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Capítulo 2 O trabalho docente e sua materialização didática nos processos

2.2. As sequências interacionais

Neste subcapítulo apresentamos as contribuições teóricas dos estudos da interação que forneceram subsídios para compreendermos como se organizam os comportamentos verbais e não verbais de alunos e professor no emprego de dispositivos didáticos.

Os estudiosos da interação têm como premissa a existência de um “sistema social” construído pelo grupo de alunos e professor no espaço escolar. Com o intuito de caracterizar a organização da interação professor-aluno, Mehan (1979) utiliza a unidade de análise “evento” em contraposição à “sentença” justamente por se tratar de uma unidade essencialmente social. Partindo desse pressuposto o autor se debruça sobre o evento mais relevante da instituição escola: a lição26 (lesson) e

descreve sua estrutura básica caracterizando três fases: abertura (opening)27,

educativa (instructional) e finalização (closing). As características de cada uma dessas fases da lição são perceptíveis nos comportamentos verbais e não verbais de seus participantes, compostos por unidades denominadas “sequências

interacionais” que desempenham funções distintas28 em pontos específicos da

organização das lições de sala de aula.

O trabalho de organizar, conduzir e encerrar lições é efetuado por e revelado nos comportamentos verbais e não verbais de seus participantes. Mais especificamente, o comportamento de professor e alunos é organizado em ‘sequências interacionais’ que desempenham funções distintas em lugares específicos na organização das lições. (MEHAN, 1979, p.36, tradução nossa)29

26 No capítulo 4 especificaremos a

unidade de análise ‘lesson’ que traduzimos neste primeiro momento por ‘lição’.

27 A divisão das etapas da lição também é retomada no capítulo 4. 28 Matencio (2001) tr

abalha, de maneira complementar, com a concepção de ‘sequências’ diferenciadas com base nas funções didático-discursivas. Fazemos uma breve articulação entre as duas abordagens no capítulo 4.

29 The work of organizing, conducting and closing lessons is accomplished by and revealed in the

verbal and nonverbal behavior of lesson participants. More specifically, teacher and student behavior is organized into 'interactional sequences', which perform distinctive functions in specific places in the organization of lessons (MEHAN, 1979, p. 36).

Entre as sequências interacionais frequentes no discurso do professor são apontadas três tipos: diretivo, informativo e elicitativo30. Os dados recolhidos pelo

autor mostram que sequências de caráter diretivo e informativo, os dois primeiros tipos, geralmente compõem os momentos de abertura e encerramento das lições: elas orientam os alunos fornecendo informações sobre como será o decorrer da lição e costumam trazer orientações sobre como o espaço da sala de aula deve ser organizado, bem como a distribuição e exposição dos materiais. Realizando uma diferenciação mais pontual, as sequências diretivas exigem que os alunos tomem ações procedimentais envolvendo questões materiais e espaciais, como apontar os lápis e abrir os livros, ou que realizem deslocamentos de modo que consigam a melhor configuração espacial para receber a instrução da lição. Já as sequências

informativas não se atêm às informações, ideias e opiniões: são utilizadas com o

intuito de convidar os alunos a prestar atenção. Assim, sequências diretivas e

informativas são utilizadas para preparar os alunos e organizar a interação de modo

que o professor consiga enquadrar as sequências de caráter mais teórico que serão desenvolvidas na fase educativa, que compreende o interior das lições, distinguindo, assim, as lições de outras partes do fluxo de comportamento em curso (MEHAN, p. 37; 49).

O terceiro tipo, sequências de caráter elicitativo, têm como objetivo extrair uma informação específica do interlocutor é mais frequente durante a fase educativa da lição em que ocorrem as trocas de caráter mais acadêmico. O autor explica a escolha do termo “elicit” em detrimento de “questions” por privilegiar o ponto de vista funcional da linguagem, pois o professor busca obter informações específicas dos alunos, com o intuito de verificar o que já sabem ou as hipóteses que formularam sobre um determinado objeto de ensino:

Do ponto de vista das funções da linguagem na sala de aula, a professora elicita informação dos alunos, ela não lhes faz perguntas. Essas observações reforçam a concepção de que o estudo da linguagem em situações que ocorrem naturalmente requer o uso de conceitos,

30

Do inglês “elicit (t.v.) to succed in getting information or reaction from someone, especially when this

is difficult.” Longman English dictionary. A tradução em português, segundo o dicionário Caldas

Aulete: eliciar ou elicitar: 1. fazer com que vá para fora; fazer sair; expulsar 2. exorcizar, esconjurar, afugentar 3. conseguir obter resposta ou reação de 4. ling. extrair enunciado linguístico de (informante). O termo “elicitativo” é utilizado por Mortimer e Machado (1997), Macedo (1998) e Macedo e Mortimer (2000).

preferencialmente funcionais a gramaticais (MEHAN, 1979, p. 43, tradução nossa)31

O autor ainda distingue quatro tipos de elicitações. A primeira delas é a “elicitação de escolha” (choice elicitation). Ao utilizar esse recurso, o professor já fornece a informação na própria elicitação cabendo aos alunos concordar ou discordar com essa declaração, escolhendo “sim” ou “não” como resposta ou uma das opções colocadas por ele. Um segundo tipo são as “elicitações de produto”

(product elicitations) em que os alunos são convocados a fornecer respostas

factuais, como nomes, datas, cores. Comumente são convocadas no sentido de completar a sequência iniciada pelo professor. A “elicitação de processo” (process

elicitations) solicita que os alunos coloquem suas opiniões ou interpretações, ainda

de maneira pontual, factual. O quarto e último tipo é denominado “elicitação de metaprocesso” (metaprocess elicitations) a partir do qual se pretende levar o aluno a formular os fundamentos de seu raciocínio, justificando seus pontos de vista e opiniões.

Assim, quando o professor inicia uma das sequências elicitativas, mais do que obter respostas acerca dos conteúdos, ele intencionalmente busca controlar o fluxo do diálogo e garantir o andamento da temática da aula, por meio de uma espécie de simetria entre seu ato de iniciação e a resposta do aluno. A simetria só estará completa quando o professor conseguir extrair a resposta esperada por um determinado aluno ou mesmo pelo grupo de estudantes. Feito isso, a sequência interacional é concluída. Para alcançar essa simetria, dois padrões interacionais são frequentes em sala de aula e ocorrem conforme os alunos reagem às iniciações do professor.

O primeiro deles ocorre quando a resposta exigida pelo ato de iniciação aparece no turno de fala subsequente, o resultado é uma sequência em três partes entre professor e aluno. A primeira parte da sequência é um ato de iniciação, a segunda parte é uma resposta e a terceira é uma avaliação, também conhecido como padrão IRA.

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From the point of view of the functions of language in the classroom (Cazden, Jonh, and Hymes, 1972), the teacher elicits information from students; she does not ask them questions. These observations reinforce the view that the study of language in naturally occurring situations requires the

O segundo padrão é verificado quando a resposta exigida pela iniciação não aparece no turno de fala seguinte. Nesse caso, o professor utiliza várias estratégias como a repetição ou a reformulação da sequência até que a resposta com a informação esperada apareça. Para isso ele pode lançar mão de diversas estratégias, dentre elas i) incitar respostas (prompting replies), fornecendo mais elementos ou até mesmo realizando gestos de incentivo ii) repetir a elicitação

(repeating elicitations), iii) simplificar a elicitação originalmente formulada (simplifying elicitations). Assim, após essas ‘revisões’ da iniciação realizada pelo professor, ao

receber a resposta desejada e completar a simetria esperada, ocorre finalmente a avaliação positiva, por meio de elogios, acenos positivos com a cabeça, sorrisos e frequentemente, repetindo a resposta correta elaborada pelo aluno. O resultado é uma sequência estendida de interação.

Os tipos de sequências interacionais e os padrões de interação que delas resultam são particularmente interessantes ao presente estudo pois permitem examinar as estratégias utilizadas pelo professor nas diferentes fases de uma lição, investigando as trocas discursivas em sala de aula e suas implicações para uma melhor compreensão sobre o que efetivamente ocorre nesse tipo particular de interação.