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Se bem que sucintamente, é necessário começar por apresentar as princi- pais religiões existentes no Japão que foram surgindo ao longo dos séculos. Seguindo a classificação de Reid (1991), podemos considerar os seguintes pe- ríodos: Período Xintoísta ( até séc.VI), Xintoísta-Budista (538-1549), Xintoísta- Budista-Cristão (1549-1802), e Xintoísta-Budista-Cristão-Outras [Novas Reli- giões, etc.] (1800- actualidade ).

Especial atenção deve ser dada ao Xintoísmo por ser a religião nativa. O Xintoísmo é uma religião cósmica e étnica, centrada na unidade social. Xinto ‘é o caminho dos kami’, seres divinos, mais imanentes que transcendentes, que visam a harmonia e a abundância da comunidade. Há diferentes tipos de kami (kami da natureza, das ideias, dos antepassados, etc.), que foram dividi- dos em kami clan associados a ritos aos antepassados e os carismáticos asso- ciados a locais de culto. Por tradição o recém-nascido é levado ao templo xin- toísta local para receber a benção e protecção do kami e mais tarde, as crianças de sexo feminino de três e sete anos e as de sexo masculino de cinco anos são novamente levadas ao templo para serem abençoadas.

Os templos xintoístas funcionavam como centros da comunidade e, em- bora esta função se tenha vindo a esbater com as mudanças sociais do Daniela de Carvalho

pós-guerra, continuam a dar continuidade às actividades culturais tradicio- nais. As várias estações do ano são celebradas de acordo com ritos xin- toístas. Os festivais religiosos xintoístas (matsuri) unem as pessoas com o kami e têm tido uma grande importância social no Japão. O kami é repre- sentado por um objecto e transportado num altar aos ombros de um grupo de jovens pela aldeia ou localidade, e realizam-se em todo o país mesmo numa cidade cosmopolita como Tóquio. O ambiente geral é de festa com muita bebida.

Sendo uma religião animista sem doutrinas ou dogmas, o Xintoísmo não tem preocupações de ordem ética. Os ‘maus’ actos humanos são considera- dos como desastres naturais e para os evitar é preciso realizar actos de purifi- cação (purificação física feita pelo próprio lavando a boca e as mãos, e puri- ficação interior feita pelo sacerdote).

Embora não tenha de facto carácter ético, o Xintoísmo está associado à ideia de sinceridade (makoto).1Enquanto o Budismo é metafísico e o Confu-

cionismo é racional e ambos foram importados, o Xintoísmo, que se caracte- riza por ser emocional, é a religião nativa do Japão. Isto não surpreende posto que o lado emocional da natureza humana é valorizado na sociedade japonesa e o sentimento prevalece em relação à ‘Verdade’, ‘Bem’ ou ‘Justi- ça’.

As dimensões étnicas do Xintoísmo estão já expressas em textos do sé- culo VIII onde são estabelecidas as linhagens dos kami. Segundo esses textos, o Japão teria sido formado pelo kami Amaterasu do qual o impe- rador supostamente descendia. A crença na origem divina da linha impe- rial legitimou a autoridade do Imperador ao longo da história do Japão até 1946, quando o Imperador Hirohito anunciou aos Japoneses que não era divino.

O Budismo foi introduzido em meados do século V através da Coreia nu- ma época em que o governo político do Japão não estava centralizado. Entre 538 e 1549 o Budismo criou raízes profundas com várias seitas. O Confucio- nismo com o sistema de escrita chinês completaram o Budismo e apesar de ter sido introduzido antes do Budismo funcionou sempre mais na esfera dos pre- ceitos morais do que religiosos.

A partir de 1614, todos os Japoneses ficaram obrigados a registar-se como membros de uma comunidade budista. O Budismo passou a ser reli- gião oficial com o estabelecimento de um sistema que exigia que cada famí- Religião, sociedade e cultura: O caso do Japão

1Note-se contudo que a vida social no Japão é regida pela diferença entre público e privado, entre o que se exprime

lia japonesa se registasse no templo local e o financiasse. Aos cidadãos adultos era-lhes exigido um certificado que comprovasse que não tinham li- gações com actividades subversivas, nomeadamente cristãs (Reid, 1991, p.10).

Desde essa época os templos budistas passaram a ter a exclusividade dos ritos mortuários e a ligação da população com o Budismo reduziu-se progres- sivamente a esses ritos. Os Japoneses passaram a frequentar os templos mais para realizar funerais do que na busca da iluminação. Em certos templos de Budismo Zen há mais estrangeiros do que Japoneses. Um exemplo é o templo Sogenji em Okayama onde, nos primeiros anos da década de noventa, todos os discípulos eram estrangeiros sendo o mestre o único Japonês no templo.

As visitas aos inúmeros templos budistas e xintoístas existentes no país são muito populares particularmente no Ano Novo e em determinados períodos do ano, como seja na altura da admissão às universidades, quando milhares, se não mesmo milhões, de Japoneses rezam pelo sucesso nos exames.

O Cristianismo foi introduzido na ilha Kyushu no Sul Japão em 1549 por Francisco Xavier. Inicialmente foi muito bem aceite e alguns dos senhores feu- dais converteram-se ao Cristianismo. O Japão encontrava-se na época dilace- rado por guerras internas e estas guerras aliadas à oposição dos monges bu- distas e sacerdotes xintoístas ao Cristianismo dificultaram a expansão da doutrina cristã.

Na segunda metade do século XVI iniciou-se o processo de unificação do Japão e progressivamente os Cristãos passaram a ser vistos como uma força subversiva a essa união, o que resultou na sua perseguição e execução massi- va e, por volta de 1640, o Cristianimo foi totalmente proibido. Vários factores intervieram na decisão política de abolir o Cristianismo e depois fechar o Ja- pão ao resto do mundo durante dois séculos, mas o facto de a doutrina cristã constituir uma ameaça ao projecto de identidade nacional foi sem dúvida um factor importante (Carvalho, 2000). A obediência a um único Ser acima de tudo punha em causa a ordem social estabelecida.

A expulsão e a perseguição dos Cristãos levaram à formação de grupos cristãos clandestinos que sobreviveram e o Cristianismo, se bem que seja uma religião minoritária, tem os seus aderentes. A influência cristã é mais notória na ilha Kyushu sobretudo em Nagasaqui.

O interesse pelo Cristianismo foi reanimado depois da Segunda Grande Guerra. Muitos missionários norte-americanos e europeus responderam ao apelo do General MacArthur para ajudar a reconstruir o Japão. Consequente- mente, a Igreja Protestante viu o número dos seus membros aumentar de 190.000 em 1942 para 400.000 em 1960, e a Igreja Católica, que tinha Daniela de Carvalho

100.000 membros durante a Guerra, tinha em 1960 cerca de 323.000 mem- bros (Mullins, 1998, p.23).

A celebração do Natal entrou ‘em voga’ nas últimas décadas, mas tem carácter sobretudo comercial (venda de bolos de Natal, etc.). É também no Natal que muito pedidos de casamento são feitos. Desconhece-se a origem deste costume recente, mas aparentemente não tem qualquer fundamento reli- gioso.

Tendo em conta o investimento feito pelas Igrejas cristãs no Japão, parece que o sucesso tem sido pouco posto que só 1 por cento da população aderiu ao Cristianismo. Segundo Mullins (1998), os esforços para transplantar o Cris- tianismo para o Japão têm fracassado porque a doutrina cristã é idenficada como estrangeira. Inúmeros movimentos indígenas têm-se desenvolvido parti- cularmente no pós-guerra apropriando-se das ideias cristãs e adaptando-as (transformando-as) como sendo reacções nativas a uma religião estrangeira à cultura japonesa. O número de membros destes movimentos religiosos varia entre algumas centenas e 20.000. A lista é longa, mas como exemplo apre- sento dois deles: A Igreja do Espírito de Jesus fundada por Murai Jun em 1941, e a Igreja de Cristo que Dá Vida fundada por Imahashi Atsushi em 1966 (Mullins, 1998, p. 25).

A maioria destes movimentos são referidos como religiões relacionadas com o Cristianismo, mas nenhum deles tem relação ou recebe qualquer apoio das Igrejas cristãs. Todos eles têm em comum a crença de que estão a respon- der a uma chamada de Deus para desenvolver as expressões culturais japone- sas (ibid).

Falta ainda mencionar as Novas Religiões cuja importância têm aumenta- do nas últimas décadas. A maioria delas surgiram no pós-guerra e de um mo- do geral estas religiões preocupam-se mais com ‘este mundo’ do que com ‘o outro’, e são bastante eclécticas nas crenças e práticas. A mais antiga é a Ten- rikyo, fundado no século XIX por uma xamanista. A Seicho no ie que se diz ser a síntese de todas as outras religiões, tem tido grande difusão tanto a nível nacional como internacional.

A maioria das Novas Religiões encoraja os seus membros a cumprir as suas obrigações sociais levando os recém-nascidos aos templos xintoístas e enterrando os seus mortos com ritos budistas (Reader, 1991) e, portanto, não colidem com as religiões tradicionais.

Pelo que foi exposto, podemos concluir que existe uma grande diversida- de de religiões no Japão que parece reflectir o interesse da população por ac- tividades religiosas apesar da aparente secularização da sociedade japonesa. Não se fique contudo com a ideia de que houve sempre liberdade religiosa no Religião, sociedade e cultura: O caso do Japão

Japão. O Budismo foi reprimido na década de 1870, o Cristianismo do século XVII ao XIX e as Novas Religiões entre 1925 e 1945.