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2. Da Urgência de um Sistema de Avaliação de Riscos

1.1 As Relações Internacionais

Conforme se procurou demonstrar o conhecimento relativo ao B/FT, particularmente termos domésticos, só almejou (e criou) possibilidades sérias na luta contra a realidade que se prendia ao B e diversa criminalidade subjacente, somente com o impulso do Direito Internacional Público (DIP). E obra arcobotante foi o edifício legal da Comunidade Europeia que se espraiou à atual UE. Como se depreende, o Estado-da- Arte eram os reparos aqui e além produzidos à guisa das necessidades, cujos resultados se revelavam, por norma, confrangedores. As Organizações Internacionais davam constantes avisos à navegação. O Estado, esse ente do sistema internacional, parecia

106 fechado ou de costas voltadas a um gigante que além de atormentar veio de facto a minar todo o sistema financeiro e até o não financeiro. Eventualmente era tratado como se fosse um problema adjacente ou parcial da criminalidade mais densa e que poderia ser controlado ou debelado com o edifício legal construído.

O Estado, como ainda o representamos, continua a ocupar o seu lugar soberano nas relações internacionais (RI), dotado que está de prerrogativas essenciais como o jus tractum, o jus legationis, o jus belli e o direito de reclamação internacional, sendo exemplo a apresentação de protestos e o recurso à arbitragem (Fernandes, 1991, p.21). Da sua ação resultam as relações amigáveis/pacíficas: de reciprocidade (consulares, diplomáticas), cooperação e coordenação (política, económica, militar, científica), de integração (federação, organização supranacional); e relações conflituosas: desacordos (económicos), diferendos (políticos), litígios (diplomáticos) e guerras (militares.). Todo um somar de características que o distinguem dos demais sujeitos. E dele brota especial relação com o mundo financeiro, em concreto pelo papel que deveria assumir de controlo e prevenção através dos seus agentes supervisores.

Hoje, porém, a realidade trás à colação o domínio de facto da informação financeira. Sabendo da sua importância e da sua necessidade, constata-se que as diferentes organizações terroristas, o crime organizado e até os ditos ‘bandos’ de criminosos que pululam e gravitam nos aglomerados habitacionais, conhecem bem os meios financeiros adequados às suas atividades. Como referido, os proventos do crime são elevados e haverá que escoar, ocultar dissipar, investir, reinvestir e aplicar no sistema lícito.

A al-Qaeda, todas as suas afiliadas e, inter alia, o Boko Haram (conforme à frente exploramos), encontraram sempre o perfeito aliado na consecução dos seus diferentes atos, com ênfase para os atentados conseguidos: o numerário e todo o tipo de ativos para o seu financiamento. Gómez (2010, p. 3 e 4), referindo-se a um relatório da CIA, afirma que aquela nos preparativos para o 11 de setembro de 2001 tinha um orçamento anual de trinta milhões de USD.

No que concerne ao espaço das Relações Internacionais, nesta abordagem às diferentes escolas, importa que façamos competente análise à intervenção dos diferentes atores, como: o indivíduo, as organizações e os estados. Sobre estes últimos, interessar- nos-á a compreensão dos processos de cooperação, de integração ou simples partilha de

107 interesses. Por exemplo, a cooperação que tem sido definida como um conjunto de relações que não estão baseadas na coação ou no constrangimento; antes estão legitimadas através do consentimento mútuo dos intervenientes, como acontece em organizações internacionais do tipo das NU e da União Europeia ou em alianças como a OTAN (Dougherty e Pfaltzgraff, 2003, p.642).

Que mapa macro político se desenha pós 9/11, que poderá influenciar a segurança da própria UE? Sobreviverá esta, entre outros, à sua instabilidade monetária e financeira. Pior, será o deslize da influência do Norte? Tal como a segurança da Pax Britannica do século XIX, perdeu determinação a Pax Americana pós ‘45’?

O mundo bipolar que se definiu depois da II Guerra Mundial, com o ascendente dos EUA e, ao tempo, da URSS, definhou a partir dos finais dos anos ‘80’, sendo referência a queda do muro Berlim. Assistia-se, como dissemos, a um redesenhar do mapa político, onde ganhavam relevo diferentes atores além dos próprios estados. A Europa, aparentemente, deixava de ser o centro do mundo. A importância de outros mundos emergia e hoje identificamos a presença e a marca dos países asiáticos. O século XXI será dos asiáticos, tal como o século XX foi dos europeus (Silva, N., 2009, p. 21).

Em termos macro securitários devemos reforçar uma Europa enquanto UE ou perceber que temos repensar a linha de Lisboa a Moscovo? A Política Europeia de Segurança Comum (PESC) e, sequencialmente, a Política Europeia de Segurança e Defesa (PESD), abriram caminhos de relevante interesse para os diferentes membros. Quase um apelo, talvez carregado de ambição, a uma reorganização política.

As relações internacionais (RI), para Kissinger na sua ‘Diplomacy’ (1994, p.806), enquanto quadro de interação, emergiram de uma política de estrangeiros que fez relacionar as diferentes nações aquando do Congresso de Viena realizado entre setembro de 1814 e junho de 1815. Como se sabe o rescaldo do fim do império napoleónico impôs novo mapa geopolítico para a Europa. Os Estados refizeram-se conforme a sua posição de vencedores e de vencidos. O século XX trouxe os dois conflitos maiores e, mais uma vez, a Europa fez deles palcos principais. Mas, um ator foi sempre distinto: o Estado. No velho continente a ‘Raison d’Etat’ de Richelieu ou a ‘Realpolitik’ dos alemães, continuaram a colocá-lo como eixo, a linha e referência última.

108 Consta dos compêndios que o atentado de Sarajevo, em 1914, que vitimou o arquiduque Francisco Fernando, foi da responsabilidade direta de um tal Gavrilo que pertencia a um grupo terrorista denominado ‘Mão Negra’. Ao tempo, que interveniente era este no contexto das RI? Como se construiu esta organização, que interesses defendia, como foi financiada?

Como refere Maltez (2002, p. 177), outro importante segmento das RI tem como atores as igrejas e os movimentos religiosos, os quais, pela sua própria natureza, nunca se adequaram à compartimentação estadual do mundo. Outrossim, e porque relevante, se refere Maltez às multinacional corporations (multinacionais ou transnacionais), que dão corpo a uma das principais redes de atores, não só no plano da economia e das finanças, mas também no domínio da própria política, através das mais variadas formas de influência. Como novos intervenientes, ainda Maltez (2003, p. 187), emergem os diferentes grupos terroristas.

Temos então uma manta de retalhos embebida dos mais explosivos materiais. O Estado, per se, não arvora capacidade maior além-fronteiras. O Estado entronizado que foi como ente impessoal, que controlava um território consolidado, bebeu, desde a sua criação no século XV, de influências de Machiavelli e de Jean Bodin. Tido como autoridade única, dotado de excecional moralidade (razão de estado) e garante de legalidade. O Estado era um povo fixado num território, de que era senhor, e que dentro das fronteiras desse território instituía, por autoridade própria, órgãos que elaboravam as leis necessárias à vida coletiva e imponham a respetiva execução (Caetano, 1972). E, volvidos alguns passos da humanidade, eis um Estado moderno, como assegura Maltez (2002), feito à imagem e semelhança de uma sociedade anterior à Revolução Industrial, que tem dificuldades de resposta face aos desafios do novo campo do poder, neste dealbar do milénio. Entre o privado e o público, já não podem atuar as categorias do ius imperii. A crise alargou-se não só à própria figura do Estado ou da soberania, mas arrastou-se à noção do político, entendido como uma autonomia que vem de baixo para cima.

Que papel desempenha este ator, que em certos teatros não tem passado de figurante?

Nas RI o Estado, que deveria ser garante da parceria nos mais diversos palcos, despersonalizou-se. Que deveria tentar permanentemente suavizar, tornar mais visível a

109 interdependência assimétrica entre os indivíduos ou que não dá aos seus cidadãos um sentimento de segurança, que não lhes assegura um mínimo de estabilidade social e de rendimento, e que não garante a ordem pública em conformidade com as suas convicções morais é um Estado condenado (Ziegler, 2006, p.92).

A Escola Realista que dominou o período da Guerra Fria, em que se faziam sentir as alianças, os obstáculos na cooperação, o imperialismo (Walt, 2007, p.31), impele-nos ao debate do pendor do Estado nos dias que correm. O mundo que se globalizou, e talvez tenha sido o nosso navegador Magalhães, ainda que ao serviço da Coroa Castelhana, o primeiro responsável pela união dos mundos, deixa-nos a convicção, ou pelo menos o pensamento, do quão pequenos somos quando pretendemos dirimir e/ou corrigir assimetrias. O domínio dos Estados e o pretenso caos em que laboravam mergulharam as relações internacionais naquilo a que muitos autores se referem como uma anarquia controlada. Isto é, os Estados só podiam contar com eles, sobretudo nos atos bélicos. Armar para demonstrar poder. Conforme Rodrigues (2004, p. 17) para os realistas, os grandes fatores da política internacional têm que ver com questões de segurança, guerra e paz. A realidade da diplomacia é que os ganhos de um Estado são os custos de outro, e que nenhum Estado pode depositar confiança num outro para sua própria defesa e bem-estar. É uma espécie de jogo de soma nula. Que poderíamos pensar de uma Crimeira? Que representarão os Tártaros para uma maioria atual de russos? Finalmente, que oposição possível da Ucrânia perante o gigante russo? Parece-nos que os realistas aqui se poderão reconhecer.

Frieden55 fala-nos de uma multiplicidade de atores que se cruzam nos estudos políticos internacionais. Indivíduos, pessoas coletivas, Estados-Nação, organizações internacionais, atores transnacionais e muitos outros. Todos eles com interesses comuns, sendo que para os primeiros dois, respetivamente, estaria o bem-estar e a maximização do lucro. Para o autor, sejam os neorrealistas, os neoliberais e as demais escolas, arguem-se mais os princípios do que a necessidade em encontrar explicações. Nesta conformidade, assalta-nos a constante desorganização dos grupos que estudamos e

55

Em ‘Actors and Prefrences in International Relations’, Chapter Two, p. 56 e 76. Disponívelem http://scholar.harvard.edu/files/j_frieden/files/actprefir.pdf . Consulta em 01mar14.

110 outros que aparentemente o são mas que conseguem objetivos desmesurados. Escapam constantemente às organizações e às instituições que, altamente preparadas (!), lhes dão luta e perseguição. Dir-se-ia que a fineza está no conseguir o impensável.

O desarranjo das Relações Internacionais sentiu-se, particularmente, com a queda das Torres Gémeas. Não foi certamente só a anarquia das relações estaduais, entre outras, contar-se-á o descontrolo e precipitação das informações, quer dos serviços de segurança, quer dos serviços de investigação. De facto, exigir-se-ia muito mais aos Estados, tendo em conta que um deles, quase que hegemónico, falhou em toda a linha.

Que ator este ou sujeito ‘novo’, que transnacionalmente se emancipou: o terrorista! Antes ‘agente’ se se pensar a escola Construtivista, por designar ação. Assegura Castro (2012, p. 388 e 389), que aquela escola privilegia as relações dos agentes, que podiam ser os Estados, com a estrutura, significando o cenário internacional. E que este é uma forma ampliada de sistema social complexo que se compõe de três fatores preponderantes: condições materiais, interesses e ideias. Se, como refere o autor, cada um deles interage de maneira a construir (e co-contruir) o tecido complexo da política internacional, haverá que pensar o papel (des) construtivo das muitas organizações informais e indivíduos que aqui discutimos. Osama Bin Laden, por exemplo, enquanto ator individual.

Cremos que o debate sobre a importância do debate sobre os Estados não esmoreceu. Contudo, Holsti (2004, p.18) refere que o Realismo dominou o século passado, tendo emergido o Construtivismo impulsionado pelas ciências sociais. Entrou- se na construção do social, das representações. Os ‘aliados’ e/ou os inimigos mais não são do que isso mesmo. São um produto da ação humana, acrescentou Holsti. Porém, colhemos também o que os neorrealistas dizem, quando afirmam, ignorando desde logo qualquer postura humana, que o poder está no interesse das grandes potências e no interesse hegemónico de cada uma delas. No entanto, os clássicos, como Hans Morgenthau, diziam que os Estados, tal como os indivíduos, tinham o desejo inato em dominar os outros, o que os levava a guerrearem-se (Walt, 1998, p.31).

Se pensarmos as diferentes vertentes da Escola Idealista, conforme Walt (1998, p. 32), encontramos motivos para compreender uma maior interdependência entre os Estados, através das diferentes organizações internacionais e demais atores

111 transnacionais, como as multinacionais, que os servem e, ao mesmo tempo, influenciam. Acresce que, para uma das vertentes, a disseminação das democracias, ideal normalmente atribuído ao Presidente Woodrow Wilson, é a chave para paz mundial, assegura o autor. Desde logo, e tendo por base o primeiramente referido, para os dados em estudo, esta Escola reforça um sentido de partilha absolutamente necessário para muitos dos atores em causa, seja eles os Estados, os Bancos ou instituições como o FMI. Já não descortinamos a dita chave das democracias, pois, através de exemplos recorridos, encontramos perpetuação no poder através do voto, o que não auxilia a transparência do sistema, sobretudo nas questões que se prendem com o branqueamento de capitais.

A Escola Radical encontrava no Capitalismo e no Liberalismo a mola de impulso ao conflito nas RI. O lucro, a livre concorrência, o Mercado, que são características daqueles, encerram os mecanismos despoletadores. Castro (2012, p. 378) refere que a escola Crítica (Radical) fundamenta-se no marxismo e no neomarxismo e que dela, agora citando Koen, emerge um dos seus principais mecanismos propulsores: o materialismo, que condiciona as alternativas e escolhas dos Estados na elaboração e na execução das suas políticas externas. Provavelmente com o fim da Guerra Fria, as bases de tal teoria fraquejaram, não encontrando agora sustentação no panorama das RI. No entanto, temos encontrado na ambição, no justificativo e nos objetivos do CO, especialmente o que se relaciona com o terrorismo, o fim estrutural da lei do Mercado. Aparentando este e os seus agentes serem os ignidores das desigualdades e injustiças do sistema vigente.

Diferentemente das demais em alguns apontamentos, a Escola Inglesa, ainda que possua alguns elementos do realismo neoclássico, pega em três importantes eixos para a explicação e compreensão dos complexos fenómenos internacionais: a matriz histórica, a técnica científico-jurídica e o sistema filosófico (Castro, 2012, p. 381). Wight, citado por Castro, sustenta a Escola Inglesa, quando diz que a política internacional melhor se compreende quando enraizada na tradição política, jurídica e filosófica.

Ainda que se dê enfase ao Estado o conceito relativo ao anarquismo reinante nas RI afasta-se dos paradigmas clássicos do realismo e do liberalismo. Castro (2012. p.

112 383) mais esclarece que para a escola inglesa, as RI, ainda que permeadas de anarquia há um conjunto de regras valores e instituições que normatizam a conduta do Estados.

Assim o padrão, a norma, a regra e os valores, poderão, de facto, ajudar a mitigar o desconcerto das RI. Os Estados, as Organizações e demais sujeitos deverão, por exemplo, enquadrar-se com o emanado das Nações Unidas. O DIP, porventura, deveria ser balizador, mas, como consabido, os desvios são uma constante e, como que servindo de prova, os Estados são os primeiros a não acatar as Recomendações da ONU e, ainda menos, as Resoluções do Conselho de Segurança. Do mesmo modo, também os últimos, acabam por ser meramente reativos às diferentes convulsões, e, não raro, respondem tardiamente. A esse respeito, recorde-se que a primeira abordagem sobre uma estratégia comum dos Estados-membros contra o terrorismo data de setembro de 2006 e que a Assembleia Geral organizou pela primeira vez uma reunião de análise de implementação de uma estratégia Antiterrorista mundial, apenas em 2008.

1.2 Do Direito Comparado: Do Direito Europeu e Doméstico a outros Ordenamentos