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2 A PROTEÇÃO JURÍDICA INTERNACIONAL DA PESSOA HUMANA:

2.2 Transformação e Evolução do Direito Internacional: Retorno às Raízes

2.2.2 Cosmopolitismo e Humanização do Direito Internacional

2.2.2.1 Os Indivíduos e a Humanidade como Sujeitos e Destinatários das

Diante de tais considerações acerca da dignidade humana e do cosmopolitismo, as quais embasam a teorização filosófica acerca da Humanização do D.I. em rompimento à lógica westfaliana e, de certa forma, a constituem, avança- se para a elucidação dos principais fundamentos jurídicos que elevam os indivíduos, e a própria humanidade, em perspectiva universal, ao status de sujeitos e principais destinatários das normas do Direito Internacional.

Basilar, para tanto, como já ressaltado, a compreensão da posição acadêmico-doutrinária do internacionalista brasileiro Antônio Augusto Cançado Trindade, marco teórico deste trabalho. Há décadas, desde o momento de sua defesa de tese na seleta Universidade de Cambridge, em 1978127, até a atual posição que ocupa, de juiz da Corte Internacional de Justiça, tal jurista posiciona-se em defesa da subjetividade internacional do indivíduo e, assim, pela expansão do rol dos sujeitos de D.I. Em termos da aplicação prática de seus pensamentos, destacam-se seus anos de magistrado (1995-2006), inclusive na posição de

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SALGADO, Karine. A Paz Perpétua de Kant. Belo Horizonte: Editora Mandamentos, 2008, p. 219. 127 A tese, intitulada O Esgotamento dos Recursos Internos no Direito Internacional, foi orientada por J. A. Smith e venceu, no ano de sua defesa, o Prêmio Yorke.

Presidente, junto à Corte Interamericana de Direitos Humanos (C.O.I.D.H.)128. Durante todo esse período, Cançado Trindade não apenas defendeu a citada subjetividade internacional dos indivíduos (seja em seus Votos e Opiniões Consultivas, seja em sede das Medidas Provisórias de Proteção às quais se posicionou favoravelmente)129, como foi um dos mais importantes responsáveis pela construção jurisprudencial da Corte Interamericana acerca do locus standi in judicio, isto é, frente à vedação do direito direto de petição individual à Corte, que os indivíduos vítimas de violações de direitos humanos, ou então suas famílias e/ou representantes legais, possam estar presentes, in loco, em todas as etapas dos procedimentos perante aquele tribunal130. Adiante, no item 2.3.1.2.2, não apenas essa situação, mas toda a dinâmica jurídica do Sistema Interamericano de Proteção aos Direitos Humanos será devidamente apresentada.

O histórico e reiterado posicionamento acadêmico e jurisdicional de Cançado Trindade culminou no convite e correlata maestria, em 2005, do Curso Geral de Direito Internacional Público da Academia da Haia de Direito Internacional131, o qual foi nomeado Direito Internacional para a Humanidade: Em Direção a Um Novo Jus Gentium. Foi justamente nessa oportunidade que o internacionalista condensou, de forma excepcional, sua defesa do direito universal da humanidade, isto é:

(...) o despertar de uma consciência jurídica universal para reconstruir, neste início do século XXI, o Direito Internacional com base em um novo paradigma, já não mais estatocêntrico, mas sim situando a pessoa humana em posição central e tendo presentes os problemas que afetam a humanidade como um todo. A emancipação da pessoa humana vis-à-vis o próprio Estado avança lentamente, mas avança. Nada podia supor ou antever, há alguns anos atrás, que as causas dos deslocados, dos migrantes indocumentados (em busca de alimento, moradia, trabalho e

128 CORTE INTERAMERICANA DE DERECHOS HUMANOS. Composiciones de la Corte. Disponível em: <http://www.corteidh.or.cr/index.php/en/about-us/composicion> Acesso em: 01 jun. 2016.

129 Votos em Setenças: Castillo Petruzzi et alii versus Peru (04.09.1998); Ximenes Lopes vesus Brasil (04.07.2006); Comunidad Indígena Yakye Axa versus Paraguay (06.02.2006); Prisión de Castro- Castro versus Peru (02.08.2008). Opiniões Consultivas: El Derecho a la Información sobre la Asistencia Consular em el Marco de las Garantías Del Debido Proceso Legal (01.01.1999); Condición Jurídica y Derechos Humanos Del Niño (28.08.2002); Condición Jurídica y Derechos de los Migrantes Indocumentados (17.09.2003); Medidas Provisórias de Proteção: Haitianos y Dominicanos de Origen Haitiana em la República Dominicana versus Reública Dominicana (18.08.2000); Comunidad de Paz de San José de Apartadó versus Colombia (18.06.2002); Comunidad de Paz Jiguamiandó y Curbaradó versus Colombia (07.02.2006). TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Uma Visão

Humanista do Direito Internacional. Belo Horizonte: Livraria e Editora Del Rey, 2013, pp. 27-36.

130 TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. A Humanização do Direito Internacional. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p.139.

131 THE HAGUE ACADEMY OF INTERNATIONAL LAW. Disponível em: <https://www.hagueacademy.nl/> Acesso em: 01 jun. 2016.

educação) e dos meninos abandonados nas ruas alcançassem um tribunal internacional como a Corte Interamericana de Direitos Humanos (...) tornando o acesso dos pobres e oprimidos à justiça internacional uma realidade dos nossos dias. (Tradução nossa)132.

Nesse sentido, segundo o autor, a evolução histórico-jurídica do D.I. levou-o a estar cada vez mais ocupado e vocacionado com o destino da pessoa humana e com considerações acerca da humanidade em si, “contribuindo para expansão e crescimento do seu corpus juris”133 (Tradução nossa). Assim, para corroboar sua concepção teórica e fazê-la transpor as fronteiras meramente acadêmicas, Cançado Trindade teceu, ao longo de suas aulas na Haia, alguns exemplos desta acepção humanizada do D.I., os quais afirmam a consistência de suas reflexões sobre a nova roupagem do D.I. e, sobretudo, sobre seus horizontes frente ao novo milênio.

Todavia, anteriormente à enumeração dos citados exemplos, Cançado Trindade preocupou-se em, a partir de evidências doutrinárias e oriundas da case- law internacional, demonstrar que considerações acerca da humanidade estão presentes em diferentes mecanismos do sistema internacional, o que propicia a “construção de um novo jus gentium e a restauração dos seres humanos e da humanidade na posição central que lhes é própria e que, gradualmente, irá equipar o Direito Internacional a responder a seus desafios contemporâneos”134 (Tradução nossa).

Em sede das manifestações doutrinárias, o jurista indica as considerações de C. Wilfred Jenks, em 1958, de A. Truyol y Serra, em 1965, de Paul De Visscher, em 1972, de R.J. Dupuy, em 1983, todas sobre a evidência da ideia de humanidade já estar presente no cerne das relações jurídicas internacionais. Pode-se citar, assim, as palavras de Paul De Visscher a esse respeito, palavras essas que elevam a

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―...el despertar de un consciencia jurídica universal, para reconstruir, en este inicio del siglo XXI, el Derecho Internacional, con base en un nuevo paradigma, ya no más estatocéntrico, sino situando la persona humana en posición central y teniendo presentes los problemas que afectan a la humanidad como un todo. La emancipación de la persona humana vis-à-vis el proprio Estado avanza lentamente, pero avanza. Nadie podría suponer o antever, hace alguns años atrás, que las causas de los desplazados, de los migrantes indocumentados (em búsqueda de alimento, vivienda, trabajo y educación) y de los ninõs abandonados en las calles, alcanzasen un tribunal internacional como la Corte Interamericana de Derechos Humanos (...) tornado el acceso de los pobres y oprimidos a la justicia internacional una realidad em nuestros dias‖. Ibidem, p. 171.

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―contributed to expanding and enriching its corpus júris‖. TRINDADE, Antônio Augusto Cançado.

International Law for Mankind: Towards a New Jus Gentium. General Course on Public

International Law. The Hague Academy of International Law, volume 317. Leiden/Boston: Martinus Nijhoff Publishers, 2006, p. 20.

134 “(...) the construction of a new jus gentium restoring to human beings and humankind the central position that is theirs is bound gradually to equip International Law so as to be able to respond to contemporary challenges that it is faced with”. Ibidem, pp. 26-27.

humanidade aos patamares mais nobres da axiologia e da dimensão principiológica do D.I., colocando-a como, inclusive, capaz de fundamentar o rompimento do modelo voluntarista setecentista da pura raison d‘Etat.

(...) exigir barreiras objetivas, diretamente inspiradas pelas ideiais de humanidade, justiça e solidariedade, contrariamente à onipotência da razão de Estado no plano interno e contra a onipotência das vontades comuns no plano internacional135. (Tradução nossa).

Já a respeito da case-law internacional citada por Cançado Trindade, isto é, dos casos que expressamente utilizaram-se da ideia de humanidade ou a definiram em seus dispositivos decisórios, estão o Caso do Canal de Corfu (C.I.J., 1949); a Opinião Consultiva sobre Reservas à Convenção sobre a Prevenção e Punição do Crime de Genocídio (C.I.J., 1951); o Caso Nicarágua versus E.U.A. (C.I.J., 1986); o Caso M/V Saiga (Tribunal Internacional do Direito do Mar (T.I.D.M.), 1999); a Opinião Consultiva sobre o Direito a Informação sobre Assistência Consular no Âmbito das Garantias do Devido Processo Legal (C.O.I.D.H., 1999) e; a Opinião Consultiva sobre a Condição Jurídica e Direitos dos Migrantes Indocumentados (C.O.I.D.H., 2003)136.

Nota-se, por conseguinte, que, tanto na doutrina quanto na jurisprudência internacionais, as considerações sobre a humanidade encontram sólido respaldo. Logo, a humanização do D.I. defendida pelo eminente internacionalista apresenta- se, no tempo presente, fortalecida e em curso, o que nos permite retomar a elucidação dos exemplos temáticos por ele propostos em suas aulas na Haia, os quais demonstram esta realidade.

Cançado Trindade elenca, nesse sentido, as relações da humanidade com o desarmamento; com o Direito dos Tratados; com a responsabilidade internacional do Estado; com a sucessão de Estado; com o território; com o Direito Diplomático e Consular e; com os regimes internacionais de proteção à pessoa humana (em relação ao D.I.R., especialmente no que tange o princípio do non-refoulement, a ser

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―(...) exiger que des barrières objectives, directement inspirées par les idées d‘humanité, de justice et de solidarité, soient dressées contre l‘omnipotence de la raison d‘Etat sur le plan interne et contre l‘omnipotence des volontés communes sur le plan international‖. DE VISSCHER, Paul. Cours

Général de Droit International Public. 136 RCADI (1972), pp. 103-104.

136 TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. International Law for Mankind: Towards a New Jus

Gentium. General Course on Public International Law. The Hague Academy of International Law,

discutido no item 3.3.1.2.1 desta tese)137. Ao fazê-lo, objetiva provar a supramencionada virada epistemológica desse ramo do Direito, ou seja, do regime voluntarista clássico para a construção hodierna de uma ordem internacional cosmopolita e humanizada, na qual grande parte de suas normas imperativas (as denominadas normas de jus cogens), em perspectiva erga omnes, dirigem-se à tutela e proteção dos direitos dos indivíduos. Ainda, e nesta mesma luz argumentativa, destaca o papel do indivíduo perante a sociedade internacional e seu empoderamento enquanto entidade acrescida ao rol dos sujeitos de D.I.

Assim, o indivíduo em si (em análise particular) e/ou os grupos de indivíduos (em viés coletivo) são considerados como entes dotados de personalidade e capacidade jurídicas na ordem internacional. Por conseguinte, são, por um lado, os mais relevantes destinatários da normativa internacional, sendo titulares de direitos e portadores de obrigações, e, por outro, capazes de agir internacionalmente, ou seja, apesar de lhes faltar o poder e a habilidade de celebrar tratados, detêm direito de petição nos mais relevantes foros internacionais. Como ser verá adiante, no item 2.3.1.2.1 da presente tese, na Corte Europeia de Direitos Humanos (C.E.D.H.), por exemplo.

Ainda, e nesse mesmo sentido, outro forte argumento de defesa e de demonstração da subjetividade internacional dos indivíduos enraíza-se no fato de que, desde a recente criação do Tribunal Penal Internacional (T.P.I.), em 1998/2002138, os indivíduos tornaram-se permanentemente passíveis de serem apenados internacionalmente, ou seja, de, a título próprio de suas responsabilidades penais individuais139, se tornarem investigados e, posteriormente, réus, em processos junto ao Tribunal. Importante relembrar, nessa toada, que, anteriormente à existência do T.P.I., os indivíduos já podiam configurar como pólo passivo em

137 Tais exemplos encontram-se trabalhados ao longo dos Capítulos XVII a XXIII de seu curso de Direito Internacional Público proferido na Haia. Ibidem, pp. 28 a 172.

138 O T.P.I. foi criado pelo Estatuto de Roma para o Tribunal Penal Internacional (E.R.T.P.I.), tratado concluído em 1998 e que iniciou sua vigência internacional em 2002, após alcançar o número mínimo de sessenta Estados membros exigido no artigo 126 do Estatuto. BRASIL; PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, CASA CIVIL, SUBCHEFIA PARA ASSUNTOS JURÍDICOS. Estatuto de Roma do

Tribunal Penal Internacional Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/D4388.htm> Acesso em: 06 jun. 2016.

139Segundo o artigo 25, 1 e 2, do E.R.T.P.I., “1. De acordo com o presente Estatuto, o Tribunal será competente para julgar as pessoas físicas. 2. Quem cometer um crime da competência do Tribunal será considerado individualmente responsável e poderá ser punido de acordo com o presente Estatuto” (Tradução nossa). INTERNATIONAL CRIMINAL COURT. Rome Statute of The

International Criminal Court. The Hague: International Criminal Court Publisher, 2011. Disponível

ações penais tramitadas em outros tribunais internacionais, como os de Nuremberg, de Tóquio, para ex-Iugoslávia e para Ruanda140. Todavia, por possuírem esses natureza ad hoc, a apuração da responsabilidade internacional individual por crimes da mais alta gravidade, como crimes de guerra e crimes contra a humanidade, por exemplo, era contestável, assim como a própria existência de tais jurisdições, da legalidade de seus princípios instituidores e de seus procedimentos penais141. A institucionalização do T.P.I., portanto, como Corte permanente que é, veio a por fim a qualquer especulação acerca de eventuais ilegitimidades e ilegalidades vinculadas a sua jurisdição internacional criminal, o que contribuiu para a o início de uma nova era de combate e prevenção à impunidade internacional.

Contudo, a aceitação do indivíduo como sujeito de D.I. ainda não é unânime na doutrina. A saber, e em veemente opinião contrária, cita-se o entendimento do ex-Ministro das Relações Exteriores do Brasil (M.R.E.), ex-Ministro do Supremo Tribunal Federal (S.T.F.) e ex-Juiz da C.I.J., Francisco Rezek.

Não têm personalidade jurídica de direito internacional os indivíduos e, tampouco, as empresas, privadas ou públicas. Há uma inspiração generosa e progressista na ideia, hoje insistente, de que essa espécie de personalidade se encontra também na pessoa humana – de cuja criação, em fim de contas, resulta toda ciência do direito, e cujo bem é a finalidade primária do direito. Mas daí partirmos para formular a tese de que a pessoa humana, além da personalidade jurídica que lhe reconhecem o direito nacional de seu Estado patrial e os dos demais Estados, tem ainda – em certa medida dizem alguns – personalidade jurídica de direito internacional, enfrentaremos em nosso discurso humanista o incômodo de dever reconhecer que a empresa, a sociedade mercantil, a coisa jurídica inventada com o ânimo do lucro à luz das regras do direito privado de um país qualquer, também é – e em maior medida, e há mais tempo – uma personalidade do direito das gentes. A percepção do indivíduo com personalidade internacional pretende fundamentar-se na lembrança de que certas normas internacionais criam direitos para as pessoas, ou lhes impõem deveres. É preciso lembrar, entretanto, que os indivíduos e empresas – diversamente dos Estados e Organizações – não se envolvem, a título próprio, na produção do acervo normativo internacional, nem

140 A institucionalização do T.P.I., enquanto jurisdição penal permanente sediada na cidade da Haia, na Holanda, foi inspirada, do ponto de vista jurídico, nas conseqüências positivas (e no aprendizado no tocante às negativas) oriundas do trabalho de cortes penais ad hoc que lhe antecederam, como é o caso dos mencionados Tribunal de Nuremberg (1945), Tribunal de Tóquio (1946), Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia (1993) e Tribunal Penal Internacional para Ruanda (1994). TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL. Disponível em: <https://www.icc-cpi.int/Pages/Home.aspx> Acesso em: 06 jun. 2016.

141 Nesse sentido, consultar as seguintes referências: SCHABAS, William A. An Introduction to the

International Criminal Court. 4th Edition. Cambridge/UK: Cambridge University Press, 2011;

CASSESE, Antonio. International Criminal Law. 3rd Edition. Oxford/UK: Oxford University Press, 2013; COGAN, Jacob Katz. International Criminal Courts and Fair Trials: Difficulties and

Prospects. Yale Journal of International Law, vol. 27, p.p. 111-140, 2002. Disponível em:

guardam qualquer relação direta e imediata com essa ordem. Muitos são os textos internacionais votados à proteção do indivíduo. A flora e a fauna também constituem objeto de proteção por normas do direito das gentes, sem que lhes tenha pretendido, por isso, atribuir personalidade jurídica142.

Tal compreensão jurídica do respeitado internacionalista Francisco Rezek incita, ainda, menção à negativa de subjetividade jurídica internacional às empresas, públicas ou privadas143, às Organizações Não Governamentais (O.N.Gs.)144, e, em acréscimo, à mídia, isto é, à imprensa global.

Data maxima venia, sua posição encontra-se equivocada e ultrapassada em relação aos indivíduos, especialmente porque o eminente jurista, para afastar-lhes a personalidade jurídica internacional, fundamenta-se em preceitos hermenêuticos ilógicos, retirando dos indivíduos a condição de serem sujeitos de D.I. por duas razões que, juridicamente, não se sustentam. Em primeiro lugar, dizer que se os indivíduos possuíssem personalidade jurídica internacional o mesmo deveria acontecer com as empresas de atuação global, e vice-versa, é teorizar sobre a atribuição da condição de pessoa pelo D.I. a partir de uma comparação entre sujeitos diversos que, tanto histórica como filosoficamente, não possuem a mesma origem ou natureza. Ainda nesse sentido, comparar o indivíduo à flora e à fauna para lhes retirar e diminuir a relevância enquanto centro de atenção e destino das normas mais importantes do D.I. é errado e, enquanto argumento, deveras precário. Em segundo lugar, fundamentar a não personalidade jurídica dos indivíduos por lhes faltar a capacidade de celebrar tratados é desconsiderar toda a evolução histórica e normativa do D.I., tratando-o como um Direito ainda arraigado ao modelo estatocêntrico. Ademais, atribuir a essa capacidade toda a sistemática de personificação internacional é um exagero, vez que, ao fazê-lo, se substrai da

142 REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: Curso Elementar. 16ª ed., São Paulo: Editora Saraiva, 2016, pp. 190-191.

143 As empresas que atuam, enquanto atores, na sociedade internacional, podem ser empresas nacionais de atuação global, empresas multinacionais (de capital misto, oriundo de investidores e sócios de diferentes países), empresas transnacionais (de capital único e sedes internacionais múltiplas), ou seja, podem possuir diferentes roupagens jurídicas. Interessante, nesse contexto, as reflexões trazidas pelo premiado documentário canadense, lançado em 2003, The Corporation. THE CORPORATION. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=Zx0f_8FKMrY> Acesso em: 06 jun. 2016.

144 Também chamadas de Associações Internacionais, as O.N.Gs e/ou empresas privadas de roupagem humanista que atuam no cenário internacional não possuem, normalmente, finalidade lucrativa. Caracterizam-se pela independência e ativismo, sendo reais representantes da sociedade civil internacional em diferentes agendas (quase sempre, naquelas em que o Estado demonstra-se falho, como nas áreas da Saúde, Educação, Meio Ambiente e Ajuda Humanitária) e, por isso, são relevantes “atrizes” da sociedade internacional. Tem-se, a exemplo, o Greenpeace, a OXFAM, a Save the Children, a Human Rights Watch, a Anistia Internacional, a CARE, a Conectas Direitos Humanos e os Médecins Sans Frontières.

análise as particularidades e as características essenciais do indivíduo enquanto sujeito de direito, sujeito radicalmente diferente dos Estados ou O.I., porém não menos importantes para o D.I.. Ao contrário, é a ele e a sua respectiva proteção e ideal(is) de felicidade que esse Direito, hoje, se projeta e se vincula.

Esse raciocínio jurídico acerca dos sujeitos do D.I. obriga-nos, finalmente, à reflexão acerca da utilização, tanto na prática como acadêmica, da nomenclatura ator ou atores da sociedade internacional, seja pelos juristas internacionalistas, seja, e em especial, pelos profissionais das Relações Internacionais (R.I.) e das Ciências Sociais em geral. Em dimensão ampliada, já que nem todo ator internacional é um sujeito de D.I., os atores internacionais, apesar de não possuírem personalidade e capacidade jurídicas internacionais, detém relevante e necessário poder de influência na agenda internacional, não podendo, pois, serem desprezados ou mitigados em sua real importância social, econômica e, sobremaneira, política, tanto para o Direito como para as relações internacionais do nosso tempo.

2.3 A Dignidade e a Vida Internacional da Pessoa Humana como Core da

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