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5 ANCORAGEM TEÓRICA DO PERCURSO

7.2 AS VOZES NAS OBSERVAÇÕES

A observação faz parte da minha prática no projeto Conta Mais, pois acompanho e auxilio a trajetória dos acadêmicos extensionistas do primeiro até o último dia de sua participação no projeto. Desde o início da pesquisa, observei-os com outro olhar, com o olhar de uma pesquisadora buscando registrar o todo e o específico.

Acredito que não houve problema na observação participante, pois os acadêmicos, bem como as crianças ouvintes, já estavam acostumados com minha presença.

Para esta investigação, observei dois acadêmicos, que já faziam parte da equipe do Conta no ano de 2014. Acompanhei-os em algumas contações em escolas e no Museu. Também os observei na sala da equipe, onde preparam as leituras, escolhas e estudos de histórias, saída e chegada das escolas, produção de relatórios e relatos de como tinha sido a contação.

Na preparação da história, o acadêmico busca leituras que lhe agradam, conversa com a equipe e procura recursos visuais, sonoros entre outros, para enriquecer sua apresentação. Desde o início, expressa sua preocupação com o ouvinte, sua faixa etária, contexto, etc.

No dia anterior ao da saída para contação, o acadêmico procura saber informações sobre a escola que vai contar história, qual história, turma, etc. Ao saber, faz referências às histórias contadas anteriormente na turma agendada e organiza seu material. No outro dia, quando chega no setor, recolhe seu recurso e vai para a escola com o transporte da UFRGS.

Através das observações, posso relatar que os acadêmicos criam vínculos com as crianças. Ao chegar na escola, a comunidade escolar já os conhece, conferindo segurança e concorrendo para construção da autoestima para quem chega. Na sala de aula, a receptividade é muito positiva, chegando, às vezes, os alunos a se levantarem e abraçarem os contadores. Quando isso não acontece, é o sorriso, a comemoração, a alegria que os recebem. Durante a contação, dependendo da história, geralmente, os contadores solicitam a participação dos ouvintes, seja perguntando algo, seja pedindo que façam sons ou movimentos, criando um clima agradável, dinâmico e participativo.

De modo geral, é dada a liberdade para o acadêmico experimentar suas decisões e, assim, tirar suas próprias conclusões. Por exemplo, em um dia de setembro, estava agendada uma escola estadual de um bairro rural da zona sul de Porto Alegre, sexta-feira, para contar histórias a duas turmas em dois momentos distintos: primeiro e segundo anos.

Chovia muito nesse dia. Cheguei no Museu e logo depois chegou a acadêmica para sairmos para uma escola, em que contaria uma história nova nessa escola.

A acadêmica estava bem animada com a história e, apesar da chuvarada, queria muito ir para a escola agendada. Expliquei sobre a possibilidade de ter poucas crianças por causa da chuva. Ela, muito disposta para contar a história, insistiu para irmos. Então, argumentei que iria contatar com a escola para ver a situação, ficou chateada e na torcida de que pudéssemos ir. A falta de luz impossibilitou a comunicação com a escola. A acadêmica ficou feliz. Expliquei que seria provável que juntassem as turmas e “prejudicaria” a contação e os que faltassem, ficariam sem ouvir ou teria que repetir a história.

Fomos para a escola. A coordenadora pedagógica nos disse que havia pouquíssimas crianças e sugeriu juntar as duas turmas. Falamos com as professoras e juntamos as turmas na sala do primeiro ano.

Quem não gostaria de uma história em um dia cinzento e chuvoso? As crianças e professoras adoraram. A recepção foi a das melhores: - Obaaaaa! As crianças demonstraram conhecer a contadora, perguntando e aprovando seu cabelo pintado. A acadêmica contou a história com a interação dos alunos, fazendo sons dos animais. Durante a história dois alunos colocaram o capuz, quando a contadora falou dos ladrões. No final da história, os alunos se mostraram satisfeitos com o sucesso dos quatro amigos. Depois das palmas, perguntaram: - Tu vai brincar com a gente???

Ehhhhh! (Palmas).

A maioria dos alunos levantou e foi até a frente da sala para abraçar a contadora. Estavam bem felizes, alguns mexeram nas figuras e levaram-nas até suas classes. A contadora propôs a brincadeira, em que os alunos simularam uma banda e se apresentaram na frente, uns tímidos e outros bem à vontade. Divertiram-se muito. Na hora de ir embora, um aluno correu até a porta e disse que não iria deixá-la sair, porque estava muito bom. De volta à UFRGS, a contadora estava radiante e, ao mesmo tempo, chateada pelas outras crianças que não estavam, que perderam aquele momento. Mas valeu a pena!!

Tais observações guardam informações, lembranças, atitudes, frustrações, sonhos, narrativas que falam de histórias e fatos vivenciados que não puderam ser tratados isoladamente. Pois, conforme Melucci (2005, p.33), a pesquisa procura interpretar, buscando “dar sentido aos modos nos quais os atores buscam, por sua vez, dar sentido às ações. Trata-se de relatos de sentido, ou, se queremos, de narrações de narrações”.

É dada a opção ao acadêmico para a escolha da história, do recurso que irá utilizar até a última escrita que faz do relatório, geralmente com bastante diálogo para fazê-lo questionar e questionar-se. Acredito que isso o torna mais atuante, participante e responsável.

Através das observações, constatei que a contação de histórias no projeto permite ou desperta no acadêmico o rememorar de sua infância. Muitos começam a contar como foi sua vida de criança, relembram como as histórias infantis, os livros, a literatura, a biblioteca, a escola, as brincadeiras, as emoções foram presentes em suas vidas.

Houve casos em que o acadêmico sugeriu a sua escola da infância para participar do projeto. Parece-me que voltar as suas raízes era como se quisesse retribuir ou consertar algo que ficara no passado.

Antes de o acadêmico contar para o público externo, ele apresenta para a equipe do Conta Mais, e, às vezes, para a grande equipe do Museu. O contador se expõe e permite uma apreciação dos que o assistem. O nervosismo é evidente, pois ali acreditam estar sendo avaliados e observados mais criticamente. Após essa apresentação, recebe as considerações do grupo e aperfeiçoa o que precisa ser mudado. A partir daí, é possível marcar sua primeira contação de histórias para o público externo.

Um aspecto observado é a manifestação de maior nervosismo na primeira vez de contar história para o público. Muitos acadêmicos protelam suas apresentações, acreditando não ser a hora propícia e/ou por não estarem preparados ainda. Embora nunca parem de estudar a história e a atividade lúdica, alguns também comentam que depois da primeira apresentação, ficam mais tranquilos e mais seguros. Descobrem que são capazes e que não é tão complexo como acreditavam. Quanto mais contam, mais surgem elementos para agregar à história e mais seguros se apresentam. Outros confessam que é mais difícil apresentar para a equipe, pois, nesse caso, a contação e o contador estão sendo analisados, do que contar para o público externo.

A contação de histórias no Museu da UFRGS, distinta da escola, causa um nervosismo diferente no contador, por não conhecer seu público antecipadamente e por não saber nada do contexto em que vive. Muitas vezes, fica sabendo na hora que vai contar a história, pois em certas ocasiões, as escolas vão visitar a exposição e solicitam a contação para aquele momento.

Hoje, olhando para trás, dou-me conta de que as observações que apresentei foram construídas ao longo do tempo.

É interessante ver o acadêmico no seu primeiro dia de projeto e no dia a dia, ver seus desafios, suas reflexões, seus questionamentos. Passado um tempo, depois de algumas contações, demonstra maior leveza, mais segurança e maior satisfação consigo. A maioria demonstra interesse pelo trabalho.

Os acadêmicos extensionistas reconhecem-se como transformadores da realidade de quem os escuta e de sua própria realidade. Demonstram prazer de estar ali, de participar das histórias daquelas crianças. Revelam a possibilidade de emprestar-se como exemplo, porque a maioria veio da escola pública e está na universidade.

A saída do acadêmico do projeto é muito específica e tranquila. Quando sai, é porque findou o período estipulado, de dois anos, ou por encontrar algo mais interessante. Parece-me que o que sai antes do tempo estipulado, sai porque ficou o tempo necessário para ele. Mas a maioria que sai, sai diferente de quando entrou. Tenho a impressão de que o acadêmico sai mais realizado, mais bem resolvido com ele mesmo e feliz. E quando encontrado, casualmente, fora do ambiente, a maioria demonstra um sentimento positivo e prazeroso sobre o período que vivenciou no projeto.

Embora em número bem reduzido, há aqueles que não permaneceram por muito tempo no projeto. Houve casos de o acadêmico encontrar vaga em outra área de maior interesse, outro por não achar interessante ou por não se adaptar à rotina da contação de histórias.