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As rodas de conversa – a criança, a pesquisadora e o Alien

4. O percurso metodológico

4.3 Fontes autobiográficas

4.3.1 As rodas de conversa – a criança, a pesquisadora e o Alien

Com o intuito de conhecermos as experiências vivenciadas pelas crianças em tratamento oncológico durante os processos de entrada e retorno à escola regular, nos inspiramos no protocolo da pesquisa internacional, já mencionado na parte introdutória deste trabalho e em outros momentos, que compreenderam a realização de rodas de conversas, num “jogo de faz de conta”, em que interagiram – a pesquisadora, a criança e Alien, que como já anunciamos, teria vindo de um planeta que não tem escolas, e estava ansioso para saber tudo sobre ele.

As rodas foram organizadas em torno de três momentos: a abertura (apresentação do alienígena à criança); a conversa (momento de interação entre a criança, o Alien e a pesquisadora); o fechamento (quando a pesquisadora anuncia o retorno do pequeno alienígena ao seu planeta e pergunta se a criança gostaria de fazer um desenho para o Alien levar para as crianças do seu planeta contando como é a escola). Na conversa as crianças são convidadas a contar para o Alien como é a escola, o que mais gostam e o que não gostam nela etc. Delgado e Müller (2008), ao discorrerem sobre as metodologias da pesquisa com crianças, nos dizem que

Na questão de metodologias investigativas com crianças em que se busca a voz destas a partir do consentimento informado, é necessário que se utilize métodos compatíveis com esta participação, como um adulto que se coloca ao nível da criança (desenhos, textos livres, diários). Como não é possível despir-se de seus conhecimentos e interpretações, resta tentar olhar a partir de um ponto de vista exterior, com metodologias que possibilitem encontrar vários modos de expressão, não somente a visão dos adultos. (DELGADO; MÜLLER, 2008, p. 148-149).

Durante as rodas de conversa, a pesquisadora, a criança e o Alien sentavam-se em círculo, ao redor de mesas ou em cadeiras. Explicávamos o motivo de estarem ali, e então apresentávamos o Alien, e em uma situação de “faz de conta”, as crianças começavam a interagir com ele e com a pesquisadora. Inspirados no protocolo de pesquisa Passeggi et al. (2014), elaboramos os quadros a seguir:

Quadro 5: Apresentação do Alien APRESENTAÇÃO DO ALIEN

Este é o pequeno Alien, ele vem de outro planeta muito longe daqui. No planeta onde ele mora não tem escolas. Então, ele quer saber como é a escola, para que ela serve, o que a

gente faz nela. Ele queria que você contasse tudo o que sabe sobre a escola. Você poderia contar para ele como é a sua escola?

Após a apresentação do Alien, fazíamos a pergunta de partida: FONTE: arquivo pessoal da pesquisadora

Quadro 6: Pergunta de partida PERGUNTA DE PARTIDA

Você poderia contar para ele como é a sua escola?

As crianças ficavam livres para falar, mas tínhamos em mãos um roteiro que nos auxiliou durante a conversa, adaptado conforme seu andamento, com as seguintes questões:

Quadro 7: Roteiro das rodas de conversa

ROTEIRO PARA AS RODAS DE CONVERSA − Diga para ele como é seu dia na escola.

− Você sabe para que serve a escola? − O que você faz na escola?

− Você tem amigos na escola? Como eles são?

− Como você ajudaria ao Alien a fazer amigos em sua escola? − Como é sua professora da escola?

− Você acha sua escola legal?

− O que é você faria para deixar sua escola mais legal?

No final, o Alien perguntava à criança se ela gostaria de enviar um desenho ou uma cartinha para as crianças de seu planeta, contando como é a escola.

FONTE: arquivo pessoal da pesquisadora FONTE: arquivo pessoal da pesquisadora

A interação com o “pequeno alienígena” possibilitou às crianças entrarem em um universo de faz de conta, oportunizando o distanciamento necessário do mundo do adulto, possibilitando a transição entre a imaginação e a reflexão sobre o real, como podemos perceber na fala de Rita (5 anos) quando, nos momentos iniciais da roda de conversa, dizendo não gostar do nome Alien, Rita passa a chamá-lo de Wildo Filho. Ela olha para Alien e diz: A minha escola, Wildo Filho, é lá em Frutuosa, viu? Ao longo da conversa, descobrimos que Wildo Filho é o nome de um amigo querido da escola. O Alien assume então um importante papel nesse jogo imaginário – de um amigo com quem Rita certamente gostava de conversar.

A situação de faz de conta explora uma das principais características do universo cultural da infância, a ludicidade, com tudo que ela desperta no imaginário e na espontaneidade da criança, permitindo atrair a sua atenção e interesse para a interação coma pesquisadora e o pequeno alienígena (PASSEGGI; NASCIMENTO; SILVA, 2016).

Ao falar sobre suas experiências na escola para alguém que não conhece a escola, como no caso do Alien, as crianças podem fazer um exercício de reflexão, compreendendo melhor os desafios que enfrentam e descobrindo maneiras de amenizá-los.

Figura 11: Alien

As rodas de conversa foram gravadas em áudio MP3 e depois transcritas. Optamos por não gravar em vídeo ou expormos suas fotografias, por uma questão ética da pesquisa.

Devido às dificuldades de marcarmos um dia com todas as crianças, as rodas de conversa foram realizadas individualmente, em dias e horários distintos. Durante as rodas, os diálogos tecidos entre a pesquisadora, o Alien e a criança, buscaram sempre um “espírito de horizontalidade” (PASSEGGI, et al., 2014, p. 22). Esses diálogos se apresentaram como uma abertura para a reflexão sobre a escola e seu papel no acolhimento à infância. É na voz da criança que buscamos aprofundar o debate sobre as escolas da infância, com vistas a possíveis mudanças nas práticas pedagógicas e no desenho de Políticas Públicas para a infância, alicerçada em uma proposta de educação básica de qualidade em nosso país (PASSEGGI, et al., 2014).