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2 A PROTEÇÃO JURÍDICA INTERNACIONAL DA PESSOA HUMANA:

2.2 Transformação e Evolução do Direito Internacional: Retorno às Raízes

2.2.1 As Tendências Contemporâneas do Direito Internacional

Hodiernamente, e como dito, o D.I. que estudamos e com o qual trabalhamos não é mais aquele de espectro westfaliano, estatocêntrico, portanto. Apesar do Estado, através de sua manifestação soberana, ainda ser o baluarte das relações político-diplomáticas e jurídicas internacionais, o D.I. do século XXI é a disciplina do consenso e não mais o do mero e puro consentimento. Seja pelo recrudescimento da globalização nos últimos duzentos anos, seja em decorrência das alterações paradigmáticas sofridas nas relações internacionais após o fim da II Guerra Mundial (bem como após o desmoronamento da ex-URSS), seja pela existência de novos atores e de novas forças institucionais atuando junto à sociedade internacional, este é, hoje, o Direito da cooperação multilateral, da coexistência pacífica entre os Estados – pelo menos em séria tentativa – e da ascensão e luta constantes pela proteção dos Direitos Humanos. Pode-se falar, à vista disso, em sete relevantes tendências contemporâneas da disciplina, as quais atestam a mudança estrutural, ontológica do D.I.93.

Em primeiro lugar, cita-se a tendência à Codificação do D.I., isto é, a real e efeitva constatação do aumento exponencial, no último século, do número de tratados celebrados, fato que desenvolveu e enriqueceu, em muito, o arcabouço normativo convencional (hard Law) do D.I.. A crescente positivação de normas até então não existentes, ou de origem costumeira e ora convencionadas, tornou o D.I. um Direito que se liga a diferentes tutelas, atendendo a uma nunca antes imaginada sorte temática de agendas (e problemas) da sociedade internacional, o que importa dizer, desse modo, que se apresenta dotado de diferentes funcionabilidades, à parte da clássica e histórica função de servir apenas aos interesses do Estado. Neste sentido, presentes e explicitadas as tendências à Objetivação e Funcionalização do D.I..

Muitos destes tratados, como previamente citado, deram origem a instituições, Organizações Internacionais Intergovernamentais e jurisdições/tribunais internacionais que passaram a integrar o sistema internacional, materializando,

93 O eminente internacionalista Jorge Manuel Moura Loureiro de Miranda, professor catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, chama atenção em suas obras acerca das tendências contemporâneas do Direito Internacional e, nesse sentido, da profunda modificação que estas trouxeram para a disciplina. É, pois, referência no assunto. Sobre tais fenômenos por ele descritos, consultar: MIRANDA, Jorge. Curso de Direito Internacional Público. 5 ed. rev. e atual. Cascais: Princípia, 2012.

portanto, o que a doutrina pontua como as tendências à Institucionalização e Jurisdicionalização do D.I.. Nesse sentido, explica o catedrático português Jorge Manuel Moura Loureiro de Miranda:

(...) Em terceiro lugar, a institucionalização. O Direito Internacional deixou de ser um Direito das relações bilaterais ou multilaterais entre os Estados. É um Direito presente cada vez mais nos organismos internacionais, na Organização das Nações Unidas e nas agências especializadas, antes de mais nada. Depois, a funcionalização, relacionada com a institucionalização, num duplo sentido. Por um lado, o Direito Internacional extravasa cada vez mais o âmbito das meras relações externas e entre os Estados e penetra cada vez mais, em quaisquer matérias. Em nível interno, assume tarefas de regulamentação e de solução de problemas, como a saúde, o trabalho, o ambiente etc. Em segundo lugar, essa funcionalização acompanha a criação de organismos internacionais capazes de permitir essa solução, uma espécie de ministérios internacionais que fazem o complemento dos ministérios nacionais94.

Por fim, todavia de modo não menos relevante, destaca-se que esses movimentos de expansão normativa e orgânica do D.I. aconteceram em duas perspectivas jurídico-geográficas distintas. Por um lado, em dimensão universal, sobretudo como fruto do trabalho realizado, globalmente, pela O.N.U.. Por outro, em dimensão regional, a partir de interesses e temáticas comuns – reunidas por afinidades culturais, históricas, econômicas e lingüísticas de países próximos e/ou vizinhos, como nos casos de integração regional ocorridos no continente europeu, nas Américas e África, por exemplo. Desse modo, tem-se, respectivamente, a observância das tendências à Universalização e Regionalização do D.I. que, ao contrário do que se poderia pensar em uma primeira e rasa análise, não são dicotômicas, mas sim convergentes e, algumas vezes, sobrepostas.

O regionalismo não há de ser concebido como uma forma de auto-exclusão de uma sociedade mais ampla. O regionalismo, obviamente, assume problemas próprios da região; porém, é compatível, ainda mais se atua como plataforma para se expressar mais eficazmente uma posição sobre problemas universais, imprimindo força às próprias doutrinas. A região defende sua identidade e interesses comuns em um meio universal, cujo cosmopolitismo reforça95.

94 MIRANDA, Jorge. A Incorporação ao Direito Interno de Instrumentos Jurídicos de Direito

Internacional Humanitário e Direito Internacional dos Direitos Humanos. Revista CEJ, v. 4 nº. 11 mai./ago. 2000. Disponível em: <http://www.jf.jus.br/ojs2/index.php/revcej/article/view/344/546> Acesso em: 10 jun. 2016.

95 REMIRO BROTÓNS, Antonio; RIQUELME CORTADO, Rosa; ORIHUELA CALATAYUD, Esperanza; DÍEZ-HOCHLEITNER, Javier; PÉREZ-PRAT DURBAN, Luis. Derecho Internacional. Valencia: Tirant lo Blanch, 2007, p. 64.

Todas estas tendências descritas, à luz da melhor doutrina internacionalista e de acordo com o que se acredita em sede dos fundamentos desta tese, projetam-se, concentricamente, à elevação da pessoa humana como norte, como destino final do D.I.. Assim, a Humanização do D.I., em viés universal e/ou regional – última tendência contemporânea aqui citada e à qual se dedicará todo o próximo tópico deste trabalho –, ampara-se no emaranhado de normas positivadas em tratados (e consuetudinárias) que se dedicam à tutela da pessoa humana, bem como no plural número de instituições e cortes às quais os indivíduos podem peticionar e exercer o jus postulandi internacional, realidades que demonstram que o foco da ordem jurídica internacional está, hoje, direcionado aos seres humanos.

Tal alteração vocacional dos pressupostos do D.I. foi construída, filosófica e juridicamente, pelos maiores representantes da Filosofia, da Filosofia do Direito e do próprio Direito Internacional, os quais serão apresentados a seguir. Ao estudarem as mudanças históricas dos últimos séculos, constataram o empoderamento político e jurídico dos indivíduos ao longo deste ínterim, em especial do século XVIII adiante. Teorizaram, portanto, a respeito da gradual e evolutiva modificação do Direito Internacional em relação ao imperativo respeito aos direitos humanos, assim como sobre a elevação axiológica e sobre o desenvolvimento das normas protetoras da pessoa humana também junto às ordens jurídicas internas, nacionais. Sobre isso discorre André de Carvalho Ramos, internacionalista pátrio, professor Livre-Docente de D.I. da Universidade de São Paulo e Procurador Regional da República:

A nossa Constituição acompanha o uso variado de termos envolvendo os “direitos humanos” (...) Criando-se uma nova terminologia “direitos humanos fundamentais” ou ainda “direitos fundamentais do homem”. Essa união de termos mostra que a diferenciação entre direitos humanos, representando os direitos reconhecidos pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos, e os direitos fundamentais, representando os direitos positivados nas Constituições e nas leis internas, perde a importância, ainda mais na ocorrência de um processo de aproximação e mútua relação entre o Direito Internacional e o Direito interno na temática dos direitos humanos. Essa aproximação entre o Direito Internacional e o Direito Nacional é consagrada, no Brasil, pela adoção do rito especial de aprovação congressual dos tratados de direitos humanos (previsto no art. 5º, § 3º). Esse rito especial consiste na aprovação de um tratadopor maioria de 3/5 e em dois turnos em cada Casa do Congresso Nacional para que o futuro tratado seja equivalente a Emenda Constitucional. Assim, um tratado de direitos humanos equivalente à Emenda Consitucional, ou seja, um direito previsto em tratado (direitos humanos) será considerado um direito constitucional (direito fundamental). A Constituição de 1988 dividiu os direitos humanos, com base no seu Título II (denominado, sugestivamente, “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”), em cinco categorias, a saber: a) direitos e interesses individuais e coletivos; b) direitos sociais; c) direitos de

nacionalidade; d) direitos políticos; e e) partidos políticos. Essa enumeração não é exaustiva, uma vez que o art. 5º, § 2º da Constituição prevê o princípio da não exaustividade dos direitos fundamentais, também denominado abertura da Constituição aos direitos humanos, dispondo que os direitos previstos não excluem outros decorrentes do regime e princípios da Constituição, além dos que estão mencionados no restante do texto da Constituição e em tratados de direitos humanos celebrados pelo Brasil96.

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