UNIVERSIDADE CATÓLICA DE BRASÍLIA – UCB
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM GERONTOLOGIA
MESTRADO
O IMAGINÁRIO DE UM GRUPO DE CUIDADORES DE IDOSOS
ASILADOS
Autora: Ana Paula Terra
Orientadora: Profa. Drª. Altair de Macedo Lahud Loureiro
Ana Paula Terra
O IMAGINÁRIO DE UM GRUPO DE CUIDADORES DE IDOSOS
ASILADOS
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação “Strict Sensu” em Gerontologia da Universidade Católica de Brasília - Área de concentração Longevidade e Qualidade de vida – como requisito para a obtenção do título de mestre em Gerontologia.
Orientadora: Profa Drª. Altair Macedo Lahud Loureiro – UCB.
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icha elaborada pela Coordenação de Processamento do Acervo SIBI – UCB. T323i Terra, Ana Paula
O imaginário de um grupo de cuidadores de idosos asilados / Ana Paula Terra. – 2007.
132 f. : il. ; 30 cm.
Dissertação (mestrado) – Universidade Católica
de Brasília, 2007.
Orientação: Altair de Macedo Lahud Loureiro
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TERMO DE APROVAÇÃO
Dissertação de autoria de Ana Paula Terra, intitulada – O imaginário de um grupo de cuidadores de idosos asilados – requisito parcial para obtenção do grau de Mestre do Programa de Pós-Graduação stricto sensu em Gerontologia, defendida e aprovada, em 14 de março de 2007, pela banca examinadora constituída por:
Profª Drª. Altair Macedo Lahud Loureiro Orientador
Profª Drª. Iduina Mont'Alverne Braun Chaves Examinador
Profª Drª. Maria Liz Cunha de Oliveira Examinador
Profª Drª. Vicente de Paula Faleiros Suplente
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DEDICATÓRIA
À Vó Mariinha (in memoriam), que com certeza esteve presente em todos os momentos, encorajando-me. Aos meus pais pelos ensinamentos, amor e dedicação, exemplos de vida, primordiais nesta caminhada.
Ao Gleisson, pelo amor e carinho, e por acreditar sempre em meus sonhos!
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AGRADECIMENTOS
A Deus, meu caminho, fonte de inspiração e paciência.
Aos cuidadores de idosos do Lar dos Velhos Paulo de Tarso.
Aos meus pais pelas orações, carinho, aconchego e apoio incondicional.
Ao Gleisson, pela compreensão perante a ausência, pelo incentivo e apoio, por seu
amor e por ter muita, muita paciência. Obrigado Amor!
Ao Breno e ao Bruno, pelas palavras de carinho e entusiasmo nas horas difíceis.
À Tia Milca e família, pela acolhida carinhosa, que me ajudou a “driblar” a saudade.
À minha grande amiga Maria do Socorro Norjosa, e toda sua família pelo apoio e
atenção nos momentos em que à distância e o cansaço quase me fizeram desistir.
À querida Professora Drª. Altair de Macedo Lahud Loureiro, por me encantar e me
guiar pelos caminhos do imaginário, me ajudando a ter uma atitude heróica e a
vencer os monstros pelo caminho.
À Professora Drª. Iduína Mont’Alverne Chaves, por aceitar gentilmente o convite
para participar da banca examinadora.
À Professora Drª. Maria Liz Cunha de Oliveira, que aceitou prontamente o convite
quando solicitada.
À Professora Drª. Maria Cecília Sanchez Teixeira, pelas correções e sugestões, que
muito contribuiu para o desenvolvimento do trabalho.
Ao Professor Dr. Vicente de Paula Faleiros, pelas tão proveitosas sugestões.
À Mônica Miranda, pela atenção e disponibilidade, nos momentos em que a
distância dificultava os tramites burocráticos.
Aos companheiros de Mestrado; Diane Lago, Eliana Mota, Vanessa Cardoso,
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Não Sei Cora Coralina
Não sei se a vida é curta ou longa demais para nós. Mas sei que nada do que vivemos tem sentido, Se não tocarmos o coração das pessoas.
Muitas vezes basta ser: Colo que acolhe, braço que
envolve, palavra que conforta, silêncio que respeita, alegria que contagia, lágrima que corre, olhar que acaricia, desejo que sacia, amor que promove. E isso não é coisa de outro mundo. É o que dá sentido à vida. É o que faz com que ela não seja nem curta, nem longa demais.
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RESUMO
A dissertação, por sua filiação à gerontologia, prende-se à pesquisa relacionada com a velhice, investigando de forma qualitativa culturanalítica o imaginário de um grupo de cuidadores de idosos asilados no Lar dos Velhos Paulo de Tarso, localizada na cidade de Ipatinga, Minas Gerais; objetivou identificar a relação entre o imaginário desvelado, com o auxílio do teste AT-9 - Arquétipo Teste de Nove Elementos, de Yves Durand, a escuta e a observação direta -, e as ações cotidianas dos mesmos no trato com os idosos asilados sob seus cuidados. Os dados são analisados à luz da Teoria do Imaginário, de Gilbert Durand. Os cuidadores de idosos asilados, sujeitos da pesquisa, explicitam nas suas falas, assim como no teste, o prazer no que fazem, eufemizando a passagem inexorável do tempo e o medo da morte de forma positiva. As constelações de imagens evidenciam a presença de um grupo de cuidadores com um imaginário localizado no regime noturno de imagens, com estrutura sintética, com laivos de desestrutura em alguma medida e uma tendência ao místico. O pressuposto assumido da potência organizativa do imaginário se revela demonstrando a importância do conhecimento da dimensão simbólica para se entender, conservar ou modificar as ações cotidianas dos cuidadores de idosos asilados, se, e quando, requeridas. Esta dissertação apresenta o processo e os resultados da pesquisa realizada com um grupo de cuidadores de idosos asilados e demonstra a importância de se conhecer o imaginário dos cuidadores de idosos asilados, para se entender as ações cotidianas desses profissionais. As imagens, registradas permitiram reconhecer a estrutura do imaginário e relacionar com o modo de cuidar dos cuidadores. A análise durandiana deixou claro que a forma dos cuidadores asilares encarar a morte e as mazelas do envelhecimento interfere nos cuidados prestados aos idosos institucionalizados, como se verificou nas falas e nos dados míticos emergidos com o At-9 dos sujeitos-cuidadores. O carinho por parte desses cuidadores se apresenta na pesquisa, a paciência, a preocupação e atenção com os idosos, refletem também preocupação com o próprio futuro, ou seja, o que os aguarda nesta fase da vida.
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ABSTRACT
The dissertation, by its gerontology relationship, is related to na aging research, investigating in a qualitative culturanalitic way the imaginary of a group of peope that take care of asyled elderly people at the Lar dos Velhos Paulo de Tarso, city Ipatinga, Minas Gerais, AT-9 test made by Yves Durand, of listening and direct observation - , and the everyday actions of this group on the taking care process. The data are analysed on an imaginary focus of Gilbert Durand. The taking care group of the asyled elderly people in this research, show while speaking, as in the test, the pleasure in what they do, eufemizing the inexorable time passing and fear of death in a positive way. The constellations of images with a synthetic structure, with parts of unstructural ways within g mystical tendence. O symbolic dimension to understand, preserve and modify the everyday actions of the taking care people, if, and when required. This study presents the process and the results of the research on elderly people taking care group and shows the importance of knowing the imaginary of this group, to understand the everyday actions of those professionals. The images, provided allowed us to recgnize the structure of the taking care group to face death and the bad aspects related to aging on the ways of the taking care process of the institutionalized elderly. As it as showed in this research, patience, the worry and attention with the elderly, reflect the worries about the own future, so, what is to happen in this life time.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...10
1.1 Objetivos...18
1.2 Problematizando e Justificando ...19
PRIMEIRA PARTE: O VELHO, O ASILO E OS CUIDADORES...23
CAPÍTULO 1 - O Velho, A Velhice e o Envelhecimento ...23
CAPÍTULO 2 - O Asilo – (ILPs) e o Asilamento ...28
CAPÍTULO 3 - O Cuidar e os Cuidadores de Idosos Asilados ...38
SEGUNDA PARTE: BASES TEÓRICAS...43
CAPÍTULO 4 - Os Caminhos do Imaginário segundo a Teoria de Gilbert Durand...43
CAPÍTULO 5 - O Arquétipo Teste de Nove Elementos - O AT- 9 de Yves Durand...52
TERCEIRA PARTE: MÉTODO E CARACTERIZAÇÃO DA POPULAÇÃO...60
CAPÍTULO 6 - Contextualização do Asilo e Características dos Cuidadores de Idosos Asilados Componentes do Grupo ...60
CAPÍTULO 7 - Instrumentos Utilizados...64
QUARTA PARTE: ANÁLISES...66
CAPÍTULO 8 - As Representações Imagético-Simbólicas do Grupo de Cuidadores de Idosos ...66
8.1 - Protocolos do teste AT-9 e quadros auxiliares da análise: Análise e interpretação dos dados míticos registrados nos protocolos do teste...66
8.1.1- AT-9 - Protocolo n° 01...66
8.1.2 - AT-9 - Protocolo n° 02...72
8.1.3 - AT-9 - Protocolo n° 03...76
8.1.4 - AT-9 - Protocolo n° 04...83
8.1.5 - AT-9 - Protocolo n° 05...87
8.1.6 - AT-9 - Protocolo n° 06...92
8.1.7 - AT-9 - Protocolo n° 07...97
8.1.8 - AT-9 - Protocolo n° 08...103
x
8.2.1 - Quadro das representações (imagens) dos nove elementos do teste...110
8.2.2 - Quadro das funções atribuídas a cada um dos nove elementos do teste...111
8.2.3 - Quadro dos simbolismos atribuídos a cada um dos nove elementos do teste...111
8.3 - Quadro da Análise Funcional: Idéia de Vida/ Morte...112
8.3.1 - Quadro da Incidência de Vida/ Morte...112
8.4 - Quadro Resumo das incidências entre os oito protocolos da Representação, Função e Simbolismo atribuídos a cada um dos nove elementos do teste...113
8.5 - Quadro da Análise estrutural: identificação durandiana dos micro-universos míticos emergidos...113
QUINTA PARTE: (IN) CONCLUSÃO...114
CAPÍTULO 9 - O Universo mítico emergido ...114
BIBLIOGRAFIA...125
ANEXO...131
INTRODUÇÃO
A humanidade passa por uma transição demográfica que tem como
característica a queda acentuada das taxas de mortalidade e da natalidade. A soma
dessas características - as pessoas vivendo mais, ao mesmo tempo em que menos
nascimentos ocorrem - resulta no envelhecimento global. Na última metade do
século XX, a duração média de vida dos seres humanos se ampliou em cerca de 20
anos. O declínio da natalidade foi um fator determinante para o aumento acentuado
das estatísticas do envelhecimento da população. Nos últimos 50 anos, a taxa global
de nascimentos encolheu quase 50%, e deve continuar nesse ritmo, atingindo em
2050 o índice de 2,1 crianças por mulher (IBGE, 2000).
A transição social acompanhada da transição demográfica aumentou as taxas
de institucionalização do idoso, em outros países e no Brasil. A transição social se
caracteriza pelas transformações recentes na estrutura familiar, como a diminuição
do tamanho da família e a inserção da mulher no mercado de trabalho, o que
dificulta o suporte familiar ao idoso, sobretudo em casos de doença e/ou
incapacidade.
A participação feminina no mercado de trabalho retira do domicílio a figura
tradicionalmente convocada para os cuidados dos pais ou sogros. Novos arranjos
familiares - mulheres sós, mães solteiras, casais sem filhos, filhos que emigraram -
reduzem a perspectiva de envelhecimento em um ambiente familiar. Nos grandes
centros urbanos, são fatores agravantes a distância entre as moradias, as
dificuldades do trânsito e o pouco tempo e/ou interesse de adultos e jovens para o
contato mais estreito com seus familiares. Assim, torna-se cada vez mais comum a
A redução do potencial de cuidados providos pelas mulheres na família, em
média 68%, entre 1960 e 1990, em alguns países europeus - deverá ocorrer de
modo ainda mais rápido no Brasil nos próximos anos (CHAIMOWICZ,
1997:184-200).
Há também os fatores de risco para a institucionalização, como morar só,
suporte social precário e baixa renda (associada à viuvez, aposentadoria, menor
oportunidade de empregos formais e estáveis e aumento dos gastos com a própria
saúde), cada vez mais freqüentes no Brasil (CHAIMOWICZ, 1997:454-460).
O envelhecimento populacional brasileiro caracteriza-se pelo acúmulo de
incapacidades progressivas nas atividades funcionais e da vida diária, associado às
condições sócio-econômicas adversas. A mortalidade é substituída por
co-morbidades. A manutenção da capacidade funcional surge, portanto, como um novo
paradigma de saúde, relevante para o idoso. Caracterizado por mudanças, muitas
vezes drásticas, o envelhecimento tem seus pontos negativos e positivos; pode ser
entendido por alguns como sendo uma época favorecida da existência, pois pode
trazer, entre outras vantagens, a experiência, o saber e a paz.
É necessária a aceitação desse crescimento adquirido com a velhice e a
percepção de que as necessidades básicas do idoso são as mesmas de qualquer
ser humano: necessidade de amor, calor familiar, segurança, além da necessidade
de se sentir útil, pois estes fatores, somados a debilidade física e mental, são muitas
vezes responsáveis pela velhice positiva e seu descaso responsável por problemas
psicológicos, depressão, negatividade na velhice. Por isso, não basta fazer perdurar
a velhice se não for possível fazer dela uma fase privilegiada: com qualidade de
A internação do idoso em uma instituição de longa permanência é uma
alternativa em certas situações: necessidade de reabilitação intensiva no período
entre a alta hospitalar e o retorno ao domicílio, ausência temporária do cuidador
domiciliar, estágios terminais de doenças e níveis de dependência muito elevados.
Tal situação transforma a decisão da família de internar em função da não -
disponibilidade da assistência domiciliar provida pelo tripé família-Estado-sociedade.
É importante ressaltar que a internação em uma instituição de longa permanência
não se aplica apenas aos idosos doentes ou com debilidades, o idoso saudável e
independente pode por vezes ser encontrado nesse ambiente asilar.
A internação definitiva de idosos com certa dependência é o paradigma de um
modelo anacrônico de assistência já abandonado em diversos países e, em muito,
similar ao tratamento psiquiátrico baseado no modelo manicomial. Apesar da
possibilidade de que laços afetivos mais fortes ou diferentes arranjos familiares (ex:
filhos e netos residindo no domicílio dos idosos) possam evitar ou retardar a
institucionalização, ainda se observa elevada taxa de ocupação dos asilos – ILPs.
(RODRIGUES e RAUTH, 2002:106-110).
De acordo com Born, (2002:56-61) não temos conhecimento de levantamento
nacional sobre instituições para idosos, a não ser o estudo realizado por Hôte, um
sociólogo francês que, em 1984, fez um levantamento extensivo sobre programas
para a 3° idade no Brasil, onde naquele ano, entre 0,6% a 1,3% da população se
encontrava em instituições. Atualmente frente aos indicadores da transição
demográfica acredita-se em um aumento considerável dessa população
instiucionalizada, porém esse número pode ainda ser maior, uma vez que existem
A dinâmica da institucionalização e a carência, no mercado, de profissionais
formados com habilidades técnicas, vocação e dedicação para compor a equipe
multidisciplinar dedicada a cuidar especificamente do idoso, conduz a necessidade
de reavaliar alguns critérios (além dos gastos sociais que sobrevêm do novo perfil da
pirâmide etária). Esta pesquisa dedica-se a conhecer o imaginário desses
profissionais; a dimensão simbólica, uma das aludidas dimensões presentes no
caleidoscópio mutante devido à presença do ser humano, da organização do
cotidiano de uma instituição de longa permanência, um asilo de idosos ou velhos.
Dados míticos foram levantados procurando melhor entender o cuidador
considerando, as idiossincrasias no comportamento do ser humano cuidado, do
velho, notadamente do homem velho asilado. As representações em imagens e
símbolos dessa realidade evidenciaram o imaginário dos sujeitos da pesquisa, os
cuidadores de idosos asilados. Conhecer, na prática investigativa, o que é um asilo
na sua função, repensar critérios no seu cotidiano, conhecer a organização e a
realidade, nas visões dos estudiosos do assunto e teoricamente o que são os asilos,
quem são os cuidadores desses idosos que neles habitam temporária ou
indefinidamente. O trabalho desenvolvido está vinculado à pesquisa, em andamento,
da Professora Dra. Altair Macedo Lahud Loureiro, intitulado “Imaginário, Idosos
asilados e organização de asilos”, na qual já se concluiu uma dissertação de
mestrado no Programa de Pós-Graduação, Mestrado em Gerontologia da UCB,
defendida pela psicóloga Vannessa de Resende Cardoso (12/2005), que pesquisou
o imaginário de um grupo de idosos asilados, em um asilo de Goiânia. Já houve
apresentação em eventos no país e no exterior, feita pela professora pesquisadora e
Caldas (2004:37-40) defende que o cuidar é uma tarefa que vai além do
atendimento básico das necessidades do homem. É um compromisso de cuidar do
outro que abrange auto-cuidado, auto-estima, autovalorização, formação acurada e
cidadania do cuidador.
Cuidar de um idoso dependente é um dos eventos mais estressantes e
perturbadores no ciclo de vida familiar. Alguns familiares se distanciam para evitar
confrontos, compromissos desagradáveis e a redefinição dos papéis estabelecidos.
Outro motivo de distanciamento pode ser o medo, como, por exemplo, conviver com
uma pessoa demente, ainda mais sendo parente, implica estar a todo momento
experimentando o medo de também ter a doença ou ser atacado por um surto
agressivo do idoso (MEDEIROS e OSÓRIO, 1998:3-6).
Entretanto ”mais do que em qualquer outro período ao longo do curso de vida,
o idoso precisa de uma relação direta, estreita e duradoura com a família”. Esse é o
eixo de significância para seu cotidiano. É nela que o idoso realiza suas relações
afetivas e significantes; espera a segurança e o apoio necessários para que continue
vivendo sua velhice de maneira autônoma, de modo que seja bem sucedida (NERI,
1994:237-286).
Como conclui Teixeira (2004:311-315)
o cuidar é um processo afetivo-relacional que traz no seu cerne a questão da recursividade, já que o ato de cuidar é realimentado pelo processo inter-relacional, no qual o cuidador e a pessoa cuidada se conectam a partir de suas matrizes familiares.
Assim, o ato de cuidar, sob o ponto de vista do paradigma sistêmico, é uma
“propriedade emergente” na relação da pessoa do cuidador com a pessoa cuidada;
portanto, não existe independência de experiência e, sim, a construção de uma
A situação do cuidado pode afetar toda a vida do cuidador, porque ele fica
exposto a doenças, à depressão, a estados emocionais negativos e à
desorganização de sua vida (FREITAS et al. 2002:778-790), contudo convém lembrar que tal ação pode também trazer a realização pessoal ao considerar-se tal
anjo da guarda um benemérito participante da qualidade melhorada da vida, na
continuidade boa ou amenizada da vida do outro.
O estudo do imaginário, por si só, configura-se como uma empreitada
complexa, que se avoluma ao referir-se ao conhecimento do imaginário de um grupo
de cuidadores de idosos asilados, pela complexidade da referida ação
desempenhada pelos sujeitos, pela característica/natureza interdisciplinar do estudo
da velhice, do processo de envelhecimento, das situações do cidadão velho e pela
realidade ímpar de cada asilo. O estudo das imagens, como expressa Y. Durand
(1998:281-293), é um estudo delicado. As pesquisas acerca do imaginário não se
limitam (constituem) a uma disciplina com objeto e método unificado, pois abarca
uma gama de abordagens disciplinares, acessadas de diferentes maneiras. Portanto
o imaginário, para ser entendido/conhecido, pode ser decodificado por métodos e
heurísticas.
Nesta pesquisa, caracterizada como qualitativa culturanalítica, a culturanálise
de grupos foi adotada valendo-se especialmente do teste AT-9 (Arquétipo Teste de
Nove Elementos), criado por Y. Durand e que adiante será explicitado com o auxílio
de outros pesquisadores que dele se valeram.
O criador do teste, Y. Durand, apresenta em sua obra L’exploration de I’imaginaire: Introduction à la modélisation des univers mythiques” (1988:82-85) algumas maneiras de realizar a análise dos dados obtidos com o teste ; entre elas
micro-universos míticos”; a análise elemencial, um inventário dos elementos, ou “descritiva
dos processos de elaboração e de estruturação dos elementos nos universos
míticos” e a ”análise funcional dos dinamismos existenciais simbólicos e dramáticos
dos universos míticos. Ou seja, a análise das imagens representacionais, das
configurações mítico-simbólicas, representações imagético-simbólicas emergidas em
universos míticos que expressam a estrutura do imaginário do sujeito ou do grupo,
demonstrando as maneiras de pensar as práticas sociais que instituem o homem e o
seu meio, a maneira de sentir e de agir” (Y. DURAND, 1998:281-293).
O imaginário, segundo G. Durand (2002), é o conjunto relacional de imagens,
de representações, numa dada cultura.
A pesquisa objetiva descobrir e analisar o imaginário de um grupo de
cuidadores de idosos institucionalizados. Partindo do pressuposto bachelardiano e
durandiano de que o imaginário tem força organizadora, procurar-se-á identificar os
reflexos ou o suporte imagético, subjacente na ação de cuidar dos idosos asilados,
ou seja, na maneira como os cuidadores exercem suas funções junto ao grupo de
idosos de uma instituição asilar, uma ILP, da cidade de Ipatinga, “Lar dos Velhos
Paulo de Tarso”, na região do Vale do Aço, em Minas Gerais.
Na experiência de quatro anos dedicados como fisioterapeuta ao cuidado a
idosos asilados, percebe-se que a Fisioterapia surge com uma necessária
participação na construção da estrutura de apoio ao idoso, e o conhecimento de sua
realidade é o primeiro passo para uma intervenção efetiva, eficaz e eficiente. “Neste
cenário, nota-se a necessidade do surgimento de uma nova classe, o cuidador, que
vai fazer parte do cotidiano do idoso” (SALDANHA, 2004:28-34).
A Fisioterapia utiliza instrumentos de avaliação funcional, das estruturas
desempenho das atividades da vida diária do idoso, pois são os principais
indicadores da sua autonomia.
A avaliação do idoso em Fisioterapia pode ser determinada pela estimativa de sua força e debilidade, pelo reconhecimento de potencialidades remanescentes e de possibilidades reais de desempenho das atividades cotidianas. Avalia-se também o estado biológico (força, tônus muscular, amplitude articular, etc.), o estado psicológico (memória, estado de ânimo, capacidade de aprendizagem, etc.), o estado social (incluindo a capacidade dos que o ajudam: familiares, amigos, voluntários) e o ambiente físico (barreiras arquitetônicas e possibilidades ambientais). Todos estes fatores devem ser analisados e adaptados para obter-se o máximo aproveitamento das condições, tendo-se em conta as limitações funcionais do paciente (SULLIVAN e SCHMITZ, 1993:385-421).
Os cuidadores devem executar várias tarefas. Por isso, é comum o estresse
decorrente dos excessivos esforços físicos e mentais. “Fatores objetivos como
desentendimentos conjugais decorrentes do tempo que o cuidador dedica ao
paciente, assim como fatores subjetivos - vergonha, sobrecarga, sentimento de
desamparo - podem acarretar o estresse” (NERI, 1994:237-286).
Daí o desejo de sistemática e cientificamente levantar o que move os
cuidadores a agirem desta ou daquela forma no trato com os idosos asilados e como
esses profissionais representam esses cuidados no seu imaginário. No intuito de
ampliar também os conhecimentos adquiridos no Mestrado de Gerontologia,
decidiu-se aprofundar o estudo da teoria do imaginário e a prática com o teste AT-9,
pretendendo desvendar os mistérios da fala das imagens (pictóricas, semânticas e
posturais, dentre outras possíveis; relacionando essa descoberta com a intervenção
do cuidar de idosos nos moldes da promoção, prevenção e reabilitação; visando a
uma melhor qualidade de vida do cidadão asilado (cidadania por vezes negada) e da
alegria de viver os seus derradeiros anos de vida de forma saudável, agradável e
1.1 Objetivos
Partindo do pressuposto de que o imaginário (o conjunto relacional de
imagens) tem potência organizadora nos grupos, subjaz às ações, aos sentimentos
e aos pensamentos, à visão de mundo: é a arma oferecida ao ser humano para
enfrentar a angústia do passar do tempo e o medo da morte, esta pesquisa objetiva:
Geral
Identificar o imaginário de um grupo de cuidadores de idosos asilados, em
suas ações cotidianas ao ato de cuidar.
Específicos
Para a consecução do objetivo geral, foram estabelecidos os objetivos
específicos descritos a seguir.
- Utilizar o Teste AT-9 e Analisar os protocolos do teste (AT-9), realizados por um
grupo de cuidadores de idosos asilados, identificando neles os micro -
universos míticos de cada um dos sujeitos e o conseqüente universo mítico
desse grupo de cuidadores de idosos asilados.
- Relacionar o imaginário desvendado do grupo de cuidadores de idosos asilados
às suas ações cotidianas.
- Identificar nas ações cotidiana dos cuidadores e nas suas falas o entendimento
1.2 Problematizando e Justificando
Partindo do pressuposto durandiano de que o imaginário das pessoas ou dos
grupos de pessoas - a visão de mundo, a forma de entender a vida e a morte -
influencia os comportamentos cotidianos; conhecendo o imaginário do grupo de
cuidadores, uma vez que o imaginário subjaz às ações de cuidar, pode-se melhor
entender as posturas, por vezes “desestruturadas”, por outras não, dos
componentes do grupo de cuidadores no ato de cuidar. Acredita-se que um
imaginário positivo estruturado de forma heróica, mística ou disseminatória estará
em momentos distintos auxiliando na tarefa da condução ou no alcance do melhor
‘cuidado’ e felicidade do idoso, em geral e em particular do idoso asilado. Em um
grupo de cuidadores, além da formação necessária, da disponibilidade para atuar, o
amor pelo que faz, o imaginário subjacente à ação e pelo qual a realidade insólita do
asilo é lida torna-se importante.
Assim, com base nos pressupostos expostos, nos fundamentos da teoria do
imaginário, procurou-se saber por que esses sujeitos escolheram trabalhar em um
asilo e quem são estes cuidadores, qual é o seu imaginário.
Partiu-se das seguintes perguntas:
- Qual é a estrutura do imaginário desse grupo de cuidadores?
- Como cada cuidador se relaciona com os idosos ?
- Qual a visão de mundo - idéia de vida e morte - desses cuidadores: positiva
ou negativa?
- Como o grupo entende a vida e a morte, como a representa (monstro)
- Quem são os cuidadores, sua formação geral, especial para cuidar de
idosos, idade, tempo de trabalho em asilo e neste asilo, prazer ou desprazer
em trabalhar em um asilo?
- Como os cuidadores vêem o cotidiano do asilo: como um refúgio ou como
um lugar de monstros?
A idéia da investigação é transitar pela teoria do imaginário e constatar quem
são os cuidadores-sujeitos dessa pesquisa, qual a visão de mundo, o cotidiano a
partir do conhecimento do imaginário destes, buscando conhecer as representações
mítico-simbólicas dos cuidadores de idosos, a partir da observação da mestranda -
pesquisadora - fisioterapeuta, que há 4 anos atua em uma instituição asilar, com o
objetivo de assim constatar a existência de diferentes formas de tratamento
dispensados pelos cuidadores aos idosos asilados cuidados. Além disso, os
resultados desta pesquisa poderão subsidiar a formação dos cuidadores e
dinamizar a atenção nos cuidados prestados aos idosos asilados, a partir do
conhecimento do imaginário, a dimensão simbólica que a pesquisa evidencia como
mediadora nas ações dos cuidadores de idosos asilados. Pretende-se também
considerar o cuidador, a pessoa humana que se dedica (ou precisa) a cuidar de
idosos.
Partindo dessas questões e da vontade acadêmica por entendê-las mais
profundamente, buscou-se base na antropologia do imaginário, de G. Durand
(2002). O imaginário oferece subsídios para que se compreendam os dinamismos
reguladores da vida social e suas manifestações culturais. Daí proceder ao
levantamento do imaginário desse grupo de cuidadores.
Da observação e consideração dessas aparentes minúsculas banalidades do
cotidiano, no caso do cotidiano asilar, pode-se inferir e conhecer o imaginário de um
grupo.
Para isso, será considerado como ponto de orientação para desvendar o
imaginário do grupo de cuidadores, proposto nesta dissertação, a teoria do
imaginário de G. Durand (2002), fundamentalmente partindo do entendimento do
“trajeto antropológico” que, segundo o autor, é “[...] a incessante troca que existe ao
nível do imaginário entre as pulsões subjetivas e assimiladoras e as intimações
objetivas que emanam do meio cósmico e social” (DURAND, G., 2002: 41).
Baseado assim na fundamentação teórica da antropologia do imaginário, o
Arquétipo Teste de Nove Elementos (Teste AT-9), Y. Durand (1988) é utilizado,
trazendo evidências emergidas nos registros dos 8 (oito) protocolos do grupo de
cuidadores.
O teste AT-9, assim como a observação e a escuta do grupo, deixa evidente
o que fundamenta as ações desses cuidadores - a estrutura do seu imaginário;
possibilitou saber-se, pelos próprios sujeitos, (os cuidadores), quem são esses
cuidadores, suas mazelas, queixas, lamúrias, esperanças, devoção, religiosidade e
responsabilidades, conceitos sobre a velhice, institucionalização do idoso e sobre o
cuidar de velhos asilados. O conhecimento do universo mítico-simbólico dos
sujeitos-cuidadores de idosos desta pesquisa, que compõem a amostra, contribui
para uma reflexão e possível revisão das ações e habilidades “necessárias“ para ser
um cuidador eficiente e cuidadoso de idosos asilados. Insiste-se em referir-se a
idosos asilados por considerar-se ser esse grupo de pessoas com idade avançada o
mais carente de cuidados de profissionais especializados e afetivos. Trata-se de
hostil, se considerado o ambiente familiar deixado para trás, espaço pleno de
lembranças e de identificações de prazer e alegria desfrutados com entes queridos
agora distantes, que nem sempre ou nunca os visitam ou abraçam.
Trata-se de um espaço ressignificado, no mais das vezes negativamente,
onde a doença e a insanidade mental se confundem com a solidão e a tristeza pela
ausência do convívio com os que lhes foram, e ainda o são, caros durante uma vida
inteira, agora talvez desvivida entre as paredes mal cuidadadas de uma Instituição
de Longa Permanência (ILPs), permanência eterna ou sem fim até a morte, pois, na
maioria das vezes, quem ali é deixado nunca mais consegue sair vivo, e por vezes
PRIMEIRA PARTE: O VELHO, O ASILO E OS CUIDADORES
CAPÍTULO 1 - O Velho, A Velhice e o Envelhecimento
Na França, no século XIX, o termo “velho” ou “velhote” era designado ao
indivíduo que não possuía bens ou que era indigente. Aqueles que tinham certa
posição social e administravam seus bens eram respeitados e denominados de
idosos, pois o termo “velho” era associado à decadência, à incapacidade para o
trabalho. Com a influência francesa, então o termo “idoso” passou a ser utilizado nos
documentos oficiais no Brasil. Essa terminologia já existia em nosso vocabulário,
mas não era usada (MAZZO, LOPES E BENEDETTI, 2001). No dicionário da Língua
Portuguesa, “idoso” significa “que tem bastante idade; indivíduo idoso”.
Para a Organização das Nações Unidas - ONU (1982), o ser idoso difere para países desenvolvidos e para países em desenvolvimento. Nos primeiros, são
considerados idosos os seres humanos com 65 anos ou mais; nos segundos, são
idosos aqueles com 60 anos ou mais. No Brasil, é considerado idoso quem tem 60
anos ou mais. Ou ainda, para determinadas ações governamentais, considerando-se
as diferenças regionais verificadas no país, aquele que, mesmo tendo menos de 60
anos, apresenta acelerado processo de envelhecimento (BRASIL, 1996). Essa
definição foi estabelecida pela ONU, em 1982, através da Resolução 39/125,
durante a Primeira Assembléia Mundial das Nações Unidas sobre o Envelhecimento
da População, relacionando-se com a expectativa de vida ao nascer e com a
qualidade de vida que as nações propiciam aos seus cidadãos.
velho escorraçado, abandonado; o velho sadio e o doente; o que luta e o que se
acomoda”.
Em um conceito transdisciplinar do ser idoso, Sá (2002:1120) nos brinda com a seguinte declaração:
O idoso é um ser de seu espaço e de seu tempo. É o resultado do seu processo de desenvolvimento, do seu curso de vida. É a expressão das relações e interdependências. Faz parte de uma consciência coletiva, a qual introjeta em seu pensar e em seu agir. Descobre suas próprias forças e possibilidades, estabelece a conexão com as forças dos demais, cria suas forças de organização e empenha-se em lutas mais amplas, transformando-as em força social e política.
Vergani (apud Santana, 2001:43), refere-se a Pitágoras, que subdividia a vida em períodos de 20 anos, comparando-os às estações do ano: infância ou
primavera até os 20 anos; adolescência ou verão, dos 20 aos 40 anos; juventude ou
outono, dos 40 aos 60 anos; velhice ou inverno, dos 60 aos 80 anos. É preciso
lembrar que a esperança de vida se ampliou, e bem mais que dos 80 anos, a vida se
prolonga. Aristóteles referia-se a 35 anos como idade da maturidade física, a partir
da qual inicia o declínio.
A literatura anglo-saxônica classifica a velhice da seguinte forma: Young old - o jovem ancião: dos 65 anos aos 75 anos de idade; Old old – idosos propriamente ditos: dos 75 aos 85 anos; Oldest old ou very old – aqueles que ultrapassaram os 85 anos de idade (SANTANA, 2001: 46-50).
Na compreensão de Beauvoir (1990:15-38)
Essa autora mostra a complexidade do conceito de velhice e deixa claro que
não se trata de eliminar o conflito, mas de reconhecê-lo como elemento capaz de
influenciar nas organizações e manter um clima propício à mudança. Não se trata de
homogeneizar, mas de integrar as diferenças. Beauvoir (1990:17-38) lembra ainda
que, uma vez que em nós é o outro que é velho, a revelação de nossa idade vem
através dos outros, referindo que, mesmo enfraquecido, empobrecido, exilado no
seu tempo, o idoso permanece, sempre, o mesmo ser humano.
Loureiro (1998:51-60) reflete que a idéia de velhice como sinônimo de doença
conduz o tom mórbido com que a velhice vem sendo, por muitos, tratada, o homem
velho desconsiderado, a velhice estigmatizada com o rótulo da impotência. Bosi
(1987:76), registra que a idéia pejorativa da velhice, nesta sociedade da produção e
do lucro, provém do fato de que o velho já não produz o bastante e alude ao
descaso dos jovens com os velhos como sendo: “a lei da superação da geração
mais velha pela mais jovem”.
No entendimento de Martins (2002:15-152), a velhice pode ser considerada
um conceito abstrato, porque diz respeito a uma categoria criada socialmente para
demarcar o período em que os seres humanos ficam envelhecidos, velhos, idosos.
A percepção de Morin (1999:21-46) acerca do processo de envelhecer é de
que “o ser humano rejeitando a morte como rejeita, recusando-a com todas as suas
forças, tende a rejeitar também a velhice; talvez por ser a fase da vida que mais se
aproxima da morte, tornando a velhice um peso”.
Para Messy (apud Loureiro, 2004b: 34), a velhice:
Loureiro (1998:51) afirma:
A velhice é apenas uma das fases da vida humana, em que a pessoa velha pode se encontrar fisicamente prejudicada, mas na qual um espírito quiçá jovem ainda se agita no dinamismo inerente ao interior ativo, que, como ser humano, possui. (...) é mais uma etapa da vida que precisa ser vivida, bem vivida.
Loureiro (2004b:43) ainda lembra que “Quanto mais comprometidos
estivermos com uma vida repleta de amor e compaixão, menos teremos de temer
que nossa vida chegue ao final”.
Para Loureiro (1998:56), o ser humano aprende desde quando nasce até a
morte. Portanto, a pessoa velha pode mudar e muda, dada a sua natureza
neotênica. “O velho é um velho, mas não deixa de ser uma pessoa humana; vive
apenas uma fase diferente da vida”.
A história do ser humano está intimamente ligada ao tempo, e o
envelhecimento é o processo que percorre toda a vida a partir do nascimento, mas
geralmente só é relacionado aos velhos. Para Messy (1992:17-19):
O envelhecimento não é a velhice, como uma imagem não se reduz a uma etapa. O envelhecimento é um processo irreversível, que se inscreve no tempo. Começa com o nascimento e acaba na destruição do indivíduo. (...) Os significados são inseparáveis. (...) Se o envelhecimento é o tempo da idade que avança, a velhice é o da idade avançada, entende-se, em direção à morte.
De acordo com Tammaro et al. (apud Santana,2001-43), pode-se classificar o envelhecimento nas seguintes fases:
mudanças fisiopatológicas, com uma reduzida reserva funcional associada a um equilíbrio biológico frágil e instável.
As mudanças nos fatores médicos – saúde, sociais e econômicos resultaram
no fato de as pessoas ficarem em forma física por mais tempo, e o período final de
doenças está tendendo a ser maior. Essa tendência provavelmente continuará de
modo que mais pessoas vivam até uma idade maior, com expectativa de vida de 69
anos para homens e 75 anos para mulheres (SAAD, 1991).
Conseqüentemente, as relações familiares em uma sociedade na qual a
expectativa de vida está se expandindo criam situações inovadoras, sem que haja,
entretanto, maior preparação de seus membros para lidarem com a nova situação
(CHAIMOWICZ e GRECO, 1999:454-460).
Em face de novos arranjos familiares, tais como divórcios, recasamentos,
“produção independente”, inserção da mulher no mercado de trabalho, o número
reduzido de membros da família, envelhecer junto a esta é um desafio, visto que a
sociedade moderna, movida pelo mundo do trabalho e do dinheiro, não tem tempo
para conviver e muito menos para cuidar dos seus velhos. São transformações que
apontam para uma reformulação dos papéis sociais, acompanhada da abdicação de
certos valores, considerados até então padrão (CHAIMOWICZ, 1997:184-200). Nisto
repousa o aumento do aparecimento das instituições de Longa Permanência - ILP-s,
CAPÍTULO 2 - O Asilo – (ILPs) e o Asilamento
Instituições de Longa Permanência (ILPs) para idosos são os
estabelecimentos que, sob denominações diversas, correspondem aos locais físicos
equipados para atender a idosos sob regime de internato ou não, mediante
pagamento ou não, durante um período determinado ou não (BELO HORIZONTE,
2000).
A institucionalização afasta o idoso do seu ambiente natural, afastando-o e privando-o de estar presente a comemorações familiares, levando-o a cultivar um sentimento de culpa e ao afastamento daqueles mecanismos de proteção, deixando-o mais vulnerável a perturbações mentais (LITVOC e BRITO, 2004:78-112),
O processo de internação numa instituição asilar representa muito mais do
que simplesmente mudança de um ambiente físico pra outro. Representa para o
idoso a necessidade de estabelecer relações com todos os aspectos de seu novo
ambiente, ajustar-se ao novo lar, ansioso e com medo da idéia de passar os últimos
anos da vida num lugar estranho, em meio a desconhecidos. Não se pode esquecer
que, ao chegar a uma instituição, o idoso traz consigo uma bagagem cultural e
afetiva que foi criada até o momento, a história da sua vida, das suas relações, da
qual é obrigado a abrir mão devido a sua nova condição: a institucionalização. Essa
circunstância impõe ao idoso o rompimento dos laços diretos com seu contexto
histórico, como afirma Goffman (1996:25):
Segundo Goffman, em seu livro “Manicômios, conventos e prisões” (1996:17),
“todo indivíduo tende a dormir, brincar e trabalhar em diferentes lugares, com
diferentes co-participantes, sob diferentes autoridades e sem plano racional geral”.
No entanto as instituições asilares não apresentam essas características, pois o
idoso institucionalizado vive num espaço fechado e, na maioria das vezes, com o
mesmo grupo de pessoas, mantendo horários, atendendo a exigências
institucionais, não tendo respeitadas as vontades pessoais, sofrendo assim a
restrição e/ou rompimento de outras vivências externas, situação essa confirmada a
partir das idéias de Goffman (1996:20), quando se refere a restrições de contato:
“desenvolvem-se dois mundos sociais e culturais diferentes, que caminham juntos
com pontos de contato oficial, mas com pouca interpenetração”.
Nesta troca de meio e de mundo, onde as perdas se impõem, os laços afetivos também sofrem uma forte ruptura por conta do grupo de pessoas, que é outro e novo, vivendo em um espaço físico diferente. Isso atinge profundamente o indivíduo, já que ‘o interesse pela vida, as expectativas, a necessidade de trocas afetivas são uma contigência da espécie humana, este ser vivo que não se basta a si mesmo e que vive em constante inter-relações, mais ou menos intensas (HERÉDIA; CASARA, apud HERÉDIA; CASARA; CORTELLETTI; 2004:21).
O homem velho, como todos os outros, tem seus desejos e sofre “as pressões do meio cósmico e social” (DURAND, G apud LOUREIRO, 2004b:36-41).
Groisman (1999:19) afirma que, com “o surgimento dos asilos, a velhice
ganha um lugar, mas perde simbolicamente o seu lugar na vida. A localização da
velhice no asilo não parece ser apenas geográfica, mas representativa”.
Litvoc e Brito (2004:78-112) ressaltam que as taxas elevadas de prevalência
de doenças crônicas são importantes implicações para a saúde de quem está
crônicas e a utilização excessiva dos serviços de saúde, assim como
institucionalizações desnecessárias por diversas limitações físicas ou cognitivas para
realizar as atividades de vida diária - AVDs.
O asilamento comprova a ação da sociedade que descarta os indivíduos no
momento em que deixam de ser saudáveis, produtivos e utiliza um discurso
controverso à sua integração ao meio social (HERÉDIA; CORTELLETTI; CASARA,
2004:13).
Embora se considere que o melhor lugar para o idoso é junto à sua família,
existem situações em que muitas vezes é inevitável a institucionalização.
Segundo Moragas (1997:21-28), mediante as transformações das sociedades
urbanas industrializadas, as responsabilidades para com o idoso vêm deixando de
ser um domínio exclusivo da esfera familiar, e as necessidades referentes aos
cuidados com os idosos estão sendo cada vez mais atendidas por organizações
alheias às famílias.
O Cristianismo foi pioneiro no amparo aos velhos. De acordo com dados
históricos, as primeiras instituições voltadas para abrigar a população carente
surgiram no Império Bizantino, no século V da Era Cristã. Há registros de que o
primeiro asilo foi fundado pelo Papa Pélágio II (520-590), que transformou sua casa
em um hospital para velhos (DEBERT, 1999:100; ALCÂNTARA, 2004:31).
As instituições que abrigam idosos são comumente chamadas de asilos,
abrigos, lares. A criação de instituições filantrópicas destinadas a cuidar de velhos
teve sua origem no século XX, no Brasil, e tinha como objetivo atender a velhice
desamparada, que se configurava como uma população pobre e sem familiares.
institucionalizada encobria, então, várias categorias: moribundos, indigentes, pobres,
inválidos, abandonados, solitários, doentes, alcoólatras e outros desvalidos”.
Pavarini (1996:27), ao fazer uma breve contextualização sobre a assistência
social atualmente oferecida ao velho, diz que“a institucionalização continuou a ser o
principal reflexo da pobreza individual e familiar, e o termo asilo cristalizou-se como
sinônimo de instituições para idosos pobres”.
Faltam políticas públicas condizentes com a existência de inúmeros fatores,
tais como demográficos, sociais e de saúde, o que conduz ao aumento da demanda
pela institucionalização (BORN, 2002:403-414). Todavia, muitas instituições
funcionam sem condições ideais e ainda que recebam o aval para funcionamento,
"estão longe de atenderem à população idosa".
Simone de Beauvoir em sua obra ‘A Velhice’ publicada em 1970 e traduzida
para o português (1990) denuncia que, na estrutura asilar quase nada mudou:
prédios antigos, não adequados à função; áreas de circulação possuidoras de
barreiras arquitetônicas que impedem a livre circulação e o acesso aos moradores.
Os dormitórios são coletivos, raramente há armários individuais, os idosos passam a
maior parte do tempo deitados, o cardápio não é apropriado para cada um, e o
atendimento médico é precário.
A autora citada acima registra a vida em asilo recorrendo ao romance “A
grande sala”:
Goffman (1996:11) define uma instituição total como “um local de residência e
trabalho onde um grande número de indivíduos em situação semelhante, separados
da sociedade mais ampla por considerável período de tempo, leva uma vida fechada
e formalmente administrada”. Segundo o autor, a vida institucionalizada é reprimida
e conduz “à mortificação do eu”, isto é, o contexto asilar impede que a pessoa tenha
o controle das ações de sua vida, prevalecendo as normas impostas, a disciplina de
horários para levantar, comer, deitar, a aceitação de quartos divididos com uma ou
mais pessoas, a perda da identidade, pois, na maioria dos asilos, as roupas e alguns
objetos ditos pessoais acabam sendo do grupo, uma vez que a instituição não tem
estrutura para acolhê-los de forma individual, devendo todos se adaptar às normas
do coletivo.
Foucault (1987:129) afirma que a disciplina leva à organização de um espaço,
e o uso de técnicas e normas são essências para os indivíduos desse espaço: “A
exatidão e a aplicação são, com a regularidade, as virtudes fundamentais do tempo
disciplinar”. A questão é saber o que é principal para o idoso asilado: seguir a risca
as normas, ou por vezes transgredir para se sentir ainda livre e cidadão,
democrático.
Essa rotina faz com que os idosos se alienem e sofram a falta da liberdade, o
que redundará em conseqüências desfavoráveis a um envelhecimento e a uma vida
saudáveis. A organização é importante desde que não seja uma camisa de força
homogeneizando o não-homogeizável: o ser humano. Convém rever a idéia de
disciplina, ‘disciplinar’ em um asilo onde “os indivíduos deste espaço”, vivendo a fase
da velhice, têm seus ritmos próprios. As idiossincrasias desses idosos não se
assemelham às características de outros indivíduos vivendo fases diversas da vida.
livremente, com seus cantos e recantos deixados para trás. Fazê-los viver e não
apenas sobreviver ou desviver em uma situação delicada, e por vezes a única
possível a essas criaturas, é, ou deveria ser, o objetivo primeiro de tais instituições.
Como os cuidadores de idosos asilados vêem essa situação? Como entendem o
processo natural e comum a todo vivente, do envelhecimento? Há um papel
importante a cumprir para esses cuidadores, mas há também, não se pode negar, o
risco corrido por esses profissionais. Se a depressão pode ocorrer entre os idosos,
‘ela’ também ronda aos cuidadores. Daí o propósito desta pesquisa.
Debert (1999:100) descreve o cenário dos asilos com conflitos entre os
residentes e funcionários: “Surpreende nos asilos, a quantidade de conflitos, brigas e
desentendimentos entre os residentes e deles com o pessoal técnico e
administrativo. Literalmente, os residentes fazem, uns aos outros, perder o controle,
ter insônia, entrar em palpitação”. A autora citada confirma assim a reflexão acima.
Born e Abreu (1996:10-12) relatam que “O idoso internado em uma instituição
ou clínica geriátrica sente-se abandonado... queixam-se de solidão, desenvolvem um
quadro depressivo (1996:10) ... a apatia e o desinteresse predominam entre os
idosos em instituição...”
Para Zarit (1997:139-159), esses ambientes asilares tendem a proporcionar
vidas isoladas, silenciosas e introspectivas, em oposição à integração. Com normas
em que a ordem é descansar, diminui-se o diálogo. É cortada a voz do idoso e,
como sugere o título da obra de Faleiros e Loureiro (2006), a “vez e o sentido”
também se comprometem.
Entretanto, há heterogeneidade entre os asilos, os velhos e as relações que
instituições asilares são ambientes com brigas, relações hostis e impessoais, como
afirmado na literatura sobre o tema.
Pavarini (1996:26-32) parte do pressuposto de que a maioria dos velhos que
se encontra em um asilo foi persuadida pela família, sob o argumento de que no
asilo teriam melhores condições, como assistência médica e um espaço próprio, por
um período curto de tempo, depois do qual voltaria para casa. Esta ilusão tem
condicionado o ‘viver esperançoso’ de alguns idosos institucionalizados, mas que
muitas vezes se desfaz com a realidade do abandono.
Com certeza, como se descreveu anteriormente, não só os idosos como as
instituições são heterogêneas e as opções pela institucionalização nem sempre
podem ser vistas como abandono. Cada situação é peculiar e requer estudos dos
fatores predisponentes à institucionalização.
Segundo Zaritt (1997:139-159),
A decisão de institucionalizar ocorre porque as tarefas de cuidar tornam-se cada vez mais difíceis, tanto do ponto de vista emocional quanto físico, por causa de doença, de conseqüências do envelhecimento que trazem dependências, limitações físicas e mentais, a constante necessidade de hospitalização, da proximidade da morte, dos conflitos de papéis entre ser um familiar e um cuidador assim como diferenças intergeracionais, abandono ou inexistência de familiares ou de outros cuidadores no caso de idosos dependentes, a falta de recursos financeiros enfim das dificuldades de relação entre o idoso, o cuidado e o cuidador.
A Política Nacional do Idoso (PNI) (1986), prioriza a vida junta à família. Essa
norma foi regulamentada pelo Decreto n°. 1948, de 3 de julho de 1996, art. 3º, que
se refere à prestação de assistência aos velhos nas modalidades asilar e não asilar:
do grupo familiar, abandono, carência de recursos financeiros próprios ou da própria família (PNI, 1996, art. 3º).
Gonyea (1987:10-20) enumera os fatores predisponentes à
institucionalização: “idade avançada, diagnóstico, limitação das Atividades da Vida
Diária (AVD), morar só, estado civil, situação mental, etnia, ausência de suportes
sociais, pobreza”. Hoje já se encontram idosos desejando, por conta própria, se
asilar em asilos que são verdadeiros spas , com toda a estrutura para oportunizar-lhes a paz, tranqüilidade e qualidade de vida almejada. Mesmo nos asilos
tradicionais com baixo poder financeiro, existem idosos satisfeitos de ali estarem.
(LOUREIRO,2006).
Dessa forma a decisão pela institucionalização transita por quatro estágios:
reconhecimento, discussão, implementação e internação. Ou seja, o reconhecimento
da necessidade de institucionalizar prende-se ao agravamento das condições gerais
dos velhos. Na fase da discussão, busca saber se o cuidador (familiar ou não)
questionou a possibilidade de institucionalizar. Na fase de implementação, é
verificado o grau de envolvimento do responsável pelo velho nas providências para
sua admissão no asilo. A última fase consiste na realização do internamento.
Por fim, é necessário rever as formas de institucionalização e/ou a
revitalização das instituições de longa permanência, para que as mesmas cumpram
seu papel social e humano, tornando-se alternativas dignas e respeitadas, com
objetivos de oferecer ambiente seguro e acolhedor para idosos saudáveis, idosos
cronicamente debilitados e funcionalmente dependentes; garantir aos idosos
serviços de atenção multiprofissional em regime integral de acordo com as
necessidades; priorizar sempre que possível o vínculo familiar e a integração
autonomia, conforto e dignidade para pacientes terminais; apoio familiar; maximizar
o bem-estar biopsicossocial e otimizar a qualidade de vida nessa última fase da vida.
A Portaria Ministerial 810/89 estabelece normas para o funcionamento das
instituições asilares, classificando os serviços a serem prestados em assistência
médica, odontológica, de enfermagem, nutricional, psicológica, farmacêutica,
atividades de lazer, atividades de reabilitação física, serviço social, apoio jurídico e
administrativo.
A assistência multiprofissional aos idosos, por profissionais de diversas áreas
médicas, tem como objetivo avaliar e intervir sob o ponto de vista, como registram
Oliveira e Gregorato (2006:160): “Assistir ao idoso exige um trabalho
multiprofissional e interdisciplinar onde as ações estejam voltadas para a saúde do
indivíduo e cada membro da equipe tenha seu papel, trabalhando de forma
complementar e nunca competitiva”.
A atuação dos diversos profissionais não deve ser centrada somente nas
doenças, e sim na promoção da saúde para minimizar o conseqüente declínio no
grau de independência funcional e prejuízo na qualidade de vida. Esse é o novo
desafio da saúde e em especial da geriatria e gerontologia no cuidado/atenção para
com o idoso no Brasil.
A atenção precisa se concentrar na pessoa, no velho doente ou não, no idoso autônomo ou dependente, para se entender os motivos da diferença - das ocorrências ou não das queixas/enfermidades - suas origens bio-psíquicas, fisiológicas, sócio-culturais, econômico-financeiras e até mesmo decorrente do grau de instrução e sexo do idoso (LOUREIRO , 2006).
é na complexidade que o assunto precisa ser tratado entendido e estendido na sua profundidade complementar, sem reduções maléficas nem simplificações apressadas. A teia emaranhada na construção do entendimento da realidade de um asilo se complexifica não só pela presença nele dos velhos abandonados ou que ali estão fugindo da situação de misérias várias – seres humanos que se caracterizam pela condição/ natureza neotênica, quer dizer, que mudam constantemente - , mas pela presença nele, no asilo, de profissionais – seres também dinâmicos na natureza humana – voluntários ou não, com formações ou deformações diversas, sem preparo ou preparados na segmentação das suas especialidades; especialidades que , no mais das vezes, não se “falam”, quer dizer, não se complementam como esperado, trazendo a redundância dos atendimentos, ou a falta por pensar já atendida por outro naquela situação.
Planejar um envelhecimento institucionalizado positivo requer, antes de tudo,
uma análise sócio-econômica e cultural, ponderando o impacto da transição
demográfica, as alterações nos arranjos familiares, o velho e sua dependência por
cuidados especiais, a sociedade civil, os recursos humanos, os indicadores que
permitem uma reflexão sobre o papel das instituições e o que pode ser mudado para
CAPÍTULO 3 - O Cuidar e os Cuidadores de Idosos Asilados
Cuidar lembra, a princípio, uma situação que envolve a emoção de um
indivíduo que se reflete em proteção e segurança de outro. Por outro lado, “cuidar” é
um verbo transitivo indireto, implicando a existência de um sujeito agente e um
objeto passivo,envolvido assim numa relação, onde um primeiro desenvolve uma
ação e o segundo recebe passivamente ou exerce uma atividade indireta ao delegar
uma responsabilidade de execução ao primeiro (MENEZES, 1994:78-97).
Cuidar do outro implica um esforço ingente de superar a dominação dos sexos, desmontar o patriarcalismo e o machismo, por um lado, e o matriarcalismo e o feminismo excludente, por outro. Exige inventar relações que propiciem a manifestação das diferenças não mais entendidas como desigualdades, mas como riqueza da única e complexa substância humana. Essa convergência na diversidade cria o espaço para uma experiência mais global e integrada de nossa própria humanidade, uma maneira mais cuidada de ser (BOFF, 1999:96).
Cuidado significa “o ato ou tarefa de zelar pelo bem-estar de alguém,
prestando lhe assistência, assumindo a responsabilidade e os encargos deste ato”
(VIEIRA, 1996:17-44). É importante saber que só faz sentido cuidar de alguém,
quando o mesmo não consegue desempenhar por si só suas atividades cotidianas,
ou seja, for incapaz de cuidar de si sem ajuda de terceiros.
O conceito de prestação de cuidado é amplamente definido por Whitlatch e
Noelker (1996:253-268) como
A abordagem ao idoso institucionalizado é complexa, pois essa população
fragilizada muitas vezes foi impelida a viver em um ambiente diferente, longe da
família e dos amigos. O idoso institucionalizado e a entidade que o abriga,
geralmente, não conseguem arcar sozinhos com a complexidade e as dificuldades
da senescência e/ou senilidade.
Pessini (2004:12) acredita que “dar qualidade à relação profissional da saúde
idoso-cuidador e vice-versa” é uma forma de cuidar de forma mais humanizada, “é
acolher as angústias do ser humano diante da fragilidade corpo, mente e espírito, é
ter habilidade humana e científica”; ou seja, “A humanização dos cuidados em saúde
pressupõe considerar a essência do ser, o respeito à individualidade e a
necessidade da construção de um espaço concreto nas instituições de saúde o qual
legitime o humano das pessoas envolvidas” (PESSINI, 2004-17).
A técnica aprimorada com conhecimentos e habilidades, somadas ao afeto e a
uma atitude positiva - coração e razão - a se conjugar, concluí-se nesta pesquisa a
partir dos estudos e experiência como cuidadora de idosos asilados, ter um
resultado eficaz nessa relação idoso-cuidador.
Os cuidadores de idosos asilados são pessoas que se dedicam à tarefa de
cuidar de um idoso. Esses profissionais têm assumido um perfil próprio e tarefas
específicas e complexas, que precisam ser desenvolvidas por pessoas qualificadas
e treinadas para o desempenho da assistência de que o idoso precisa para manter
seu bem-estar (VIEIRA, 1996:17- 44).
O cuidador é o profissional que irá oferecer os cuidados a pessoas que
dependem de assistência, portanto de fundamental importância nos cuidados a
De acordo com Neri e Freire (2000:21-31), o perfil atual de cuidadores é de
uma maioria de mulheres de meia-idade, que possuem filhos e que precisam cuidar
do lar, após a jornada de trabalho.
A literatura traz várias formas de classificar o cuidador: por grau de parentesco
com o idoso; pelo tipo de ajuda proporcionada; pela freqüência dessa ajuda e pelo
tipo de arranjo de moradia, dentre outros.
Conforme Guedes (2000:77), os cuidadores de idosos são definidos como
“Pessoas que se ocupam de idosos com incapacidades funcionais e sérias perdas
de autonomia...”
O cuidar de uma pessoa idosa pode gerar estresses, que afetarão a vida do
cuidador em vários aspectos. A experiência diária de cuidar de um idoso bastante
dependente traz, aos cuidadores, transtornos psicológicos, como sentimentos de
tristeza, de desesperança, de exaustão e de frustração, geralmente acompanhados
de sintomas de ansiedade, irritabilidade e preocupação com a saúde do idoso, de
seus familiares e de sua própria, dentre outros.
De acordo com o modelo de estresse situacional de Shelby-Lane (apud
Souza, Meira e Néri et al: 2004), “o idoso dependente cria estresses físicos, mentais e financeiros em seus cuidadores, podendo levá-los à exaustão, depressão,
hostilidade, raiva e até torná-los violentos”. Podemos dizer que os eventos
estressores da relação de cuidado com o idoso em geral podem ser classificados em
dois tipos:
Nos eventos estressores secundários, há eventos de contexto, ligados à
composição da família e da rede de relações pessoais, à disponibilidade de apoio
profissional, ao nível de renda da família, à escolaridade, ao gênero, à idade, à
saúde, à ocupação do cuidador, à sua personalidade, à história de relacionamento
entre o cuidador e o idoso e às atitudes de ambos com relação ao cuidado.
Enfim, todos esses eventos se combinam para constituir a relação
cuidador/idoso dependente como uma situação que poderá resultar tanto em uma
dinâmica do processo de cuidar saudável como em não-saudável (SOUZA; MEIRA;
NÉRI et al., 2004). Mas de acordo com Freitas et al. (2002:778-790), não se pode pensar que o ato de cuidado ofereça somente efeitos negativos aos cuidadores
domiciliares e aos cuidadores profissionais, levando a sérios problemas de saúde.
Segundo Yalon e Vinagradov (1991:17-26), o estresse diminui quando se sabe lidar
com o idoso; para isso, no entanto, é necessário que o cuidador tenha o máximo de
informações sobre a patologia para que entenda que o comportamento do idoso é
conseqüência da doença e não uma atitude para irritá-lo e provocá-lo.
Embora a grande maioria dos idosos seja portadora de, pelo menos, uma
doença crônica (Ramos et al., 1993), nem todos ficam limitados por essas doenças, e muitos levam vida perfeitamente normal, com as suas enfermidades controladas e
expressa satisfação na vida. Um idoso com uma ou mais doenças crônicas pode ser
considerado um idoso saudável, se comparado com um com as mesmas doenças,
porém sem controle destas, com seqüelas decorrentes e incapacidades associadas.
Se o idoso tem a capacidade de determinar e executar seus próprios
desígnios, ou seja, qualquer pessoa que chegue aos oitenta anos capaz de gerir sua
própria vida e determinar quando, onde e como se darão suas as atividades de
considerada uma pessoa saudável. A prioridade não é saber se essa mesma pessoa
é hipertensa, diabética, cardíaca e que toma remédio para depressão infelizmente
uma combinação bastante freqüente nessa idade. O importante é que, como
resultante de um tratamento bem-sucedido, ela mantém sua autonomia, é feliz,
integrada socialmente e, para todos os efeitos, uma pessoa idosa saudável.
O envelhecimento útil e feliz não pode ser apenas uma utopia, cabe à
sociedade e ao poder público, a responsabilidade de redefinir sócio-culturalmente o
significado da velhice, possibilitando a restauração ou a conservação da dignidade
para esse grupo etário. Cabe se o compromisso aos cuidadores em geral e aos
estudiosos repensarem a velhice tanto mais a situação asilada pois como diz
Haddad (1993:115) “se a sociedade inventou a velhice”, devemos em conjunto com