• Nenhum resultado encontrado

ACUMULAÇÃO DO SISTEMA-MUNDO CAPITALISTA

3.1. ASPECTOS CONTEMPORÂNEOS DOS CICLOS HISTÓRICOS DE ACUMULAÇÃO

Optamos por cingir o presente capítulo em duas seções: na primeira abordar-se-á a forma como a reconstrução histórica lançada no primeiro capítulo impacta o objeto de pesquisa, que é a crise contemporânea dos resíduos sólidos no município de Ponta Grossa/PR; a segunda pretende-se cumprir propriamente o objetivo geral da presente pesquisa, por meio da confrontação das proposições da racionalidade global mercantilizada com a política de resíduos sólidos do município de Ponta Grossa/PR, tendo como eixos ou categorias de análise, definidas a partir da identificação das “macro estratégias” empregadas pela racionalidade mercantil globalizada: 1) Soluções de ajuste econômico, na qual a solução reside na internalização do passivo ambiental; 2) Individualização da solução, por meio do apontamento e hipervalorização da responsabilidade dos indivíduos no trato da problemática ambiental e em especial dos resíduos sólidos, instituída inclusive como requisito para o exercício de uma “cidadania global” (LEITE e FONTANA, s.d.); 3) Salvação da ecoeficiência, com soluções pautadas estritamente no uso e aprimoramento de tecnologias; 4) Primazia pela sustentabilidade ambiental, em que identificamos uma prevalência da sustentabilidade ambiental em face da sustentabilidade social e onde há uma preocupação no trato da problemática dos resíduos sólidos que opera realizando um corte na totalidade socioambiental, ou seja, trabalha a questão ambiental olvidando-se da problemática social, de modo que ao tentar resolver um problema, acaba por criar outros, ainda mais complexos.

3.1. ASPECTOS CONTEMPORÂNEOS DOS CICLOS HISTÓRICOS DE ACUMULAÇÃO

A análise dos ciclos históricos que lançamos no primeiro capítulo permitiu- nos a compreensão do fenômeno estudado em função de determinantes externos que influem na sua existência e dinâmica.

Remontar a história com base numa perspectiva ambiental forneceu importantes pistas para compreendermos a problemática dos resíduos sólidos no Brasil e, em especial, no município de Ponta Grossa/PR. Isto ocorre porque podemos associar o fenômeno estudado à síntese das determinações históricas (e maiores) que o conformam, e, assim, possibilitarmos uma melhor e mais rica análise e explicação do objeto de pesquisa.

A reconstrução histórica guiada pelo viés ambiental deu-nos, então, o pano de fundo do atual desafio ambiental.

Os ciclos sistêmicos capitalistas nos levaram a sua última fase, consubstanciada na ideia de “desenvolvimento sustentável”. O olhar histórico não nos permite perder de vista as intencionalidades imbricadas no ciclo contemporâneo de acumulação e algumas de suas contradições atuais.

As características qualitativas da economia pontagrossense e sua localização no estrato semiperiférico do sistema-mundo nos dá a dimensão da colonialidade ainda presente, mesmo que num sentido mais geral, como abordaremos mais adiante. Esta classificação é feita com base na renda per capita e no PIB. O município de Ponta Grossa/PR possui mesma classificação do Brasil, apontado pelos estudos de Arrighi (apud AREND, 2012) como Estado semiperiférico no sistema-mundo capitalista.

Diante da forma como racionalidade mercantil globalizada foi se inserindo na dinâmica sócio-econômica e cultural da cidade, ainda existe uma dinâmica de interdependência no mundo baseada no sistema de relações hierárquicas de poder, que possui o moderno no topo e o colonial na base. Vimos como a disputa pela melhor colocação no sistema-mundo capitalista impôs ao Brasil e também ao município de Ponta Grossa/PR, por meio de uma coerção político-econômica, a instituição de uma política de resíduos sólidos, justamente para lhe conferir maior competitividade nos mercados internacionais a partir não só da derrubada das barreiras comerciais, mas também com a padronização dos sistemas de produção e outros meios que verificamos no segundo capítulo.

A dinâmica operada pelo atual ciclo sistêmico de acumulação capitalista implica obrigatoriamente numa divisão qualitativa do trabalho e do passivo ambiental entre os Estados que compõe a unidade geográfica do sistema. De acordo com Arienti e Filomeno (2006) a relação centro-periferia baseia-se numa divisão axial do

trabalho entre as várias regiões da economia-mundo capitalista, onde são desenvolvidas as etapas das cadeias mercantis. A economia-mundo capitalista produz em território pontagrossense e também estimula o consumo neste mesmo território; suas atividades mercantis levam com seus produtos as riquezas pontagrossenses como o ar, a água, o solo e outros elementos da biodiversidade para países centrais, deixando para trás um elemento extremamente simbólico que é o resíduo: a escória das atividades humanas em sociedade.

Este processo evidencia a exploração da natureza e dos homens que estão do lado da colonialidade, fazendo com que as benesses da natureza sejam deslocadas, com base numa relação hierárquica de poder estabelecida no sistema- mundo. A sustentabilidade dos Estados centrais continua sendo feita às custas da insustentabilidade dos países periféricos e semiperiféricos, como temos visto também em Ponta Grossa/PR. É assim que o estatuto colonial da modernidade continua distribuindo de modo desigual os proveitos e os rejeitos do seu progresso (PORTO-GONÇALVES, 2013).

Há, ainda, e como veremos melhor no decorrer deste derradeiro capítulo, o colonialismo no sentido sociocultural, consubstanciado na imposição (ainda que inconsciente) de atitudes do cotidiano a um grupo ou aos indivíduos de um território, região ou país, por meio da manipulação e imposição de uma racionalidade para todos os Estados-membros do sistema-mundo (aqui com forte participação dos meios de comunicação na difusão desta racionalidade), fazendo com que muitas vezes estes grupos sejam desapossados de parte dos seus bens culturais. O resultado é que, neste momento histórico, não sabemos lidar com a natureza de outra forma que não seja efetivando as proposições do desenvolvimento sustentável. O colonialismo sociocultural subtraiu de nós a capacidade de construirmos nossa própria racionalidade, de pensarmos de forma mais profunda e crítica nossa relação com a natureza e de propor soluções.

Alguns autores da economia verde afirmam inclusive que:

Entre os principais entraves para um desenvolvimento sustentável global estão as diferentes maneiras de os diferentes povos relacionarem-se com a natureza e utilizarem os recursos naturais, os diferentes valores e crenças dos diferentes povos – que influenciam o modo de conceber conceitos como qualidade de vida, qualidade ambiental, necessidades, prioridades, progresso, desenvolvimento, entre outros: as crenças, a existência de culturas hostis à preservação da natureza, ou a qualquer tipo de

aproximação de outras comunidades (TENERELLI; SILVA e PAIVA, 2008, p. 114).

Ou seja, a diversidade cultural e a existência de outras racionalidades ambientais representam um entrave à racionalidade mercantil, que com ela competiriam e eventualmente não se inclinariam necessariamente ao desenvolvimento e ao consumo. Por isso o objetivo desta racionalidade de se difundir e formar uma unidade que seja globalizada: o intuito continua sendo a dominação e ampliação dos adeptos ao crescimento e desenvolvimento econômico.

Foi neste sentido que deixamos para trás conhecimentos, saberes e culturas que se relacionaram e se relacionam com a natureza de forma harmônica na história (como a racionalidade ambiental dos indígenas e outros grupos) para nos apropriarmos de forma acrítica de uma racionalidade que na verdade desconhecemos, já que suas contradições não emergem no plano do senso comum.

A conotação imperialista (verde) também subsiste nesta dinâmica contemporânea, ainda que de outra forma: as revoluções constantes nos processos de produção e as vantagens locacionais do município de Ponta Grossa/PR aprofundam a exploração da natureza neste território, fazendo com que o fluxo de matérias-primas e de energia continue a fluir no sentido colonial tradicional, ou seja, as riquezas da natureza aqui presentes continuam sendo deslocadas para os países centrais do sistema-mundo, restando aos países periféricos e semiperiféricos o caos socioambiental. Alier (2012, p. 31), em alusão ao seu livro “Ecologismo dos Pobres”, no qual discute a questão ambiental dos países marginais do sistema-mundo, narra o seguinte fato:

Os verdes alemães, que eram internacionalistas, uniram-se ao movimento europeu da ecoeficiência. Em 1998, um amigo meu, Domingo Jiménez Beltrán, diretor executivo da Agência Ambiental Européia, fez um discurso no Instituto Wuppertal intitulado “Ecoeficiência, a resposta européia ao desafio da sustentabilidade”. Eu o contestei dizendo-lhe que escreveria um livro sobre “Ecojustiça, a resposta do Terceiro Mundo ao desafio da sustentabilidade”. Trata-se justamente deste livro.

Assim, a partir dos limites de uma razão insustentável, a história se abre para uma ressignificação:

A transição para a sustentabilidade implica a necessidade de superar a ideia da transcendência histórica que repousa na razão econômica como

um processo de superação dialética do reino da necessidade, fundado na racionalidade científica e instrumental que mobiliza o desenvolvimento das forças produtivas como um processo natural de evolução que avança para estágios superiores de desenvolvimento (LEFF, 2013, p. 404).

Esta necessidade de superação do atual ciclo de acumulação se perde, portanto, quando a análise leva em conta apenas a dinâmica contemporânea da realidade. Temos, portanto, que a superação deste cenário não nos permite perder de vistas os processos históricos imbricados, pois é a história que ressalta a dominação (da natureza e dos homens) e nos faz lembrar que ainda estamos aprisionados a uma forma de pensar e de se relacionar com a natureza que, além de não ser nossa, não nos tem servido.

3.2. A POLÍTICA DE RESÍDUOS SÓLIDOS DO MUNICÍPIO DE PONTA