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As Violências e o medo

No documento 2016Patricia Barazetti (páginas 72-75)

7 AS ESSÊNCIAS FENOMENOLÓGICAS

7.1 O despertar

7.1.2 As Violências e o medo

Uma das dimensões tratadas com as docentes que fica bastante latente na realidade escolar é a violência que assola as escolas e o medo por parte dos professores. Pensar educação nem sempre é conectar este tema com violência e insegurança, porém a realidade que assola a escola atual é exatamente esta. Esteve presente na fala do grande grupo durante formação as seguintes falas: “como devemos lidar com o uso de drogas que acontece aqui mesmo na escola?” e “outra noite fui falar com alguns alunos e eles esconderam o baseado,

mas tinha um cheiro muito forte, e como a gente vai falar alguma coisa se todos tem um bandido na família?”

Temos cada dia mais educadores estagnados pelo medo, consequência da violência que vivenciam diariamente, mas o que de fato seria essa violência que frequenta o universo escolar? E de que maneira ela se reproduz na escola ou é produzida por ela?

Hannah Arendt, em A crise na educação, nos proporciona um novo entendimento ao que podemos entender como uma crise ético-paradigmática apresentada pela escola contemporânea. Para Arendt (1992, p. 243-244),

A crise da autoridade na educação guarda a mais estreita conexão com a crise da tradição, ou seja, com a crise de nossa atitude perante o âmbito do passado. É sobremodo difícil para o educador arcar com esse aspecto da crise moderna, pois é de seu ofício servir como mediador entre o velho e o novo, de tal modo que sua própria profissão lhe exige um respeito extraordinário pelo passado.

Arendt (1992) quer nos dizer que essa “evolução” de costumes nos traz novos paradigmas educacionais e, com eles, novos formatos de violência. Como já mencionamos, as drogas, a violência doméstica, a violência urbana e a criminalidade assolam também o ambiente escolar, principalmente quando tratamos de escolas que se localizam em bairros estigmatizados pela violência ou pelo resultante dela, como a escola pesquisada.

O que resta aos educadores são sentimentos de inadequação e medo, pois se sentem despreparados para lidar com essas manifestações diárias. Assim, acabam desinformados sobre os próprios processos dinâmicos da vida e da vivência das diferentes violências suas, confundindo-se em relação àquela ideia de qualificação desconectada dos saberes do mundo. Nesse sentido, segue Arendt (1992, p. 239):

Embora certa qualificação seja indispensável para a autoridade, a qualificação, por maior que seja, nunca engendra por si só autoridade. A qualificação do professor consiste em conhecer o mundo e ser capaz de instruir os outros acerca deste, porém, sua autoridade se assenta na responsabilidade que ele assume por este mundo. Em face da criança, é como se ele fosse um representante de todos os habitantes adultos, apontando os detalhes e dizendo à criança: – Isso é o nosso mundo.

Os docentes necessitam de diversos saberes, porém o saber sobre si mesmo e o mundo que os cerca é cada vez mais prioritário. Mostram-se amedrontados com as formas diversas de violência sem perceber que a mais danosa delas pode encontrar-se dentro de si próprios. Violências oriundas de seus próprios tabus, preconceitos e da desmotivação vivenciada dia

após dia, sendo que esses estados e sentimentos acabam por ser tão violentos e talvez mais graves que as violências explícitas.

Para Jesus (2000), a presença de um sentimento de mal-estar é fenômeno latente há alguns anos na classe docente. Esse fenômeno da contemporaneidade resulta numa crise de identidade da classe dos professores, os quais, enquanto grupo social, têm sentimentos contraditórios sobre o verdadeiro sentido do trabalho que realizam, o que contribui para uma vulnerabilidade na sua afirmação pessoal e profissional.

Tratar desse novo formato contemporâneo de educação seria, então, obrigatoriamente, tratar também dessas nossas próprias violências, ou seja, compreender nossos tabus, nossos preconceitos e estarmos abertos às novas situações diárias que ocupam os espaços de dentro e fora da escola.

Situações resistentes por parte dos professores, desde a participação na formação oferecida, até a sua falta de motivação para tratar da mudança, denunciam a violência implícita que ocupa o lugar da própria escola, justificada na maioria das vezes pelo medo do que pode acontecer.

Medo da família não compreender direito o papel do educador, medo de sofrer represálias, conforme observamos na fala da educadora B: “Já estive em contato com caso suspeito há anos atrás, mas por ser uma situação de íntimo da família, acaba provocando medo da gente falar sobre isso e sofrer represálias”. Medo de cobrar das autoridades posturas mais atuantes são frequentes nas falas dos docentes, que não percebem que estão encarcerados em seus próprios medos, deixando de cumprir seu papel efetivo enquanto educador.

Os professores necessitam também aprender, aprender a sair daquele quadrado confortável em que se sentem protegidos, pois estão a ocupar um espaço de fala passiva, projetam as responsabilidades ao outro e não percebem que o protagonista da mudança pode ser cada um de nós.

Colocam-se como vítimas da violência escondendo-se atrás desta tarja, tornando-se eles próprios “violentadores”, quando, pelo medo, se sentem imobilizados em tomar frente e denunciar a violência sexual, por exemplo. Como relata a professora C: “Tenho medo de fazer uma ‘tempestade em copo d’agua’ em achar que é, mas não existir a situação do abuso.”

Assim podemos nos questionar: quem é o verdadeiro algoz? Aquele que passa ao ato, ou aquele que por medo não denuncia a violência de um indefeso?

Necessitamos, sem dúvida, propor novos modelos de educação, em que possamos compreender que ela vai além de currículos, de propostas didáticas. Mas, para isso, o docente necessita antes de tudo educar-se e posteriormente educar para a vida.

No documento 2016Patricia Barazetti (páginas 72-75)