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PARTE I – ENQUADRAMENTO CONCEPTUAL

CAPÍTULO 3: O TRABALHO COLABORATIVO DOCENTE

3.4. As sinergias da colaboração

A razão para promover o estudo e a prática da colegialidade é que, presumivelmente, ganha-se algo quando os professores trabalham juntos e perde-se algo quando não o fazem (Little, 1990).

Sendo o ser humano um ser eminentemente social, tal facto implica que a sua ação não é isolada, ainda que possa agir sozinho, pois “para realizar las propias aspiraciones son necesarios los otros. (…) Aquello a lo que aspiro depende, en gran parte, de las otras personas y grupos que conviven conmigo. Muchas veces los otros nos ayudan a llevar a término nuestras aspiraciones (Bonals, 1996, p.13).

Sartre (citado por Bonals, 1996), fala das “relações de reciprocidade positiva”, nas quais os membros da instituição se favorecem mutuamente, ou seja, cada indivíduo recebe contributos dos outros que vão ao encontro de algumas das suas aspirações. No contexto escolar, tal significa que os projetos coletivos são favorecidos pelo contributo individual de cada um. Quer os projetos individuais quer os projetos coletivos são considerados e respeitados – há uma complementaridade e um favorecimento mútuo.

Hargreaves (2000), referindo-se ao trabalho docente, acaba por avançar com uma das razões que poderá justificar a necessidade do trabalho colaborativo: “In teaching the work is never over, more can always be improved. In these conditions, teachers by definition can never do enough” (p. 16). Acrescenta o mesmo autor, a este propósito, que

one commonly advanced solution is to build professional cultures of teaching among small communities of teachers in

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each workplace, who can work together, provide mutual support, offer constructive feedback, develop common goals, and establish challenging but realistic limits regarding what can reasonably be achieved (pp. 16-17).

De acordo com Bonals (1996), para que o trabalho colaborativo seja profícuo há que respeitar as idiossincrasias dos intervenientes. Afirma o autor que

los integrantes de un equipo docente han de aceptar que cada miembro estará en grupo con unas actitudes diferentes, com unas aptitudes especificas, que tendrá unas disponibilidades de tiempo desiguales, intereses distintos, facilidades determinadas, maneras de pensar, sentir, entender caracteristicas; que dispondrán de unas herramientas, recursos y estilos de trabajo propios (p.23). Os trabalhos de Vygotsky (1989) estão na base de um número relevante de estudos sobre o trabalho colaborativo em contexto escolar. O autor defende que as atividades realizadas em grupo, de forma partilhada, oferecem vantagens consideráveis, que não se encontram em ambientes de aprendizagem individualizada. Segundo o mesmo autor, a constituição dos sujeitos, bem como a forma como aprendem e os seus processos de pensamento (intrapsicológicos) acontecem por intermédio da relação com outras pessoas (processos interpsicológicos). Tais relações produzem modelos referenciais para os nossos comportamentos e raciocínios, bem como para os significados que construímos.

Ainda de acordo com Vygotsky (1998), a imitação surge como uma atividade fulcral no seio do processo de aprendizagem, promovendo aquilo a que o autor designa de “internalização” – processo que não deve ser confundido com a mera imitação (ou cópia), porquanto exige uma reconstrução interna de operações externas, assumindo o sujeito um papel ativo, apresentando-se-lhe a possibilidade de desenvolver algo novo.

Freitas (1997), na esteira dos trabalhos de Vygotsky e de Bakthin, explica que:

Sem ele [o outro] o homem não mergulha no mundo sígnico, não penetra na corrente da linguagem, não se desenvolve, não realiza aprendizagens, não ascende às funções psíquicas

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superiores, não forma a sua consciência, enfim não se constitui como sujeito. O outro é peça importante e indispensável de todo o processo dialógico que permeia ambas as teorias (p. 320).

Wells (2001), outro estudioso que subscreve os trabalhos de Vygotsky, faz a descrição do que acontece entre sujeitos que tentam resolver um problema significativo para todos, envolvendo-se num diálogo do qual emergem várias propostas de soluções, acabando estas por ser ampliadas, modificadas ou sujeitas a contra-propostas; a isso, chama o autor a co-construção do conhecimento, considerando-a como uma parte decisiva do processo de aprendizagem.

É também uma mais-valia do trabalho colaborativo o facto de proporcionar o ressurgimento e intensificação de valores como a partilha e a solidariedade, que se foram perdendo nas sociedades modernas, caracterizadas pela competitividade desregrada e pelo individualismo. O trabalho colaborativo traduz-se não só no trabalhar juntos como também em juntar trabalhos.

A formação contínua apresenta-se-nos como um caminho para promover as práticas colaborativas nas escolas. Através daquela poder-se-ão desenvolver competências, nos profissionais do ensino, que os capacitem para dar respostas satisfatórias (ou seja, eficazes e eficientes) aos desafios que a sociedade lança, a um ritmo cada vez mais acelerado, à escola como entidade promotora da mudança. Neste sentido, afirmam Simão et al (citados por Nogueira & Nuñez, 2011), que

ao desempenho mais individualista do professor, típico do ensino de cariz disciplinar que prevaleceu durante muito tempo, contrapõe-se a necessidade do trabalho em equipa, sem o qual será inviável qualquer tentativa de gestão curricular flexível e diferenciada, de desenvolvimento de uma atitude docente mais autónoma e de construção de uma “nova” cultura docente (p. 3687).

Recorrendo a Rosenholtz, Fullan e Hargreaves (2001) advogam que “o melhoramento do ensino é uma empresa coletiva, mais do que individual, e a análise, a avaliação e a experimentação em concertação com os colegas são condições do aperfeiçoamento dos professores” (p. 83). Os mesmos autores citam também Ashton e Webb para

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acentuar que “o principal benefício da colaboração é o facto de ela reduzir o sentimento de impotência dos educadores e de aumentar o seu sentido de eficácia” (ibidem).