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Mudança social e religião no pós-guerra

A Constituição de 1947 seculariza o estado xintoísta e abre o país a ou- tras religiões. Contudo, apesar da diversidade de religiões, no Japão tal como em muitos outros países assiste-se a uma secularização da sociedade. As mu- danças demográficas têm particular importância neste processo. Em 1950, 37 por cento da população vivia nas cidades; trinta anos depois, a percentagem subiu para 76 por cento. A passagem do mundo rural para o mundo urbano tem levado a que muitos Japoneses se desprendam de tradições religiosas fa- miliares. Já não é fácil ir ao templo local onde a família sempre rezou. Contu- do, não se deve concluir precipitadamente que tenha havido um colapso dos parâmetros e funções sociais das religiões tradicionais. Segundo Reader (1991), as mudanças na estrutura social foram acompanhadas de reajusta- mentos nas actividades religiosas.

Paralelamente a um processo de secularização assiste-se a um aumento do interesse pelo mundo não material. É interessante observar que no país da tecnologia, 73 por cento dos entrevistados nas sondagens NHK respon- deram que a Ciência não é toda poderosa e 55 por cento responderam Daniela de Carvalho

que à medida que a Ciência avança mais as pessoas suspiram por misté- rio.

Os media fomentam a atracção pelo oculto e pelo ‘mundo espiritual’, e a leitura de revistas e jornais sobre fenómenos ocultos e misteriosos tem aumen- tado substancialmente desde o fim da década de setenta.

A atracção pelas Novas Religiões pode ser uma consequência de tudo is- to. Estas religiões captam o espírito dos tempos posto que assentam no irracio- nal e no mistério. Ensinam, por exemplo, a irradiar ‘a Luz Divina’ para que os crentes despertem para a salvação e sejam capazes de curar doenças.

Inovações mais recentes, e que reflectem as mudanças sociais, incluem os chamados Templos da Morte Súbita (pokkari-dera) que se tornaram muito po- pulares entre a população idosa do Japão. Esses templos asseguram uma morte rápida e fácil (Davis, 1992). A atracção por estes templos justifica-se pelo desaparecimento da família tradicional segundo a qual o filho mais velho tomaria conta dos pais idosos. Com as mudanças que ocorrem na sociedade japonesa, embora a tradição ainda seja mantida em muitas famílias, em ou- tras os pais idosos são como que abandonados ao seu destino na impossibili- dade dos filhos reconciliarem a vida profissional com as funções filiais que lhes estão atribuídas por tradição.

Apesar de alguns movimentos ou seitas religiosas responderem a necessi- dades sociais, outras não têm aparentemente motivos sociais evidentes e pare- cem ser mais o resultado de um mal-estar social. Este parece ser o caso do culto do Aum Shinrijyo (Verdade Suprema), cujos membros se auto-mortifica- vam e usavam alucinogéneos para provocar estados de consciência alterados para quebrar o ciclo de morte e nascimento.4

Finalmente, é de salientar que todas as religiões têm sido alvo de uma in- tensa profissionalização e comercialização nas últimas décadas. Tanto os festi- vais religiosos como as cerimónias fúnebres foram-se tornando um espectáculo social e um negócio lucrativo.

Conclusão

A ideia de que o Japão é um país secular tem algum fundamento já que dois terços dos Japoneses dizem não pertencer a nenhuma religião. Porém, apresentam comportamentos religiosos e há uma grande diversidade religiosa no Japão. Um aspecto a ter em conta nesta diversidade é que todas estas ma- Religião, sociedade e cultura: O caso do Japão

4Os membros do Aum mataram dezenas de pessoas e lançaram gás sarin no metro em Tóquio em 1994, provocando a

nifestações religiosas têm em comum comportamentos religiosos no sentido em que expressam uma relação com um ser (ou seres) divino (s), como no caso do Xintoísmo, do Budismo, do Cristianismo e das Novas Religiões. Por esta ra- zão, a hipótese de os comportamentos religiosos dos Japoneses não terem sig- nificado religioso não parece ser sustentável.

De tudo o que foi dito podemos concluir que não é possível analisar com- portamentos religiosos sem ter em conta as dimensões sociais da actividade religiosa. A religiosidade dos Japoneses desenvolveu-se no período pré-mo- derno como um sistema sincretista de pertença (família, escola, empresa, etc.) e obrigações ‘por camadas’. A participação nas cerimónias religiosas é prin- cipalmente motivada pelo sentido de obrigação e de dever relacionados com a pertença a uma determinada família ou comunidade. As crenças pessoais não têm um peso tão determinante na afiliação religiosa como têm em outras culturas.

Podemos também concluir que a religiosidade dos Japoneses é basea- da nas relações humanas e na coesão da comunidade social. Em todos os casos é valorizada a união social que, quer seja interpretada em termos religiosos ou não, está associada à ideia de produtividade. O mesmo ra- ciocínio pode ser aplicado para entender a ligação entre o mundo empre- sarial e as tradições religiosas e o modo como a organização industrial do pós-guerra reproduziu a organização laboral das comunidades agrí- colas tradicionais. Na vida do trabalho (nas empresas) como na vida reli- giosa o sistema de valores é o mesmo: união, harmonia, cooperação e continuidade.

O ciclo natural do calendário religioso dá continuidade à tradição e essa mesma continuidade é assegurada entre as gerações. O recém-nascido que é levado ao templo xintoísta levará por sua vez os seus filhos a esse templo, re- zará pelos seus antepassados no seu altar (budista ou xintoísta) e enterrará os seus pais segundo ritos budistas.

Um outro aspecto a ter em conta, é que o Budismo e o Xintoísmo combi- naram-se para formar a identidade nacional. Diferentes afiliações religiosas emergiram ao longo da história do Japão mas houve sempre uma interacção entre tradições religiosas e o estado japonês tendo sido as várias religiões mo- bilizadas para propósitos nacionais. Claro que isto não é exclusivo do Japão, mas o modo como no Japão a tradição religiosa tem sido mantida para servir necessidades presentes é muito particular. A unificação do Japão fez-se com base no nacionalismo xintoísta assim como o imperialismo japonês; e o Budis- mo serviu para controlar os cidadãos numa altura em que o poder parecia ameaçado pelo Cristianismo.

A ideia de que a religião é a fé numa doutrina que ensina como salvamos as nossas almas obedecendo ao Criador não é universal. As sociedades têm crenças diferentes conforme as culturas. Tendo em conta tudo o que foi dito, a conclusão a que chega este artigo é que só é possível compreender as atitudes dos Japoneses em relação à religião no contexto da sociedade japonesa e à luz da cultura japonesa.

Referências

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RELIGION, SOCIETY AND CULTURE: THE CASE OF JAPAN