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As tutelas da privacidade: abordagem legal

3.4 O direito à privacidade e suas formas de tutela

3.4.1 As tutelas da privacidade: abordagem legal

Como descrito no item que trata da privacidade como um direito fundamental, o mesmo se materializou como tal no país com a Constituição Federal de 1988 que em seu art. 5º, X e XII, preceitua:

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

X – São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação (BRASIL, 1988)

Os dispositivos constitucionais estão garantindo a inviolabilidade da privacidade e o direito àquele que vier a ser ofendido em tal direito de receber reparação. O direito a tal reparação encontra-se resguardado na legislação infraconstitucional.

O Código Civil (BRASIL, 2002) dispõe de um capítulo inteiro sobre os direitos à personalidade, determinando em seu artigo 21, que “A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz a requerimento do interessado, adotará as providencias necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma”. Nesse contexto o direito à privacidade, já previsto na Constituição, ganha reforço com sua disposição também no Código Civil de 2002, que consagrou de forma expressa em seu texto a vida privada.

Esse dispositivo, coadunado com os artigos 186 e 927, do mesmo código, reflete a possibilidade de uma reparação civil em caso de lesão ao direto à privacidade, senão vejamos:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts.186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Seguindo tal premissa, de tutela da privacidade, quando a mesma está relacionada com a proteção do consumidor, tem-se os preceitos do Código de Proteção e Defesa do Consumidor (BRASIL, 1990). O referido código trata o consumidor como destinatário final dos bens e serviços comercializados, considerando o mesmo, a parte hipossuficiente da relação, e precisa por isso de atenção especial e auxílio na defesa de seus direitos.

O art. 6º, inciso VI, do código, prevê como direito básico do consumidor: “a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos” (BRASIL, 1990), assim como nos art. 43 e 44 do código, a proteção no que se refere às informações que são disponibilizadas pelo consumidor nas relações de consumo. Em caso então de se considerar as relações estabelecidas nas redes sociais na internet, como relações de consumo5, são perfeitamente aplicáveis as tutelas no que se refere a legislação consumerista, quando da relação de consumo resultar também uma violação da privacidade, e nesse caso por sua vez, havendo também a possibilidade de aplicabilidade de tutelas coletivas nos termos dos artigos 81 e 113 do código, este último que nos remete ao § 6º do art. 5º da Lei da Ação Civil Pública (LEONARDI, 2012).

É preciso trazer para esse conjunto de tutelas jurídicas que tratam sobre a privacidade da mesma forma, as mais recentes, porém não menos importantes leis que dialogam com a proteção de tal direito na rede, a Lei 12.737/2012, popularmente denominada de Lei Carolina Dieckmann e Lei 12.965/2014 conhecida como Marco Civil da Internet no Brasil.

Em caso amplamente divulgado na imprensa brasileira, a atriz Carolina Dieckmann, teve seu computador “invadido” sendo copiadas fotos suas em situação íntima e divulgadas na Internet sem sua autorização. Diante da repercussão de tal fato houve a promulgação da chamada Lei Carolina Dieckmann, Lei 12.737/2012, em vigor desde abril de 2013 que alterou o Código Penal Brasileiro (BRASIL, 1940), tipificando timidamente alguns dos chamados delitos ou crimes informáticos, incorporando ao Código os artigos 154-A e 154-B, e no art. 266 dois parágrafos e, na redação do art. 298 o parágrafo único:

Art. 154-A - Invasão de dispositivo informático alheio, conectado ou não à rede de computadores, mediante violação indevida de mecanismo de segurança e com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do titular do dispositivo ou instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita. Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa.

Art. 154-B. Nos crimes definidos no art. 154-A, somente se procede mediante representação, salvo se o crime e cometido contra a administração pública direta ou indireta de qualquer dos Poderes da União, Estados, Distrito Federal ou Municípios ou contra empresas concessionárias de serviços públicos.

Art. 266 (...).

§ 1º Incorre na mesma pena quem interrompe serviço telemático ou de informação de utilidade pública, ou impede ou dificulta-lhe o restabelecimento.

§ 2o Aplicam-se as penas em dobro se o crime é cometido por ocasião de calamidade pública.” (NR)

Art. 298 (...)

Parágrafo único. Para fins do disposto no caput, equipara-se a documento particular o cartão de crédito ou débito (BRASIL, 1940).

5 Conceito que será melhor abordado no terceiro capítulo, quando da verificação de sua aplicabilidade no contexto das redes sociais na internet.

Em que pese a lei não tratar expressamente sobre o direito a privacidade, a mesma, como ficará melhor explicitado no próximo capítulo, veio disciplinar os delitos que integram os crimes contra a liberdade individual e a inviolabilidade dos segredos. Nesse viés, considera-se que o bem jurídico tutelado a partir de tal dispositivo legal foi a liberdade individual e a privacidade das pessoas (intimidade e vida privada) (REIS,2014), por isso a menção da mesma como uma das tutelas que tratam da privacidade.

Concomitantemente, fora promulgado também, o Marco Civil da Internet, Lei 12.965/2014, que prevê princípios, garantias, direitos e deveres de quem usa a rede. A legislação veio reforçar as garantias individuais previstas na Constituição Federal, no que se refere à privacidade dos usuários da rede, colocando a inviolabilidade da privacidade como um princípio do uso da internet (art. 3°, inciso II da lei).

Seguindo tal premissa o art. 7º da lei, prevê a responsabilização através da reparação de danos materiais e morais em caso de violação da privacidade (inciso I), a inviolabilidade e sigilo do fluxo e comunicações do usuário, salvo por ordem judicial (inciso II e III), não fornecimento de dados pessoais do usuário salvo por ordem judicial (inciso VII), obrigatoriedade de informações claras e completas sobre a utilização dos dados recolhidos dos usuários no que se refere ao uso, armazenamento, tratamento e proteção dos mesmos (inciso, VIII), assim como a necessidade de consentimento expresso do usuário para tais fins (inciso IX), o direito de exclusão definitiva dos dados pessoais que tiverem sido fornecidos a determinada aplicação de internet (inciso X), publicidade e clareza nas políticas de uso dos provedores de conexão à internet e de aplicações de internet (inciso XI), a utilização das normas de proteção e defesa do consumidor nas relações de consumo realizadas na internet (inciso XIII) (BRASIL, 2014). Se não vejamos de forma completa o que preceitua a lei:

Art. 7o O acesso à internet é essencial ao exercício da cidadania, e ao usuário são assegurados os seguintes direitos:

I - inviolabilidade da intimidade e da vida privada, sua proteção e indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

II - inviolabilidade e sigilo do fluxo de suas comunicações pela internet, salvo por ordem judicial, na forma da lei;

III - inviolabilidade e sigilo de suas comunicações privadas armazenadas, salvo por ordem judicial;

(...)

VII - não fornecimento a terceiros de seus dados pessoais, inclusive registros de conexão, e de acesso a aplicações de internet, salvo mediante consentimento livre, expresso e informado ou nas hipóteses previstas em lei;

VIII - informações claras e completas sobre coleta, uso, armazenamento, tratamento e proteção de seus dados pessoais, que somente poderão ser utilizados para finalidades que: a) justifiquem sua coleta;

c) estejam especificadas nos contratos de prestação de serviços ou em termos de uso de aplicações de internet;

IX - consentimento expresso sobre coleta, uso, armazenamento e tratamento de dados pessoais, que deverá ocorrer de forma destacada das demais cláusulas contratuais; X - exclusão definitiva dos dados pessoais que tiver fornecido a determinada aplicação de internet, a seu requerimento, ao término da relação entre as partes, ressalvadas as hipóteses de guarda obrigatória de registros previstas nesta Lei;

XI - publicidade e clareza de eventuais políticas de uso dos provedores de conexão à internet e de aplicações de internet;

(...)

XIII - aplicação das normas de proteção e defesa do consumidor nas relações de consumo realizadas na internet (BRASIL, 2014).

Na mesma perspectiva a garantia ao direito à privacidade se apresenta na legislação como condição ao acesso à internet:

Art. 8o: A garantia do direito à privacidade e à liberdade de expressão nas comunicações é condição para o pleno exercício do direito de acesso à internet.

Parágrafo único. São nulas de pleno direito as cláusulas contratuais que violem o disposto no caput, tais como aquelas que:

I - impliquem ofensa à inviolabilidade e ao sigilo das comunicações privadas, pela internet; ou

II - em contrato de adesão, não ofereçam como alternativa ao contratante a adoção do foro brasileiro para solução de controvérsias decorrentes de serviços prestados no Brasil (BRASIL, 2014).

Os artigos 10º e 11º do Marco Civil, na sequencia trazem também sobre a privacidade dos usuários e o direito a sua não violação por parte dos provedores, observando que os mesmos não poderão divulgar ou monitorar seus dados, a não ser por ordem judicial desde que respeitados os pressupostos do art. 7º da lei, e o tempo de armazenamento de dados será de no máximo um ano, se não vejamos os dispositivos legais:

Art. 10. A guarda e a disponibilização dos registros de conexão e de acesso a aplicações de internet de que trata esta Lei, bem como de dados pessoais e do conteúdo de comunicações privadas, devem atender à preservação da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das partes direta ou indiretamente envolvidas.

§ 1o O provedor responsável pela guarda somente será obrigado a disponibilizar os registros mencionados no caput, de forma autônoma ou associados a dados pessoais ou a outras informações que possam contribuir para a identificação do usuário ou do terminal, mediante ordem judicial, na forma do disposto na Seção IV deste Capítulo, respeitado o disposto no art. 7o.

§ 2o O conteúdo das comunicações privadas somente poderá ser disponibilizado mediante ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer, respeitado o disposto nos incisos II e III do art. 7o.

§ 3o O disposto no caput não impede o acesso aos dados cadastrais que informem qualificação pessoal, filiação e endereço, na forma da lei, pelas autoridades administrativas que detenham competência legal para a sua requisição.

§ 4o As medidas e os procedimentos de segurança e de sigilo devem ser informados pelo responsável pela provisão de serviços de forma clara e atender a padrões definidos em regulamento, respeitado seu direito de confidencialidade quanto a segredos empresariais. Art. 11. Em qualquer operação de coleta, armazenamento, guarda e tratamento de registros, de dados pessoais ou de comunicações por provedores de conexão e de aplicações de internet em que pelo menos um desses atos ocorra em território nacional,

deverão ser obrigatoriamente respeitados a legislação brasileira e os direitos à privacidade, à proteção dos dados pessoais e ao sigilo das comunicações privadas e dos registros.

§ 1o O disposto no caput aplica-se aos dados coletados em território nacional e ao conteúdo das comunicações, desde que pelo menos um dos terminais esteja localizado no Brasil.

§ 2o O disposto no caput aplica-se mesmo que as atividades sejam realizadas por pessoa jurídica sediada no exterior, desde que oferte serviço ao público brasileiro ou pelo menos uma integrante do mesmo grupo econômico possua estabelecimento no Brasil.

§ 3o Os provedores de conexão e de aplicações de internet deverão prestar, na forma da regulamentação, informações que permitam a verificação quanto ao cumprimento da legislação brasileira referente à coleta, à guarda, ao armazenamento ou ao tratamento de dados, bem como quanto ao respeito à privacidade e ao sigilo de comunicações.

§ 4o Decreto regulamentará o procedimento para apuração de infrações ao disposto neste artigo (BRASIL, 2014).

Outro ponto importante ainda que trata a legislação, no que se refere à privacidade é sobre os registros de acesso do usuário no âmbito dos provedores de aplicação de internet6. O art. 15 da lei preceitua que o provedor de aplicação de internet deve manter os registros de acesso do usuário sob sigilo e segurança pelo período de 6(seis) meses, mas que tal conteúdo só pode ser disponibilizado através de ordem judicial. Já o art. 16, deixa claro a proibição por parte de aplicações de internet de armazenar qualquer dado não autorizado pelo usuário, ou que ultrapasse a finalidade para qual a mesma foi concedida:

Art. 16. Na provisão de aplicações de internet, onerosa ou gratuita, é vedada a guarda: I - dos registros de acesso a outras aplicações de internet sem que o titular dos dados tenha consentido previamente, respeitado o disposto no art. 7o; ou

II - de dados pessoais que sejam excessivos em relação à finalidade para a qual foi dado consentimento pelo seu titular (BRASIL, 2014).

Essas são algumas das tutelas da privacidade previstas no ordenamento jurídico brasileiro e que possuem relação com o tema que está sendo desenvolvido no presente estudo e que será mais amplamente dialogado no último capítulo. Seguindo essa abordagem se expande o olhar teórico sobre o tema no contexto digital, o que será apresentado a seguir.