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4 A PESQUISA E O QUE DIZEM AS MULHERES EM SITUAÇÃO DE

4.3 Percepções e vivências sobre violência doméstica contra a mulher

4.3.4 As violências na história de vida dos(as) pesquisados(as)

Neste item buscou-se saber sobre o histórico de vida dos(as) pesquisados(as) em relação às violências sofridas/praticadas, ou seja, se ocorreram violências anteriores entre a mulher e o(a) denunciado(a); se a mulher e o(a) denunciado(a) sofreram violências por parte de outras pessoas e se praticaram violências contra outras pessoas, antes da denúncia realizada. Gráfico 17 – Histórico de violências entre mulheres e a pessoa denunciada

O resultado da pesquisa apontou que 88% das mulheres, ou seja, a imensa maioria, havia sofrido outras violências por parte da pessoa denunciada e, destas violências, apenas 25% tiveram denúncias anteriores. No que diz respeito aos(as) denunciados(as), 94% afirmaram que não houve violências anteriores e apenas 6% confirmou a existência de violências antes da denúncia. Destaque-se, ainda, que nenhum dos(as) denunciados(as) referiu a existência de outras acusações antes desta que gerou o atual processo judicial.

Pesquisa feita pelo núcleo de gênero do Ministério Público de São Paulo (MP-SP) que analisou todas as denúncias de violência contra mulher feitas ao Ligue 180, canal de atendimento à mulher do Governo Federal, entre 2014 e 2015, constatou que 37% das denúncias

94% 6% 0% 0% 20% 40% 60% 80% 100%

NÃO HOUVE HOUVE DENÚNCIAS

ANTERIORES EPISÓDIOS DE VIOLÊNCIA ANTERIORES

HISTÓRICO DE VIOLÊNCIA DO(A) DENUNCIADO(A) COM A MULHER

DENUNCIANTE 13% 88% 25% 0% 20% 40% 60% 80% 100%

NÃO HOUVE HOUVE DENÚNCIAS

ANTERIORES EPISÓDIOS DE VIOLÊNCIA ANTERIORES

HISTÓRICO DE VIOLÊNCIAS DA MULHER COM O(A)

foram feitas por mulheres que estavam em relacionamentos com mais de dez anos, ou seja, as mulheres em situação de violência podem levar mais de uma década para denunciar o seu agressor.

Chama a atenção ainda o fato da quase totalidade dos(as) denunciados(as) afirmarem não ter havido violências anteriores contra as mulheres. Aqui, cabe indagar: será que as violências de fato não aconteceram? Será que foram naturalizadas? Será que estão sendo negadas por conta da existência de um processo judicial em andamento? De toda forma, entende-se ser necessário trazer essas violências à tona e trabalhá-las para que não se repitam.

Gráfico 18 – Histórico de violências sofridas por parte de outras pessoas

A pesquisa apontou que 75% das mulheres afirmou ter sofrido violências por outras pessoas, sendo: 56% por outros familiares; 38% por companheiros e ex-companheiros (aqui também se incluem namorados e ex-namorados) e 6% por estranhos; apenas 25% das mulheres referiu não haver sofrido violências anteriores. No que diz respeito aos(as) denunciados(as) 81% relataram ter sido alvo de violências por parte de outras pessoas, sendo: 50% por outros familiares; 38% por companheiras ou ex-companheiras (aqui também se incluem namoradas e ex-namoradas); 25% por colegas de trabalho; 19% por vizinhos; 19% por amigos e 19% por estranhos; apenas 19% referiu não ter sofrido violências. Então, a maior parte dos participantes apresentou vivência de violência em suas histórias de vida por parte de outros familiares.

Neste ponto, ressalta-se a possibilidade de transgeracionalidade da violência, a saber: 25% 38% 56% 0% 0% 0% 6% 0% 10% 20% 30% 40% 50% 60%

MULHERES QUE CONSIDERAM TER SOFRIDO VIOLÊNCIAS POR OUTRAS

PESSOAS 19% 38% 50% 19% 19% 25% 19% 0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% DENUNCIADOS(AS) QUE CONSIDERAM TER SOFRIDO VIOLÊNCIAS POR OUTRAS PESSOAS

Pesquisas feitas com agressores mostram um histórico de vida muito comum entre eles: “um percentual elevado dos futuros agressores foram anteriormente ou tem sido testemunhas destas condutas violentas que foram aprendidas durante os períodos de desenvolvimento e maturação do indivíduo”. Daí o caráter transgeracional desse tipo de violência, que atinge os homens e as mulheres, embora por conta de fenômenos psíquicos diversos. Para os homens o que prevalece é a apreensão do comportamento agressivo; para as mulheres, o que elas aprendem diz com a submissão, com a obediência, com o conformar-se com o seu “destino” (BIANCHINI, 2018, p. 2).

Gráfico 19 – Histórico de violências praticadas contra outras pessoas

No que concerne às violências praticadas, os resultados apontam que entre as mulheres em situação de violência pesquisadas: 69% afirmam haver protagonizado violências, sendo: 38% contra outros familiares; 31% contra companheiros ou ex (aqui também se incluem namorados e ex-namorados); 19% contra amigos e 6% contra vizinhos. Entre os(as) denunciados(as) tem-se como resultado que também 69% afirmaram haver protagonizado violências contra outras pessoas, sendo: 56% contra a companheira ou ex-companheira (aqui também se incluem namorados e ex-namorados); 31% contra outros familiares; 19% contra amigos; 19% contra vizinhos; 13% contra estranhos e 6% contra colegas de trabalho.

Vale destacar que a presente pesquisa revelou que 56%, ou seja, mais da metade das investidas violentas dos(as) denunciados(as), é dirigida à companheira ou ex-companheira. Esse resultado corrobora os dados das pesquisas sobre o Mapa da Violência e também da Pesquisa do CNJ 2018, já apresentados nesse estudo. Neste sentido, destaca-se ainda a fala de Saffioti de que “mulheres são espancadas, estupradas e, muitas vezes, assassinadas por seus próprios companheiros e, com frequência, por ex-companheiros, ex-namorados, ex-amantes.

Sobretudo quando a iniciativa do rompimento da relação e da mulher [...] podem chegar ao feminicídio” (SAFFIOTI, 2004, p. 61).

Merece destaque, ainda, as violências praticadas pelas mulheres. Na pesquisa 38% afirmaram ter praticado violências contra outros familiares. Saffioti (2004, p.74) explicita que “o gênero, a família e o território domiciliar tem hierarquias, nas quais o homem figura como dominadores-exploradores e as crianças como os elementos mais dominados-explorados [...] Desta sorte, a mulher é violenta no exercício da função patriarcal ou viriarcal”. Destaca-se que na reprodução da violência no ambiente doméstico, geralmente, o homem é violento com as mulheres e estas reproduzem violências contra as crianças, último elo da cadeia de assimetria. Ainda sobre as violências protagonizadas pelas mulheres, 31% afirmaram ter sido violentas contra companheiros ou ex-companheiros. Neste ponto, verifica-se que as mulheres não são totalmente passivas, Saffioti traz a possibilidade da existência de uma violência reativa:

No plano da força física, resguardadas as diferenças individuais, a derrota feminina é previsível, o mesmo se passando no terreno sexual, em estreita vinculação com o poder dos músculos. É voz corrente que a mulher vence no campo verbal. Entretanto, entrevistas com mulheres vítimas de violência doméstica tem revelado que o homem é, muitas vezes, irremediavelmente ferino [...] Isto não significa que a mulher sofra passivamente as violências cometidas por seu parceiro. De uma forma ou de outra, sempre reage. Quando o faz violentamente, sua violência é reativa. Isto não impede que haja mulheres violentas. São, todavia, muito raras, dada a supremacia masculina e sua socialização para a docilidade (SAFFIOTI, 2004, p. 72).

A pesquisa constatou a existência de dinâmicas violentas produzidas, reproduzidas e naturalizadas, inclusive, que passam de uma geração para a outra. É algo estrutural e de tão comum parece até “normal”, mas não é. A violência é complexa e precisa estar como pauta para ser desconstruída, para que sejam pensadas formas alternativas a ela, na resolução de conflitos.