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Esquema 1 – O ethos discursivo para Maingueneau

3 A ANÁLISE DO DISCURSO FRANCESA

3.3 AS TRÊS FASES DA AD

O desenvolvimento da AD não foi homogêneo. Passados mais de quatro décadas desde suas primeiras reflexões, podemos notar que os conceitos basilares desse campo do saber foram sendo moldados a partir de embates teóricos, os quais possibilitaram a reformulação dos mesmos.

Pêcheux (1983), em seu texto A Análise de Discurso: três épocas, distingue os momentos pelos quais a AD se desenvolveu. Tais épocas revelam, nas palavras de Gregolin (2006, p. 60) ―[...] os embates, as reconstruções, as retificações operadas na constituição do campo teórico da análise do discurso francesa‖. As épocas da AD resultam, assim, de embates teóricos e políticos que giram em torno da articulação entre o discurso, a língua, o sujeito e a História.

A primeira época da AD, chamada de AD-1, inicia-se com a publicação do livro Análise Automática do Discurso (1969), de Michel Pêcheux. Trata-se, nas palavras de Gregolin,

[...] de uma proposta teórico-metodológica impregnada pela releitura que ele [Pêcheux] faz de Saussure, deslocando o objeto, pensando a langue (sua sistematicidade; seu caráter social) como a base dos processos discursivos, nos quais estão envolvidos o sujeito e a História (GERGOLIN, 2006, p. 61).

Nessa primeira fase da AD, observamos o entrecruzamento da (re)leitura de Saussure, Marx e Freud, realizadas respectivamente por Pêcheux, Althusser e Lacan, para compor o objeto teórico da AD, o discurso.

Ressaltamos que nessa fase é notório a exploração metodológica do conceito de maquinaria discursiva, segundo o qual o conjunto de discursos produzidos em um dado momento por um campo do saber é homogêneo e fechado. Assim, a ―análise automática‖ possibilitaria ―[...] colocar em evidência traços do processo discursivo, a fim de determinar os enunciados de base produzidos pela ‗máquina discursiva‘‖ (GREGOLIN, 2006, p. 62). Importa notarmos que o método aqui utilizado derivava do estruturalismo de Harris, no entanto, Pêcheux ao pensar as relações transfrásticas põe em evidência aspectos semânticos e histórico-sociais.

No que concerne à noção de sujeito, Pêcheux, tendo em vista as teses de Althusser (1985 [1970]) sobre os aparelhos ideológicos e sobre o assujeitamento, propõe que este seja visto a partir do seu atravessamento pela ideologia e pelo inconsciente. Assim, Pêcheux afirma que

um processo de produção discursiva é concebido como uma máquina auto- determinada e fechada em si mesma, de tal modo que um sujeito-estrutura determina os sujeitos como produtores de seus discursos: os sujeitos acreditam que ―utilizam‖ seus discursos quando na verdade são seus ―servos‖ assujeitados, seus ―suportes‖ (PÊCHEUX, 1983, p. 331)

Portanto, o sujeito não é intencional, nem fonte, nem origem de seu dizer. Ele reproduz um já-dito, o pré-construído. Ele é não-autônomo, posto que interpelado ideologicamente, estando, pois, seu discurso preso a condições sócio-históricas reguladoras.

No que tange ao segundo momento da AD (AD-2), destacamos a inserção do conceito de formação discursiva, proposto por Foucault (1969). Nas palavras de Pêcheux ―[...] a noção de formação discursiva tomada de empréstimo de Michel Foucault, começa a fazer explodir a noção de máquina estrutural fechada na medida em que o dispositivo da FD está em relação direta com seu ‗exterior‘ (PÊCHEUX, 1983, p. 314)‖, uma vez que uma FD constitui-se de outras FD.

Da desconstrução da noção de máquina discursiva fechada para a inserção da noção de FD, tem-se a inserção da exterioridade da linguagem, o que possibilita o surgimento da noção de interdiscurso, que designa a exterioridade da FD. Para o autor,

A noção de interdiscurso é introduzida para designar ―o exterior específico‖ de um FD enquanto este irrompe nesta FD para constituí-la em lugar de evidência discursiva, submetida à lei da repetição estrutural fechada: o fechamento da maquinaria é pois conservado, ao mesmo tempo em que é concebido então como o resultado paradoxal da irrupção de um ―além‖ exterior e anterior. (PÊCHEUX, 1983, p. 314)

Em consequência disso, temos que o sujeito do discurso continua sendo concebido como assujeitado, uma vez que será marcado pelas possibilidades estabelecidas pela FD. Dito de outra forma e levando-se em conta que para Foucault (2008, p.133) uma FD ―é um conjunto de regras anônimas, históricas, sempre determinadas no tempo e no espaço, que definiram, em uma dada época e para uma determinada área social, econômica, geográfica ou linguística, as condições de exercício da função enunciativa‖, uma FD é o dispositivo responsável por regular aquilo que o sujeito pode dizer numa determinada conjuntura histórico-social.

Outrossim, a publicação de Les Vérités de la Palice, em 197518, constitui o momento de teorização de mudanças. Nessa obra, o ator propõe uma teoria materialista do discurso, segundo a qual os processo discursivos, que se desenvolvem sobre uma base linguística, inscrevem-se numa relação ideológica de classe.

Assim, Pêcheux retoma o conceito de formação discursiva e acrescenta-lhe essa reflexão a teoria materialista do discurso e afirma que ―os indivíduos são interpelados em sujeitos-falantes (em sujeitos de seu discurso) pelas formações discursivas que representam ―na linguagem‖ as formações ideológicas que lhes são correspondentes‖ (PÊCHEUX, 1997, p. 161). Nesse momento, tem-se o início da terceira fase.

Embora o conceito de FD tenha sido introduzido na AD-2, é somente na terceira fase da AD (AD-3) que o conceito de máquina discursiva será abandonado, em função do fortalecimento do conceito de FD e, portanto, da percepção de que os discursos não são fechados em si, uma vez que se relacionam com a exterioridade da FD, isto é, com o interdiscurso. Na perspectiva da AD-3, uma FD, embora não seja autônoma, visto que se constitui em relação com outras FD, é vista como independente.

18 Traduzido no Brasil em 1988, por Eni Orlandi, sob o título ―Semântica e Discurso: uma crítica a afirmação do

Também nessa fase da AD, as reflexões sobre a heterogeneidade enunciativa, operadas por Jacqueline Authier-Revuz a partir de sua leitura da obra de Bakhtin, conduzem à discussão sobre o discurso-outro (FERNANDES, 2008). Ainda, começam a surgir interrogações sobre a concepção de sujeito e,

[...] dentro de uma crise irreversível das esquerdas francesas, Pêcheux afasta-se de posições dogmáticas sustentadas anteriormente a partir de sua vinculação com o Partido Comunista. É o momento da ―nova-História‖, de aproximação com as teses foucaultianas, em que Pêcheux critica duramente a política e as posições derivadas da luta na teoria e, assim, abre várias problemáticas sobre o discurso, a interpretação, a estrutura e o acontecimento (GREGOLIM, 2006, p. 64).

No entanto, a morte de Pêcheux e Foucault, respectivamente em 1983 e 1984, deixa em suspensão diversos questionamentos, o que conduz a AD para outros caminhos, que ―[...] privilegiaram a investigação sobre o sujeito a partir de postulados da psicanálise e deixaram de fora as problematizações da complexa relação entre o sujeito, o discurso e a história‖ (GREGOLIN, 2006, p. 185)

Em virtude desse afastamento, Courtine, nas palavras de Gregolin (2006, p. 186), ―[...] propõe a retomada dos pressupostos que animaram a grande virada dos anos 1980‖. Dessa forma, tal autor vai tomar ―[...] a linguagem e a história descrevendo as articulações entre a materialidade discursiva, sua inserção em formações discursivas, sua circulação através de práticas, seu controle por princípios relacionados ao poder‖.

No Brasil, por sua vez, os trabalhos de Orlandi evidenciam que, diferentemente do corte operado na França, as pesquisas aqui continuam articulando o linguístico e o histórico.