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3. DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL

3.3 As tarefas a cumprir de Celso Furtado

Em 1957 e 1974 o então economista da CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina) onde trabalhava desde 1949 produziu dois ensaios importantes sobre a economia venezuelana. No estudo de 1957, apontou para a necessidade de industrializar o país, de aplicar uma nova política fiscal e cambial. Em 1974, alertou para a peculiaridade de uma economia que corria o risco de ficar cada vez mais dependente do petróleo, quando o objetivo deveria ser o inverso. Alertava também para as distorções que a dependência em relação a commodity introduzia na economia venezuelana. Ainda assim, considerava possível o país deixar para trás o subdesenvolvimento.

Principalmente a partir de 2003, com a consolidação institucional do governo Chávez, criou-se um contexto favorável pela extraordinária elevação

das rendas do petróleo e de pronunciada recuperação econômica, viabilizando amplo fluxo de renda petroleira para o conjunto da economia.

Entretanto, em um contexto diferente do clássico modelo analisado por Furtado, a expansão recente dos gastos advindos das receitas petrolíferas, voltou-se em grande parte para investimentos sociais e de atividades econômicas fora do setor do petróleo.

Neste sentido, pouco mais de 50 anos atrás Celso Furtado já colava importantes tarefas a serem realizadas para o enfrentamento ao subdesenvolvimento venezuelano. Furtado chamava a atenção para a alocação de investimentos; “constituem coisas diferentes, do ponto de vista de organização e direção, construir estradas ou pontes e pôr para operar fábricas industriais. Ao contrário das obras públicas correntes, as fábricas necessitam ser planejadas com critérios econômicos muito estritos e sua operação requer pessoal competente de vários tipos de especialização.” (FURTADO, 2008, p.60). Este atualmente está sendo um gargalho a ser enfrentado pelo atual governo, pois grande parte dos investimentos que estão sendo feitos para aquisição, construção e desenvolvimento de fábricas são essencialmente públicos, o que pode levar à efeitos indiretos desses investimentos por falta de complementaridade em seu conjunto, portanto, é primordial repensar essa questão.

Outro ponto importante para que o desenvolvimento continue e aconteça conforme ensinou Furtado; “a economia venezuelana terá que elevar substancialmente a eficiência de sua produção agropecuária e se industrializar num sentido muito mais amplo e complexo. Para que esses dois objetivos possam ser atingidos, será necessário orientar uma parte substancial dos investimentos para pesquisa e a elevação do nível educacional e técnico da população.” (FURTADO, 2008, p.60-61). No que diz respeito à agricultura, observamos que houve um aumento de investimentos, da superfície plantada e da produção, porém de modo modesto, pois a produção atual não contemplaria a subsistência da população venezuelana, para tanto, é necessário resgatar a vocação venezuelana anterior ao descobrimento do petróleo, quando exportava cacau e café por exemplo.

No que se refere ao melhoramento no nível educacional Furtado é ainda mais enfático:

“O homem capacitado é uma forma superior de capital que se requer em escala crescente quando uma economia passa das etapas intermediárias para as superiores do desenvolvimento. Nas primeiras etapas do desenvolvimento o principal fator limitativo do crescimento é o capital; nas etapas muito avançadas é a mão-de-obra. Porém, quando uma economia encontra-se nas etapas intermediárias é o homem capacitado o verdadeiro fator limitativo. Ora, o homem-capacitado é como uma máquina ferramenta: só pode ser produzido de outro preexistente. Isso significa que em seu preparo o fator tempo desempenha um papel fundamental. Como primeiro problema se coloca o da elevação do nível educacional básico: Aumento do tempo de permanência da população infantil nas escolas, educação básica para adultos etc. Essa elevação do nível educacional básico é um pré- requisito para a formação do tipo de massa trabalhadora que exige uma economia altamente desenvolvida. O segundo problema é o da formação de pessoal técnico para as indústrias. O terceiro diz respeito ao preparo de profissionais. Por último, há a questão da formação de pessoal especialmente para a pesquisa tecnológica e científica. (FURTADO, 2008, p.61-62).

Essa é uma tarefa que está sendo muito bem realizada pelo atual governo com aumentos significativos no número de matrículas em todos os níveis educacionais, obtendo em outubro de 2005 o certificado da UNESCO como território livre de analfabetismo, algo somente conquistado até então, por Cuba na América Latina, entretanto, ainda carece aumentar o nível de pesquisa tecnológica e científica.

Para Furtado, uma das principais necessidades em se realizar investimentos tecnológicos é a característica venezuelana por ser um país tropical, isto significa que se terá que desenvolver um grande esforço para adaptar a tecnologia moderna às condições físicas específicas. Desde a seleção dos materiais de construção até os problemas de genética agrícola, este país deverá realizar um grande esforço de pioneirismo na pesquisa tecnológica.

Entretanto, essas tarefas ou diretrizes anteriores, para Furtado, ainda não são suficientes, além de aumentar o nível educacional e técnico da população, investimento em pesquisas tecnológicas, é tão importante quanto desenvolver a preparação de agentes que deverão ter a iniciativa da transformação da economia, ou seja, os organizadores e empresários.

“Ao contrário de outros países que tiveram tempo para preparar, através de gerações, uma classe dirigente, na Venezuela também esse problema terá que ser colocado de forma nova e audaz. O empresário moderno já não é o homem puramente empírico e intuitivo dos primórdios do capitalismo. A avaliação de um projeto econômico é uma tarefa que requer estudos metódicos e na qual os instrumentos de análises substituem com vantagem a pura experiência empírica. O mesmo se pode dizer da elaboração de um projeto e da operação de um negócio. Todas essas são tarefas em que uma adequada técnica pode contribuir substancialmente para reduzir os riscos.“ (FURTADO, 2008, p.63).

Para que a classe empresarial venezuelana se expanda em conjunto com o desenvolvimento do país, é importante que se proporcione uma assistência técnica adequada e ampla, em que deverá estar incluída não apenas a preparação de pessoal de organização e administração de negócios, mas também o estudo, a preparação e a avaliação de projetos, a prestação de serviços diretos às empresas que estão se organizando ou em começo de operação.

Conforme destaca Furtado (2008, p.63), os investimentos em educação, preparação de pessoal técnico, pesquisa tecnológica e assistência técnica aos empresários se destinam, todos eles, a criar aumento de produção e produtividade ao conjunto das atividades produtivas. Isto é, são da mesma natureza que os investimentos em transportes e energia. Mas, além disso, têm outros dois aspectos altamente positivos. Primeiro, contribuem diretamente para elevar o nível cultural e técnico da população, ou seja, para o aperfeiçoamento do patrimônio humano da nação. Ou seja, todo investimento feito nas pessoas possui um caráter de auto-expansão e de continuidade nas novas gerações.

É um processo em cadeia e por natureza irreversível. Segundo, os investimentos desse tipo se concretizam em serviços de caráter permanente, isto é, geram um fluxo importante de salários que vão contribuir para a expansão do mercado interno. Neste sentido, têm as características dos investimentos diretamente reprodutivos, ainda que não sejam autocusteados.

Na Venezuela atual, com maior controle dos fluxos de capitais, a centralização cambial e a política de reservas vêm permitindo reduzir a dolarização da riqueza privada, aumentando o grau de manobra da política econômica necessária à busca de uma estratégia nacional de desenvolvimento.