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3 CONSTRUINDO A PESQUISA, PENSANDO A CIÊNCIA: LINHAS DA

3.5 AS VISITAS

O local em que a família mora fica na periferia da capital gaúcha, a cerca de uma hora (de ônibus) da região central. O bairro mescla algumas casas mais humildes com outras mais “elaboradas”. Após entrar em contato com Jennifer por WhatsApp, marcamos a visita.

Figura 6 – Localização do terreiro de Umbanda/ casa das participantes da pesquisa46

Fonte: Google Maps (2020)

46 Mapa da distância entre o centro de Porto Alegre e o endereço das participantes da pesquisa. Os trajetos pesquisados e os realizados por mim durante o trabalho de campo.

Figura 7 – Rua do terreiro de Umbanda/casa das participantes da pesquisa

Fonte: Google Maps (2020).

Figura 8 – Rua do terreiro de Umbanda/casa das participantes da pesquisa, que está ao fundo

Fonte: Google Maps (2020).

O lar que eu visito47 é totalmente feito de alvenaria e está passando por algumas

47 A partir daqui, a narrativa do capítulo encontra-se presentificada para poder mostrar como fui recebida e os fatos foram se desencadeando.

reformas. A terreira ocupa a parte frontal do terreno. Há uma casa ao lado, que se expande para cima, na qual vivem Jaci e a neta Ketlhin, e outra atrás, onde a filha mais velha, Kellen, mora temporariamente até acabar de reformar a casa que comprou, que fica ao lado do terreno.

Logo ao chegar sou recebida por Jennifer e Giovanna, sua filha. A menina logo me abraça e fica no meu colo – me sinto acolhida. Entro na cozinha, onde estão Jaci, Kellen, sua filha Kethlin e Mara (que ao longo do texto poderá aparecer como “Tia Mara”, como é chamada), cunhada de Jaci.

Começamos a conversar e tudo flui naturalmente. Regada a café preto, a conversa vai transcorrendo de um assunto a outro, com bastante intimidade. Em um primeiro momento, Jennifer, Kellen e Kethlin demonstram bastante disponibilidade em me ajudar. Jaci e Mara entram e saem da cozinha envolvidas com afazeres da casa. Todas me recebem com o carinho de estar falando com uma velha conhecida.

Conversamos sobre muitas coisas, desde desigualdades até o papel da mídia nas eleições presidenciais de 2018. Kethlin conta que usa muito a internet para se informar e que, na TV aberta, gosta de programas como “Amor e Sexo” e “Conversa com Bial”. Kellen fala sobre como os vídeos que vê na internet a ajudaram a entender mais sobre o que é representatividade, mas que não perdeu o hábito de ver o “Jornal Nacional” e a novela das 21h, na rede Globo. Já Jennifer prefere quase que totalmente a TV a cabo, na qual assiste programas como “Investigação Discovery”.

Sobre representatividade, Kellen conta que, na sua adolescência, não era bonito ter cabelo crespo, que esse movimento de aceitação é mais recente. Ela acredita que seja por causa da internet. Salienta que acha que a internet tem um potencial muito grande para disseminar conteúdos informativos interessantes. Jennifer a interrompe e diz que é preciso observar quem tem acesso à internet, que nem todas as pessoas consomem esse tipo de conteúdo, como a tia delas, que mora a algumas casas de distância. Ela também fala sobre o recorte geracional e que, muitas vezes, as pessoas de mais idade não têm acesso ou simplesmente não querem aprender a lidar com as novas tecnologias.48 A conversa segue por

mais de uma hora, diversos temas são abordados.

Já na primeira visita pude confirmar o potencial da família e sua pertinência para o projeto em desenvolvimento. Além de usarem as tecnologias para se informar, as mulheres da família Cruz demonstram ter consciência de múltiplos atravessamentos midiáticos em suas

48 Essa conversa deu o tom de todas as entrevistas realizadas posteriormente: dinâmicas, com engajamento e algumas discussões entre as participantes.

vidas. Observo, também, que a divisão geracional das preferências é bastante demarcada e que as sujeitas comunicantes possuem uma visão ampla de sociedade (ao falar sobre os diversos grupos discriminados).

A segunda vez que voltei ao bairro Jardim Leopoldina, no dia 24 de novembro de 2018, foi para participar de uma sessão de Umbanda. Chego no local por volta das 20h45, sendo que os rituais começam às 21 horas. Meu contato mais próximo, até por questão de idade, é a Jennifer, mas ela não atende minha ligação. Há um fluxo de pessoas entrando (chegando para o ritual). Eu pergunto se posso e entro. Encontro Jaci quando chego na porta da cozinha. Ela sorri e diz para eu sentar, ficar à vontade. Ela está se arrumando para a sessão. Enquanto está na cozinha acendendo a defumação que será utilizada logo mais, a pequena TV no alto da parede exibe o programa “Jornal Nacional”. Na tela, uma passagem de uma entrevista do presidente eleito Jair Bolsonaro. Ao fundo, Hélio Bolsonaro, conhecido como “negão do Bolsonaro” por andar sempre ao lado do presidente eleito. Jaci olha para a TV e fala: “Coisa mais ridícula esse negão do lado desse cara”. Digo que ele ajuda a amenizar o discurso preconceituoso de Bolsonaro. A defumação está pronta. Vamos para terreira.

Já há algumas pessoas sentadas entre as cadeiras e os bancos do pequeno salão de paredes verdes, enfeitadas com alguns quadros de Ogum em sua representação como São Jorge. Ao toque do sininho de mão, todos os membros da corrente batem cabeça para o congá e para a mãe de santo. Ao formar a meia lua ao redor das prateleiras com as diversas imagens de santos (muitas das quais representadas por deuses cristãos), Jaci inicia o ritual. Com uma fala humilde, mas bastante séria e ao mesmo tempo doce, ela reforça que está ali para fazer o bem, e jamais o mal. Que não faz “trabalhos” para atrapalhar ninguém e que as portas de sua casa estão sempre abertas. Lembra que todos os seus filhos, sejam de sangue, sejam religiosos, podem procurar outras terreiras ou igrejas, que não há problema nenhum nisso, e que devem ficar onde seus anjos da guarda se sentirem melhor. Agradece por ter pessoas que se sentem bem na casa dela há anos e começa o ritual.

Entre os cantos, o toque do tambor e a voz masculina de Alisson (também filho de sangue de Jaci e tamboreiro), se destacam. Pessoas chegam e se sentam. Alguns membros da corrente, composta majoritariamente por mulheres, incorporam diferentes caboclos. Passes (benzeduras) e consultas (aconselhamento mais pessoais) são dados. O ritual serve para isso. Algumas crianças também assistem e tomam passe. Giovanna, filha de Jennifer, dorme em meu colo. Todos podem participar cantando os pontos. Pouco a pouco, à medida que os passes e as consultas vão sendo realizados, os caboclos vão “subindo” para Aruanda (local no plano espiritual no qual moram os espíritos mais evoluídos, segundo as religiões de matriz

negro-africana).

Quando a sessão termina, todos são convidados a tomar um café na casa de Jaci. Ela me olha e, muito carinhosamente, pergunta se vou dormir em sua casa. Digo que não poderei e que chamarei um carro para ir embora, mas que aceito o café. Algumas pessoas vão embora imediatamente após a sessão, outros se dirigem à cozinha, na qual pães, diferentes misturas, suco e café são postos na mesa. Todos conversam alegremente, eu fico alguns minutos, mas logo me despeço e vou embora.

De modo geral, todas as sessões acontecem de maneira semelhante. Um dia, em especial, me chamou a atenção: Leonel, irmão de Jaci, e um dos poucos homens a participar dos rituais pede a palavra, no momento inicial da sessão. Ele faz uma fala sobre a importância de orar por aqueles que mais precisam ou estão enfermos, como sua sogra estava no momento. Foi uma fala breve, mas muito bonita. Jaci reforça que todos que queiram podem usar aquele espaço para se dirigir aos demais. Destaco esse momento por ele ter sido muito natural. Ao questionar Jaci sobre esse fato durante as entrevistas em profundidade, ela confirma a democratização daquele espaço e ainda salienta alguns diferenciais que procura ter com todos que frequentam sua casa, aspectos que deixam evidente a noção de família ampliada:

Renata: Eu achei legal que uma vez que eu vim também o Leonel pediu pra falar,

que ele queria dar um recado pra todo mundo, e eu achei muito bacana a fala dele também...

Jaci: Aquilo ali que o Leonel falou e a maneira, eu sempre dou abertura e

pergunto pras pessoas que estão ali porque nós temos assistência, mas eu sempre falo que nós temos duas correntes, que é a corrente de dentro e a corrente de fora, porque lá fora, muitas vezes, tem gente mais desenvolvida do que os próprios que estão na corrente. Desenvolvida que eu digo é espiritualmente. Ou, até mesmo, gente que já foi em outras casas, já é outra doutrina, mas já se inclui ali. Eu sempre dou a palavra pra quem tiver alguma coisa pra falar, que foi o caso do Leonel aquele dia que eu achei muito bacana também da parte dele e gostei muito das coisas que ele falou.

Renata: Acho que é muito bacana essa democratização desse espaço de fala. Jaci: Exatamente. Porque, na verdade, cada um de nós tem um ponto de alcance

na espiritualidade. Tu tem uma maneira de pensar, de ver, eu tenho outra, mas na verdade juntando é uma só. Isso aí eu acho que é muito bom.

Renata: Outra coisa que me chama atenção, que a gente também já conversou

semana passada e eu acho que eu não acabei perguntando diretamente é sobre aquele momento pós sessão, o momento do cafezinho aqui também. Isso também foi uma coisa que tu resolveu instaurar? Porque eu me lembro, desde que eu me conheço por gente, pelo menos, isso já é uma prática...

Jaci: Cotidiana né, sempre. Tu sabe que, inclusive, teve um tempo aí que eu faria,

e gosto de fazer, às vezes as gurias até me questionam “ah, pra que tu tá te cansando e gastando?”, tem isso daí também sabe, a gente fala sobre isso aí, mas eu gosto sempre de fazer ou um café ou uma lentilha ou uma sopa. Porque,

digamos assim, que seja uma continuidade da nossa parte espiritual lá, e aí é uma coisa nossa aqui que eu acho que é até mais uma aproximação das pessoas que não são muito de ter aquele diálogo, aquela convivência do dia a dia, é um momento da gente se reunir todo mundo e eu acho bacana isso daí.

Renata: De fortalecimento de vínculos.

Jaci: Exatamente. E vou te falar bem a verdade, dessa maneira eu não vejo em

outros lugares, não vi principalmente em dia de sessão. A não ser quando é uma festa, uma homenagem pros pretos velhos, geralmente tem aquela aproximação de comer um doce, seja o que for, mas no cotidiano, no diário, não tenho conhecimento de saber que é assim. Terminou a sessão todo mundo fecha a terreira ou cada um pro seu lado, não tem uma palavrinha e é bom ter uma palavrinha, eu gosto [risos].

Kethlin: A questão que tu tava falando, a vó, por que todo mundo vem aqui na

casa dela hoje? Porque na verdade ela sempre tentou que a gente não cortasse os vínculos. Acho que, por isso, que a reunião é sempre na casa dela, “ah, vamo fazer o aniversário do fulano” e é na casa da minha vó. Ela é uma pessoa que sempre quis que a gente ficasse junto. E eu lembro que não só diariamente, mas quando era verão todo mundo ia pra casa dela, as pessoas dormiam no corredor, arrumavam barraca fora e tá tudo certo, porque ela fazia questão que as pessoas fossem pra lá pra todo mundo ficar unido, ter aproximação. Isso é uma coisa que é dela. (informação verbal).49

De modo geral, as visitas tanto para as sessões como para as entrevistas acontecem de forma semelhante, e todas estão narradas nos Apêndices de B a I. Entretanto, destaco aqui uma breve narrativa, do dia 7 de dezembro de 2019, que acredito ajudar a aproximar quem lê este trabalho da experiência vivida em campo.

Em um sábado ensolarado em Porto Alegre, as filhas de santo de Jaci (falo no feminino, pois das 27 pessoas que fizeram a viagem até Cidreira, cidade litorânea onde a Cacique de Umbanda tem casa, 19 eram mulheres ou meninas), começaram a se reunir na terreira. Eu cheguei no local por volta das 16h30, e já estava tudo praticamente pronto: as oferendas em frente ao congá, organizadas em bacias e sacolas, lanches preparados e as pessoas se arrumando para a viagem. Kethlin e Márcia (uma filha de santo de Jaci que havia passado meses em São Paulo e retornara no dia anterior) estavam fazendo os últimos ajustes no forro de cetim do barco de madeira azul, que seria utilizado como altar horas mais tarde. Aos poucos, as pessoas iam chegando e conversando, largando sacolas com alimentos, como sanduíches e enroladinhos, e juntando ainda mais oferendas ao congá.

As oferendas, importante dizer, foram feitas a partir de doações dos próprios filhos da casa e, claro, com o dinheiro da própria Jaci. São muitos doces, entre eles merengues de diversas cores, balas de muitos sabores e pirulitos. Afinal, há várias crianças na casa e uma a

caminho. É preciso saudar e agradecer aos Cosmes50. Da mesma forma, mas não na mesma

quantidade, itens como pipocas e outros alimentos, além de flores e, em menor quantidade, bebidas (para os Exus), assim como os materiais para a sessão, como fluidos, velas e espadas de São Jorge foram se juntando em frente às imagens dentro da terreira.

Do lado de fora, algumas pessoas fumam, outras conversam, ligam para quem ainda não chegou. O corredor entre a cozinha da casa de Jaci e a terreira fica movimentado. O clima é de descontração. Por volta das 18h, o toque do sino de mão indica que é hora de iniciar os rituais. Assim, todas que fazem parte da corrente estão vestidas de branco e entram. Eu e mais uma pessoa ficamos na assistência, enquanto os namorados das participantes, que não se envolvem diretamente na parte mais mística do momento, ficam na rua. Os pontos iniciais são entoados, logo após a reza coletiva e em voz alta de “Pai nosso” e “Ave Maria”. Jaci, como em outras oportunidades, salienta que a entrega das oferendas se trata muito mais de agradecer do que pedir. Diz que tem certeza que todos ali têm algo a agradecer e pede para quem ainda não alcançou o que almejava um pouco mais de paciência. Complementa com o desejo de que todos tenham uma palavra de apoio, seja ela vinda dos caboclos ou dos irmãos de santo. Afinal, “é para isso que serve a religião”.

Todas as pessoas batem cabeça (eu apenas observo) e vão pegando as oferendas que estão no chão e levando até o ônibus de 30 lugares que fora locado para o deslocamento. Eu me levanto, faço menção de sair, e tia Mara (como é chamada por todas a cunhada e braço direito de Jaci) está próxima à porta, carregando uma grande bacia cinza e uma igualmente volumosa sacola de pipoca. Pergunto se ela quer ajuda. Ela imediatamente me dá os itens e, dessa forma, entro na pequena procissão que vai do portão da casa da família Cruz até o ônibus. Todas, naquele momento, cantando o mesmo ponto. Nos acomodamos no veículo (eu já havia deixado minha bolsa em um dos últimos bancos, ao lado da de Andressa, uma das jovens com quem conversei bastante antes do ritual e que fez questão de me acolher), e partimos. Durante todo percurso, de cerca de duas horas, Alisson e seu primo tocavam os tambores e entoavam pontos. Algumas pessoas os acompanhavam cantando, outras comiam os quitutes preparados. Ainda havia os que conversavam ou dormiam. Antes mesmo de sair, o senso de coletividade é evidenciado. Apesar de cada um ter preparado o “seu” lanche, tudo era oferecido a todos. No trajeto, o ônibus para duas vezes: uma na saída de Porto Alegre, para entregar oferendas aos Exus, e outra na chegada à Cidreira, com a mesma finalidade.

Desembarcamos todos na casa de Jaci, que fica a cerca de três quadras da beira do mar.

Trata-se de uma construção em alvenaria, toda pintada de vermelho, com dois banheiros, sala, quarto e cozinha. As duas últimas peças chamam à atenção por serem bem espaçosas. No quarto há pelo menos três camas e, mais ou menos, cinco colchões, o que demonstra que, assim como em Porto Alegre, a casa de Jaci é um ponto de encontro e acolhimento. Depois de dadas as primeiras instruções, Jaci passa um café (como de praxe, é um momento de união). A maioria inicia os preparativos para a sessão, outros cuidam de dar brinquedos para crianças (ao total são cinco), conversam ou fazem alguma coisa pessoal.

Ali, as oferendas foram arrumadas: todas as balas foram tiradas das embalagens individuais, todas as velas tiradas dos pacotes e arrumadas em um cesto de plástico (eu participei ativamente dessas duas tarefas, porque me senti à vontade e me foi permitido). Com muitas mãos trabalhando, logo tudo estava pronto. Os homens e algumas mulheres foram na frente para a praia, a fim de cavar o buraco em que seriam acesas as velas e organizar a iluminação, feita com quatro lâmpadas brancas compridas, fincadas na areia e ligadas a uma extensão improvisada que levava a uma casa próxima, que gentilmente cedeu o uso da tomada.

Na saída, é preciso organização para não esquecer nada. É preciso, também, levar as imagens dos santos que ficam naquela casa para a beira da praia. Jaci começa a distribuir e me encarrega de levar Iemanjá. No momento, não há pompa alguma, mas eu me senti honrada com a responsabilidade. Todas estão com os braços ocupados e seguem em direção ao mar, conversando alegremente. Ao chegar na areia começam os preparativos para a sessão em si. A noite está estrelada e pode-se ver com clareza a lua. Não há vento forte, apenas uma brisa. Logo que as luzes são acesas e as velas também, o congá é feito no barco, que recebe as imagens de Oxalá, Iemanjá, Xangô, Iansã, Ogum e Oxum. As oferendas são posicionadas à frente e ao lado do barco. Um pouco mais atrás e do outro lado ficam os tamboreiros e as velas. A assistência, composta pelas crianças, por mim, pelos namorados que não participam, e pela filha de uma das integrantes, fica atrás do barco. A corrente se forma à frente.

Não demora até que o som do tambor e do agê comece a ecoar pela noite estrelada. A sensação de estar ao ar livre naquele momento, naquele ritual, é de paz e alegria. Pouco a pouco, os caboclos começam a chegar, assim como algumas pessoas que observam. Cada caboclo que chega saúda o mar, ou seja, vai até ele. Isso exige acompanhamento de pelo menos uma pessoa que não esteja em transe. Duas mulheres incorporam Iemanjá e é preciso cuidado especial com elas: afinal, a rainha do mar está em seu habitat e, muitas vezes, as pessoas incorporadas com essa divindade acabam por entrar mar adentro. O fato de ficarem, em muitos casos, com metade do corpo molhado não afeta as pessoas em transe. Além disso,

as saias molhadas e sujas de areia, dançando sobre os pés descalços, geram um efeito místico e belo.

Logo no início dos trabalhos, nota-se que uma família muito pobre se aproxima. Uma cadeira de praia é oferecida à mulher, que chama atenção por sua magreza. Todos estão com roupas muito velhas e sujas. Uma criança e dois homens estão juntos com a mulher. Eles são acolhidos e abraçados (literalmente) pelas entidades. Tomam passes, tiram consultas e ficam quase até o final do ritual. Pai Ogum da Lua51 deixa instrução para que sejam feitas doações

de alimentos e roupas àquelas pessoas. Além deles, outros moradores locais se aproximam para tomar bênçãos ou pedir conselhos. De modo geral, o ritual acontece de modo muito parecido com os anteriores, na terreira.

Ao final da cerimônia, a instrução de Pai Ogum é que, os que desejarem, escrevam seus pedidos na areia. Além disso, é necessário pegar as pétalas de uma flor e jogar no mar. Também é possível jogar pipoca sobre as oferendas para pedir clareza (uma grande sacola é passada de mão em mão) e mel, para adoçar os caminhos (vários potes de mel são revezados). Assim como todas, escrevo meus pedidos e dirijo-me ao mar para entregar as pétalas. Volto ao ponto da areia em que estava e, em seguida, um grande grupo vai ao mar. Todos vestidos de branco ficam observando as ondas. É uma bela imagem. Arrependo-me de não ter levado uma câmera apropriada para registrar o momento.