do AT. Dentre elas, estão holding, continência, apresentação do objeto,

discriminação dos campos semânticos, especular, modelo de identificação, alívio de ansiedades persecutórias. Tais funções seriam exercidas pelo manejo, que constitui a técnica privilegiada do AT. Nesta abordagem, o manejo é entendido como intervenção no setting (enquadre) e/ou no cotidiano do sujeito, levando em conta suas necessidades, sua história e a cultura na qual está inserido, a fim de promover seu desenvolvimento psíquico.

Ao desenvolver, por exemplo, a idéia de holding como função do at, Barreto (op.cit.) examina a importância da disponibilidade do at estar junto, presente e constante, fornecendo uma experiência de integração ao seu acompanhado. Ele enfatiza que a experiência de integração não se dá por uma simples presença do corpo do at, mas por ser um corpo habitado, atento e que carrega em si a história do vínculo. O at oferece seu corpo simbolizado e simbolizante para seu acompanhado. Descrevendo esta função, esse autor, lembra que aspectos invariantes do meio (objetos de uma sala, um quarto) também fornecem o holding, assim como as instituições. Dá o exemplo de um paciente que desde a sua infância sofreu episódios de invasão, de ser prisioneiro de guerra, relatar que uma cela solitária fora uma experiência tranqüilizadora.

Barreto (1998) por meio das experiências como at, enfatiza que em cada episódio quotidiano, constituído por at, paciente e seus inúmeros objetos e lugares relacionados, ocorrem ações simbolizantes promovendo um ziguezaguear nos sentidos. Em sua exploração das funções no âmbito quotidiano, o que vai sendo realçado não são as saídas ou a circulação e, sim, a dimensão terapêutica que compõe essa relação acompanhante- acompanhado.