• Nenhum resultado encontrado

3.2. Família 2: Andréa, Luciano e Laura

3.2.3. As representações de Andréa após a psicoterapia

Nesta seção serão examinadas as representações de Andréa acerca da maternidade, a partir da análise das entrevistas que ocorreram duas semanas após o encerramento da psicoterapia. Como foi mencionado anteriormente, estas entrevistas foram feitas por outra terapeuta do grupo de pesquisa, e não pela autora. A seguir, apresentam-se os seus sentimentos e impressões, conforme relatados naquele momento.

Como será visto, as falas de Andréa apontaram para os temas do relacionar-se primário, da matriz de apoio e da reorganização da identidade, sendo que não fez referência a preocupações com o tema da vida-crescimento.

Em relação ao tema do relacionar-se primário, cabe destacar que na avaliação final Andréa falou bastante a respeito do desenvolvimento de Laura e do seu relacionamento com a filha. Andréa considerou que Laura estava se desenvolvendo muito bem, que era esperta e muito inteligente. Contudo, mencionou que estava na hora da filha começar a falar, como pode ser visto abaixo:

“Tá bom [o desenvolvimento]. Mas eu acho que ela tem condições de evoluir um pouquinho mais em falar, digamos. Não é que ela esteja atrasada, mas ela tem condições porque ela é muito inteligente, é esperta”.

Diferentemente do que ocorreu na avaliação inicial e nas primeiras sessões da psicoterapia, Andréa não mencionou preocupações com eventuais atrasos no desenvolvimento da filha, o que ocorria quando ela ficava somente aos cuidados do pai. A esse respeito, mencionou que a interação entre os dois havia melhorado bastante, embora não fosse ainda a que julgava mais adequada.

No que se refere à comunicação entre as duas, Andréa relatou que geralmente podia compreender a filha, pois Laura sempre conseguia mostrar o que queria. Além disso, falou que dava bastante carinho e atenção para ela.

A análise de suas falas permite constatar também que Andréa mostrou-se ambivalente ao falar do temperamento de Laura. Ao mesmo tempo em que considerou que ela era um bebê muito tranqüilo e fácil de lidar, Laura teria um “temperamento forte”, difícil como o do pai. A fala a seguir ilustra esse sentimento de Andréa:

“Ela tem um gênio bem forte, ela puxou mais o lado dele. Ela é bem autoritária, se eu não começar a cortar, futuramente eu vou ter muita dor de cabeça. Mas assim, no mais, ela é uma criança tranqüila, só tem essa parte um pouco”.

Ao falar sobre o momento atual de separação, mencionou que se preocupava com a possibilidade de Laura perceber a sua tensão. Quando a entrevistadora lhe perguntou como imaginava que sua filha perceberia, Andréa respondeu que Laura ficava mais chorona e solicitava o seu colo justamente nas vezes em que estava mais ansiosa.

No que se refere ao tema da matriz de apoio, ao falar sobre como estava se sentindo naquele período, Andréa contou à entrevistadora que havia estado deprimida porque não podia contar com o apoio do seu marido. Disse que no momento atual não se sentia mais daquela forma, mas considerava que a falta de apoio de Luciano havia

desencadeado a sua depressão já na gravidez. Parte da sua fala pode ser conferida logo abaixo:

“Foi tudo relacionado a não ter o apoio dele, do meu companheiro, isso que desencadeou essa depressão. Foram muitas discussões, sabe? E eu sempre esperando que ele melhorasse. Melhorava e depois voltava tudo a mesma coisa. Então isso vai esgotando a pessoa, né? Muita incomodação, muito estresse (...). Eu nunca tive o apoio que precisava dele. Tinha da minha mãe, dos meus irmãos, do meu pai, mas a figura paterna nunca teve presente como deveria”.

Andréa referiu-se ao apoio atual do marido também com insatisfação. Porém, disse que naquele momento a sua ajuda era indiferente para ela, uma vez que pouco solicitava o seu apoio, procurando se organizar sozinha ou contando com os seus familiares. O trecho abaixo ilustra a sua fala:

“Agora eu peço pouco, muito pouco. Mas agora isso não tem a menor importância, pra mim é indiferente”.

Andréa falou também que estava vivendo na mesma casa que o marido, mas que estavam separados. Luciano tentava se reaproximar, tomando algumas iniciativas tanto para ajudá-la com a filha como para retomar a vida conjugal. Contudo, ela estava decidida a se separar dele:

“Agora, de um mês pra cá, ele anda fazendo alguma coisa, mas não é aquela coisa diária, entendeu? Um dia sim, dois não (...). Às vezes quando eu tô fazendo alguma coisa ele vem e me dá um abraço, mas eu não quero mais”.

Como foi dito, Andréa voltou a mencionar que contava bastante com a ajuda da sua mãe e dos seus irmãos, e que se sentia tranqüila com esse apoio. Quando foi questionada a respeito de como imaginava ser vista pelas pessoas que a apoiavam, Andréa respondeu que Luciano a via como uma mãe responsável e que a sua família também a via como uma boa mãe. O que falou a respeito de como via o marido como pai é destacado a seguir:

“Ele é muito distante. Não tem aquela... pra ele, ela é um adulto. Então ele não trata ela como criança. Eu imaginava que ele ia ser um pai normal, como todos, que desse apoio, que desse carinho”.

Além do apoio dos familiares, Andréa referiu-se também à creche, mencionando mais uma vez que optou por esse cuidado alternativo porque temia que a filha não se desenvolvesse adequadamente da forma como vinha sendo cuidada pelo pai durante o dia.

O tema da reorganização da identidade foi identificado inicialmente na fala de Andréa sobre como estava se sentindo como mãe naquele momento. Andréa mencionou

que havia “caído a ficha”, na medida em que se sentia mais mãe do que antes. A sua fala pode ser conferida a seguir:

“Antes não tinha caído a ficha, sabe? Custou um pouco, mas agora eu já tô me sentindo mais mãe. Não que eu não tenha me sentido nunca desde o nascimento dela, mas agora mais do que nunca”.

Andréa julgou que melhorara em muitas coisas, tornando-se mais independente. Falou também que se sentia mais decidida e que vários fatores haviam contribuído para aquela mudança, como mostra a vinheta abaixo:

“Além disso eu tô mais decidida nas coisas que eu quero. Antes eu era muito indecisa. Eu ficava em cima do muro, tu entendeu? E agora não. Agora eu tô decidida no que eu quero fazer, no que eu quero pra minha vida (...). Eu passei por muito estresse esse ano, eu tive problemas de saúde, fiz uma cirurgia no mês retrasado, então tudo isso mexeu muito, me fez ver coisas que eu não enxergava. Tive discussões com a minha mãe, então essas discussões me fizeram enxergar também outras coisas”.

A respeito dessas discussões, Andréa falou que muitas coisas haviam mudado no seu relacionamento com a mãe, embora continuasse contando com o seu apoio, como mostra a fala abaixo destacada:

“Entre a gente mudou muito porque agora eu não sou tão presa a ela como antes. Não é que eu não seja mais, mas eu era muito grudada nela e agora já não me sinto tanto mais”.

É interessante ressaltar que quando lhe foi perguntado se seguia algum modelo de mãe na sua maneira de lidar com o seu bebê, Andréa respondeu que não seguia e tampouco evitava algum modelo. Disse que imaginava ter sido muito bem cuidada por sua mãe e que provavelmente cuidasse a sua filha de forma semelhante. Em relação ao pai, Andréa falou que ele havia se tornado um homem muito mais comunicativo com ela e com os outros filhos depois do nascimento da neta.

Sobre as mudanças no relacionamento conjugal, Andréa disse que Luciano estava se mostrando mais tolerante e atencioso diante das suas ameaças de separação. Porém, ela havia percebido em si uma mudança profunda, no sentido de que não era mais a mulher paciente que sempre fora em relação a ele. Luciano reclamava que ela não lhe dava carinho e atenção. Andréa julgou que não o fazia porque já não sentia mais nada pelo marido.

Ainda no que se refere às mudanças em si, Andréa mencionou que com a maternidade a sua rotina havia se transformado, principalmente porque passara a pensar bem mais na filha do que em si mesma. Já em relação à vida profissional e ao relacionamento com os amigos, não mencionou nenhuma mudança.