• Nenhum resultado encontrado

O Asilo – (ILPs) e o Asilamento

Instituições de Longa Permanência (ILPs) para idosos são os estabelecimentos que, sob denominações diversas, correspondem aos locais físicos equipados para atender a idosos sob regime de internato ou não, mediante pagamento ou não, durante um período determinado ou não (BELO HORIZONTE, 2000).

A institucionalização afasta o idoso do seu ambiente natural, afastando-o e privando-o de estar presente a comemorações familiares, levando-o a cultivar um sentimento de culpa e ao afastamento daqueles mecanismos de proteção, deixando-o mais vulnerável a perturbações mentais (LITVOC e BRITO, 2004:78-112),

O processo de internação numa instituição asilar representa muito mais do que simplesmente mudança de um ambiente físico pra outro. Representa para o idoso a necessidade de estabelecer relações com todos os aspectos de seu novo ambiente, ajustar-se ao novo lar, ansioso e com medo da idéia de passar os últimos anos da vida num lugar estranho, em meio a desconhecidos. Não se pode esquecer que, ao chegar a uma instituição, o idoso traz consigo uma bagagem cultural e afetiva que foi criada até o momento, a história da sua vida, das suas relações, da qual é obrigado a abrir mão devido a sua nova condição: a institucionalização. Essa circunstância impõe ao idoso o rompimento dos laços diretos com seu contexto histórico, como afirma Goffman (1996:25):

... enfrentando a morte civil, ou seja, está vivo, mas perdeu seu direito à cidadania. Essa morte civil afeta a auto-imagem e a auto-estima, despojando-o de seu atributo primeiro, que é o de ser ele mesmo, descaracterizando o seu modo de ser, de agir e de pensar, tirando sua consciência de pertencer a determinado grupo social, anulando a possibilidade de manter e estabelecer relações.

Segundo Goffman, em seu livro “Manicômios, conventos e prisões” (1996:17), “todo indivíduo tende a dormir, brincar e trabalhar em diferentes lugares, com diferentes co-participantes, sob diferentes autoridades e sem plano racional geral”. No entanto as instituições asilares não apresentam essas características, pois o idoso institucionalizado vive num espaço fechado e, na maioria das vezes, com o mesmo grupo de pessoas, mantendo horários, atendendo a exigências institucionais, não tendo respeitadas as vontades pessoais, sofrendo assim a restrição e/ou rompimento de outras vivências externas, situação essa confirmada a partir das idéias de Goffman (1996:20), quando se refere a restrições de contato: “desenvolvem-se dois mundos sociais e culturais diferentes, que caminham juntos com pontos de contato oficial, mas com pouca interpenetração”.

Nesta troca de meio e de mundo, onde as perdas se impõem, os laços afetivos também sofrem uma forte ruptura por conta do grupo de pessoas, que é outro e novo, vivendo em um espaço físico diferente. Isso atinge profundamente o indivíduo, já que ‘o interesse pela vida, as expectativas, a necessidade de trocas afetivas são uma contigência da espécie humana, este ser vivo que não se basta a si mesmo e que vive em constante inter- relações, mais ou menos intensas (HERÉDIA; CASARA, apud HERÉDIA; CASARA; CORTELLETTI; 2004:21).

O homem velho, como todos os outros, tem seus desejos e sofre “as pressões do meio cósmico e social” (DURAND, G apud LOUREIRO, 2004b:36-41).

Groisman (1999:19) afirma que, com “o surgimento dos asilos, a velhice ganha um lugar, mas perde simbolicamente o seu lugar na vida. A localização da velhice no asilo não parece ser apenas geográfica, mas representativa”.

Litvoc e Brito (2004:78-112) ressaltam que as taxas elevadas de prevalência de doenças crônicas são importantes implicações para a saúde de quem está envelhecendo. Há uma estreita relação entre populações portadoras de doenças

crônicas e a utilização excessiva dos serviços de saúde, assim como institucionalizações desnecessárias por diversas limitações físicas ou cognitivas para realizar as atividades de vida diária - AVDs.

O asilamento comprova a ação da sociedade que descarta os indivíduos no momento em que deixam de ser saudáveis, produtivos e utiliza um discurso controverso à sua integração ao meio social (HERÉDIA; CORTELLETTI; CASARA, 2004:13).

Embora se considere que o melhor lugar para o idoso é junto à sua família, existem situações em que muitas vezes é inevitável a institucionalização.

Segundo Moragas (1997:21-28), mediante as transformações das sociedades urbanas industrializadas, as responsabilidades para com o idoso vêm deixando de ser um domínio exclusivo da esfera familiar, e as necessidades referentes aos cuidados com os idosos estão sendo cada vez mais atendidas por organizações alheias às famílias.

O Cristianismo foi pioneiro no amparo aos velhos. De acordo com dados históricos, as primeiras instituições voltadas para abrigar a população carente surgiram no Império Bizantino, no século V da Era Cristã. Há registros de que o primeiro asilo foi fundado pelo Papa Pélágio II (520-590), que transformou sua casa em um hospital para velhos (DEBERT, 1999:100; ALCÂNTARA, 2004:31).

As instituições que abrigam idosos são comumente chamadas de asilos, abrigos, lares. A criação de instituições filantrópicas destinadas a cuidar de velhos teve sua origem no século XX, no Brasil, e tinha como objetivo atender a velhice desamparada, que se configurava como uma população pobre e sem familiares. Segundo Groisman (1999:43-56) e Alcântara (2004:32), “o rótulo de velhice

institucionalizada encobria, então, várias categorias: moribundos, indigentes, pobres, inválidos, abandonados, solitários, doentes, alcoólatras e outros desvalidos”.

Pavarini (1996:27), ao fazer uma breve contextualização sobre a assistência social atualmente oferecida ao velho, diz que “a institucionalização continuou a ser o principal reflexo da pobreza individual e familiar, e o termo asilo cristalizou-se como sinônimo de instituições para idosos pobres”.

Faltam políticas públicas condizentes com a existência de inúmeros fatores, tais como demográficos, sociais e de saúde, o que conduz ao aumento da demanda pela institucionalização (BORN, 2002:403-414). Todavia, muitas instituições funcionam sem condições ideais e ainda que recebam o aval para funcionamento, "estão longe de atenderem à população idosa".

Simone de Beauvoir em sua obra ‘A Velhice’ publicada em 1970 e traduzida para o português (1990) denuncia que, na estrutura asilar quase nada mudou: prédios antigos, não adequados à função; áreas de circulação possuidoras de barreiras arquitetônicas que impedem a livre circulação e o acesso aos moradores. Os dormitórios são coletivos, raramente há armários individuais, os idosos passam a maior parte do tempo deitados, o cardápio não é apropriado para cada um, e o atendimento médico é precário.

A autora citada acima registra a vida em asilo recorrendo ao romance “A grande sala”:

Esse romance é certamente fruto de sérias observações pessoais”. A autora retrata, através de uma nova pensionista, um asilo holandês de mulheres. Levada por uma filha afetuosa, mas que não dispõe de meios práticos de cuidar dela, a novata vê-se angustiada diante da perspectiva de não ter mais um minuto de solidão.’Sempre tive horror de ser motivo de atenção’ - diz ela. ‘Atrair os olhares sempre foi um suplício para mim!”. A partir daquele momento, todos os atos da sua vida, inclusive a morte, realizam-se diante de testemunhas, muitas vezes malévolas ou, pelo menos, críticas. Nunca estamos sós, é horrível, há sempre gente a nossa volta!’ (VAN VELDE apud BEUVOIR,1990:319).

Goffman (1996:11) define uma instituição total como “um local de residência e trabalho onde um grande número de indivíduos em situação semelhante, separados da sociedade mais ampla por considerável período de tempo, leva uma vida fechada e formalmente administrada”. Segundo o autor, a vida institucionalizada é reprimida e conduz “à mortificação do eu”, isto é, o contexto asilar impede que a pessoa tenha o controle das ações de sua vida, prevalecendo as normas impostas, a disciplina de horários para levantar, comer, deitar, a aceitação de quartos divididos com uma ou mais pessoas, a perda da identidade, pois, na maioria dos asilos, as roupas e alguns objetos ditos pessoais acabam sendo do grupo, uma vez que a instituição não tem estrutura para acolhê-los de forma individual, devendo todos se adaptar às normas do coletivo.

Foucault (1987:129) afirma que a disciplina leva à organização de um espaço, e o uso de técnicas e normas são essências para os indivíduos desse espaço: “A exatidão e a aplicação são, com a regularidade, as virtudes fundamentais do tempo disciplinar”. A questão é saber o que é principal para o idoso asilado: seguir a risca as normas, ou por vezes transgredir para se sentir ainda livre e cidadão, democrático.

Essa rotina faz com que os idosos se alienem e sofram a falta da liberdade, o que redundará em conseqüências desfavoráveis a um envelhecimento e a uma vida saudáveis. A organização é importante desde que não seja uma camisa de força homogeneizando o não-homogeizável: o ser humano. Convém rever a idéia de disciplina, ‘disciplinar’ em um asilo onde “os indivíduos deste espaço”, vivendo a fase da velhice, têm seus ritmos próprios. As idiossincrasias desses idosos não se assemelham às características de outros indivíduos vivendo fases diversas da vida. É preciso lembrar que os idosos trazem consigo toda uma existência vivida

livremente, com seus cantos e recantos deixados para trás. Fazê-los viver e não apenas sobreviver ou desviver em uma situação delicada, e por vezes a única possível a essas criaturas, é, ou deveria ser, o objetivo primeiro de tais instituições. Como os cuidadores de idosos asilados vêem essa situação? Como entendem o processo natural e comum a todo vivente, do envelhecimento? Há um papel importante a cumprir para esses cuidadores, mas há também, não se pode negar, o risco corrido por esses profissionais. Se a depressão pode ocorrer entre os idosos, ‘ela’ também ronda aos cuidadores. Daí o propósito desta pesquisa.

Debert (1999:100) descreve o cenário dos asilos com conflitos entre os residentes e funcionários: “Surpreende nos asilos, a quantidade de conflitos, brigas e desentendimentos entre os residentes e deles com o pessoal técnico e administrativo. Literalmente, os residentes fazem, uns aos outros, perder o controle, ter insônia, entrar em palpitação”. A autora citada confirma assim a reflexão acima.

Born e Abreu (1996:10-12) relatam que “O idoso internado em uma instituição ou clínica geriátrica sente-se abandonado... queixam-se de solidão, desenvolvem um quadro depressivo (1996:10) ... a apatia e o desinteresse predominam entre os idosos em instituição...”

Para Zarit (1997:139-159), esses ambientes asilares tendem a proporcionar vidas isoladas, silenciosas e introspectivas, em oposição à integração. Com normas em que a ordem é descansar, diminui-se o diálogo. É cortada a voz do idoso e, como sugere o título da obra de Faleiros e Loureiro (2006), a “vez e o sentido” também se comprometem.

Entretanto, há heterogeneidade entre os asilos, os velhos e as relações que se estabelecem; dessa forma convém descartar a premissa de que todas as

instituições asilares são ambientes com brigas, relações hostis e impessoais, como afirmado na literatura sobre o tema.

Pavarini (1996:26-32) parte do pressuposto de que a maioria dos velhos que se encontra em um asilo foi persuadida pela família, sob o argumento de que no asilo teriam melhores condições, como assistência médica e um espaço próprio, por um período curto de tempo, depois do qual voltaria para casa. Esta ilusão tem condicionado o ‘viver esperançoso’ de alguns idosos institucionalizados, mas que muitas vezes se desfaz com a realidade do abandono.

Com certeza, como se descreveu anteriormente, não só os idosos como as instituições são heterogêneas e as opções pela institucionalização nem sempre podem ser vistas como abandono. Cada situação é peculiar e requer estudos dos fatores predisponentes à institucionalização.

Segundo Zaritt (1997:139-159),

A decisão de institucionalizar ocorre porque as tarefas de cuidar tornam-se cada vez mais difíceis, tanto do ponto de vista emocional quanto físico, por causa de doença, de conseqüências do envelhecimento que trazem dependências, limitações físicas e mentais, a constante necessidade de hospitalização, da proximidade da morte, dos conflitos de papéis entre ser um familiar e um cuidador assim como diferenças intergeracionais, abandono ou inexistência de familiares ou de outros cuidadores no caso de idosos dependentes, a falta de recursos financeiros enfim das dificuldades de relação entre o idoso, o cuidado e o cuidador.

A Política Nacional do Idoso (PNI) (1986), prioriza a vida junta à família. Essa norma foi regulamentada pelo Decreto n°. 1948, de 3 de julho de 1996, art. 3º, que se refere à prestação de assistência aos velhos nas modalidades asilar e não asilar:

...o atendimento, em regime de internato, ao idoso sem vínculo familiar ou sem condições de prover a própria subsistência de modo a satisfazer as suas necessidades de moradia, alimentação, saúde e convivência social. Além de a assistência na modalidade asilar ocorrer no caso da inexistência

do grupo familiar, abandono, carência de recursos financeiros próprios ou da própria família (PNI, 1996, art. 3º).

Gonyea (1987:10-20) enumera os fatores predisponentes à institucionalização: “idade avançada, diagnóstico, limitação das Atividades da Vida Diária (AVD), morar só, estado civil, situação mental, etnia, ausência de suportes sociais, pobreza”. Hoje já se encontram idosos desejando, por conta própria, se asilar em asilos que são verdadeiros spas , com toda a estrutura para oportunizar- lhes a paz, tranqüilidade e qualidade de vida almejada. Mesmo nos asilos tradicionais com baixo poder financeiro, existem idosos satisfeitos de ali estarem. (LOUREIRO,2006).

Dessa forma a decisão pela institucionalização transita por quatro estágios: reconhecimento, discussão, implementação e internação. Ou seja, o reconhecimento da necessidade de institucionalizar prende-se ao agravamento das condições gerais dos velhos. Na fase da discussão, busca saber se o cuidador (familiar ou não) questionou a possibilidade de institucionalizar. Na fase de implementação, é verificado o grau de envolvimento do responsável pelo velho nas providências para sua admissão no asilo. A última fase consiste na realização do internamento.

Por fim, é necessário rever as formas de institucionalização e/ou a revitalização das instituições de longa permanência, para que as mesmas cumpram seu papel social e humano, tornando-se alternativas dignas e respeitadas, com objetivos de oferecer ambiente seguro e acolhedor para idosos saudáveis, idosos cronicamente debilitados e funcionalmente dependentes; garantir aos idosos serviços de atenção multiprofissional em regime integral de acordo com as necessidades; priorizar sempre que possível o vínculo familiar e a integração comunitária; restaurar e manter ao máximo a independência funcional; preservar a

autonomia, conforto e dignidade para pacientes terminais; apoio familiar; maximizar o bem-estar biopsicossocial e otimizar a qualidade de vida nessa última fase da vida.

A Portaria Ministerial 810/89 estabelece normas para o funcionamento das instituições asilares, classificando os serviços a serem prestados em assistência médica, odontológica, de enfermagem, nutricional, psicológica, farmacêutica, atividades de lazer, atividades de reabilitação física, serviço social, apoio jurídico e administrativo.

A assistência multiprofissional aos idosos, por profissionais de diversas áreas médicas, tem como objetivo avaliar e intervir sob o ponto de vista, como registram Oliveira e Gregorato (2006:160): “Assistir ao idoso exige um trabalho multiprofissional e interdisciplinar onde as ações estejam voltadas para a saúde do indivíduo e cada membro da equipe tenha seu papel, trabalhando de forma complementar e nunca competitiva”.

A atuação dos diversos profissionais não deve ser centrada somente nas doenças, e sim na promoção da saúde para minimizar o conseqüente declínio no grau de independência funcional e prejuízo na qualidade de vida. Esse é o novo desafio da saúde e em especial da geriatria e gerontologia no cuidado/atenção para com o idoso no Brasil.

A atenção precisa se concentrar na pessoa, no velho doente ou não, no idoso autônomo ou dependente, para se entender os motivos da diferença - das ocorrências ou não das queixas/enfermidades - suas origens bio- psíquicas, fisiológicas, sócio-culturais, econômico-financeiras e até mesmo decorrente do grau de instrução e sexo do idoso (LOUREIRO , 2006).

é na complexidade que o assunto precisa ser tratado entendido e estendido na sua profundidade complementar, sem reduções maléficas nem simplificações apressadas. A teia emaranhada na construção do entendimento da realidade de um asilo se complexifica não só pela presença nele dos velhos abandonados ou que ali estão fugindo da situação de misérias várias – seres humanos que se caracterizam pela condição/ natureza neotênica, quer dizer, que mudam constantemente - , mas pela presença nele, no asilo, de profissionais – seres também dinâmicos na natureza humana – voluntários ou não, com formações ou deformações diversas, sem preparo ou preparados na segmentação das suas especialidades; especialidades que , no mais das vezes, não se “falam”, quer dizer, não se complementam como esperado, trazendo a redundância dos atendimentos, ou a falta por pensar já atendida por outro naquela situação.

Planejar um envelhecimento institucionalizado positivo requer, antes de tudo, uma análise sócio-econômica e cultural, ponderando o impacto da transição demográfica, as alterações nos arranjos familiares, o velho e sua dependência por cuidados especiais, a sociedade civil, os recursos humanos, os indicadores que permitem uma reflexão sobre o papel das instituições e o que pode ser mudado para se pensar em uma velhice mais digna.

Documentos relacionados