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CAPÍTULO 3 – ETNOTERMINOLOGIA E TRADUÇÃO ETNOGRÁFICA:

3.3 TRADUÇÃO ETNOGRÁFICA

3.3.3 As remissivas do tradutor

Um dos maiores obstáculos na tradução do dicionário do folclore é principalmente transmitir em francês a cultura folclórica brasileira. Ademais, além da tradução dos próprios verbetes do autor e de suas remissivas, há diversos termos presentes no corpo de vários verbetes, muitos dos quais não fazem parte do dicionário de Câmara Cascudo, mas são necessários para a compreensão das definições e que devem ser também explicitados ao consulente. O verbete “Boi-de-reis” (CASCUDO, 2002, p.72), por exemplo, comporta em sua definição o termo “folguedo”.

BOI-DE-REIS. No estado do Rio de Janeiro são encontrados o Boi-de-Reis ou Reis-de-Boi, o Boi-pintadinho ou Boizinho, numa variante do Bu mba-meu-boi. Esses folguedos, que se realizam no período compreendido entre as vésperas do Natal e 6 de janeiro, foram estudados e pesquisados por Cascia Frade. Ver Bumba- meu-boi.

81 Na tradução proposta do verbete mantivemos todos os termos em português, referentes ao discurso folclórico e à realidade brasileira.

BOI-DE-REIS. Dans l’État de Rio de Janeiro on trouve le Boi-de-Reis ou Reis-de-

Boi, le Boi-Pintadinho ou Boizinho, comme des variantes du Bumba-meu-boi. Ces

folguedos, qui se déroulent pendant la période comprise entre la veille de Noël et la

veille du 6 janvier, ont été la source des études et des recherches ent reprises par Cascia Frade. Vo ir Bumba-meu-boi.

O fato de não haver um correspondente em francês, visto que se trata de um termo extralinguístico que pertence ao universo folclórico brasileiro, uma explicação se faz necessária para o consulente francês. Nesse intuito, foi preciso então definir o verbete ao leitor, esclarecendo assim todo termo que não lhe é “familiar”.

Assim, quando surgem nas definições dos verbetes do dicionário, os termos remetem então a suas próprias definições, estruturadas também sob a forma de entradas.

FOLGUEDO POPULAR. Manifestation folklorique qui rassemble les caractéristiques suivantes : 1) Paroles (quatrains, sizains, huitains ou d’autres types de vers) ; 2) Musique (mélodie et instruments de musique qui donnent le rythme) ; 3) Chorégraphie (déplacement des participants en rang, en double rang, roda, roda concentrique ou d’autres formations) ; 4) Thématique (sujet de la représentation théâtrale. Exemple : Congada). Avec les années, le temps de la représentation des folguedos se réduit petit à petit, par initiative des propres participants, avec des coupures aux dialogues, occasionnant, éventuellement, une histoire tronquée. Bien que la représentation reproduise les scènes de l’histoire, ce n’est que la chorégraphie et la lettre qui assurent la compréhension des événements à la représentation théâtrale du folguedo. En faisant des recherches sur des phénomènes folkloriques à Alagoas, José Maria Tenório Rocha a ainsi classé les folguedos : Folguedos de Noël : Reisado, Guerreiro, Bumba-meu-boi, Chegança, Fandango, Marujada, Presépio, Pastoril, Pastoril Profano, Maracatu, Taieiras, Quilombo, Cavalhada. Folguedos carnavalesques: Cambindas, Negras da Costa, Samba de Matuto, Caboclinhos. Folguedos carnavalesques avec structure simple : Boi de Carnaval, Ursos de Carnaval, Gigantões (marionnettes), Cobra Jararaca. Folguedos de fêtes religieuses : Mané do Rosário, Bandos.

De fato, tem-se aqui também um sistema de remissivas no interior dos verbetes. Essas remissivas são notas explicativas do tradutor, porém registradas sob a forma de novas entradas, seguindo a mesma estrutura das remissivas de Câmara Cascudo. Tratando-se de uma obra lexicográfica seria impossível conceber notas de rodapé.

Essas novas definições, presentes no trabalho, provêm de três fontes diversas: o próprio

Dicionário de Câmara Cascudo, o Tesauro de Folclore e Cultura Popular Brasileira, disponível no site do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular do Instituto do

82 Patrimônio Histórico e Artístico Nacional/MinC e do glossário de termos brasileiros da tradução em francês do livro Os Sertões. Essas remissivas no corpo das definições dos verbetes selecionados para as três festas, são evidenciadas tipograficamente a cada ocorrência. Assim como Cascudo, informa ao consulente de suas remissivas por meio da palavra “ver” e seu termo remissivo em negrito, nosso critério foi de manter o termo em itálico e negrito, conforme podemos visualizar no verbete “Boi-de-reis” a remissiva interna “folguedos”, destacada.

As remissivas do tradutor e os verbetes do autor mantêm uma relação de explicação, ou seja, uma informação necessária para o consulente francês.

As diferentes estratégias de tradução que propomos no trabalho, tradução-definição, tradução-explicação e a tradução das remissivas do tradutor consideram dois aspectos importantes. Primeiramente nos deparamos com uma obra lexicográfica que constitui um discurso especializado, ou seja, são termos ligados ao folclore brasileiro. Em seguida, evidenciamos uma terminologia, classificando os termos à etnoterminologia. Sendo assim, o emprego das remissivas do tradutor tem dupla finalidade: manter a estrutura de uma obra lexicográfica, tal como a de Câmara Cascudo e também explicar e definir todos os termos desconhecidos para o leitor estrangeiro, em vista da compreensão do assunto.

Procurando evidenciar o estrangeiro na tradução para o francês, sem deixar estranhamento, mantivemos todos os termos referentes ao folclore em português, até mesmo os termos que concebem uma tradução, na língua-alvo. Nesse sentido, deixamos o termo em português para essas palavras e entre colchetes, precisamos seu correspondente, como nos exemplos: “Folclore [Folklore]”, “Violão [Guitare]”, “Bananeira [Bananier]” etc.

Esses termos fazem parte de um universo distinto (folclore) que é preciso conhecê-lo para entender, portanto constituem também terminologias dentro do discurso estudado, por isso, nossa escolha em mantê-los na língua original. Conforme afirma Barbosa (2005, p. 103) há uma “multifuncionalidade das palavras dos discursos etno-literários”, conduzindo-os a essa nova subárea da terminologia. Nesse âmbito, nos atemos também a nosso objetivo, o de mostrar essa cultura ao outro, não “escondendo” os elementos que dela fazem parte, visando a uma “estrangeirização”, definida como tradução sourcière, ao deixar transparecer os traços, as características da língua-cultura de origem na língua alvo. Também, deste modo, preservamos uma homogeneidade no decorrer da tradução do dicionário.

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