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A expressão “função social da propriedade” se difundiu a partir das lições de Léon Duguit durante uma série de conferências que proferiu na cidade de Buenos Aires em 1911, as quais foram reunidas no seu livro Las transformaciones generales del derecho privado desde el Código de Napoleón. Como observa Moraes (1996, p. 81), Duguit partiu do magistério de Auguste Comte e de Èmile Durkheim, no sentido de negar a existência de qualquer direito subjetivo e afirmar que as pessoas em sociedade, ao contrário, só têm deveres para com os demais membros, o que se expressa na seguinte passagem:

El hombre no tiene derechos; la colectividad tampoco. Pero todo indivíduo tiene en la sociedad una cierta función que cumplir, una cierta tarea que ejecutar. Y ese es precisamente el fundamento de la regla de derecho que se impone a todos, grandes y pequeños, gobernantes y gobernados. (DUGUIT, 1920, p. 35-36):

Para Duguit (1920, p. 168-169), a propriedade é uma instituição jurídica que se formou para responder a uma necessidade econômica, como todas as instituições jurídicas, e evolui necessariamente no mesmo ritmo que as necessidades econômicas. Essa evolução é determinada por uma interdependência cada vez mais estreita dos diferentes elementos sociais, o que implica duas consequências: primeiro, a propriedade individual deixa de ser um direito do indivíduo para converter-se em uma função social; em segundo lugar, os casos de afetação da riqueza para as coletividades, que juridicamente devem ser protegidas, são cada vez mais numerosos.

Duguit observa que a concepção civilista da propriedade como direito absoluto, a propriedade-direito, acarreta as seguintes consequências:

En primer lugar, el propietario, al tener el derecho de usar, de gozar y de disponer de la cosa, tiene por eso mismo el derecho de no usar, de no gozar, de no disponer, y por consiguiente de dejar sus tierras sin cultivar, sus solares urbanos sin construcciones, sus casas sin alquilar y sin conservar, sus capitales mobiliarios improductivos. (DUGUIT, 1920, p. 173)

Segundo o autor (1920, p. 177), essa concepção da propriedade, formulada para proteger a afetação da riqueza somente em referência ao indivíduo, desconsidera que este “no es un fin, sino un medio; que el individuo no es más que una rueda de la vasta máquina que constituye el cuerpo social”, com o dever de empregar sua atividade física, intelectual e moral no desenvolvimento da interdependência social. A partir dessa constatação de que o homem em sociedade não é um fim, mas um meio, e considerando a profunda interdependência social que liga todos (MORAES, 1996, p. 82), a propriedade torna-se para o seu titular uma espécie de dever, pois este deve empregar a riqueza que possui no sentido de manter e aumentar a interdependência social (DUGUIT, 1920, p. 178).

Consequentemente, defende que cada indivíduo tem a obrigação de cumprir na sociedade uma certa função em razão direta do lugar que nela ocupa. Nesse sentido o possuidor da riqueza, pela sua condição mesma, pode desempenhar um trabalho que só ele pode realizar, conforme observação do mesmo autor:

Sólo él puede aumentar la riqueza general haciendo valer el capital que posee. Está, pues, obligado socialmente más que si la cumple y en la medida que la cumpla. La propiedad no es, pues, el derecho subjetivo del propietario; es la función social del tenedor de la riqueza. (DUGUIT, 1920, p. 178)

Cabe aqui registrar a observação de Moraes (1996, p. 83) quando diz que Duguit foi forçado a admitir que nenhuma legislação de seu tempo impôs ao proprietário a obrigação de cultivar o campo, de conservar sua casa, de fazer valer seus capitais, mas tal situação não o intranquilizava porque os próprios países desenvolvidos garantiam esses resultados através de estímulos de mercado. Ademais, para Duguit, caso aqueles resultados não ocorressem quando os reclamasse o interesse social, a intervenção do legislador seria legítima.

Moraes (1996, p. 83) também enfatiza que Duguit substituiu a expressão “direito subjetivo de propriedade” por “propriedade-função”, mas ao mesmo tempo não negou que esta também deveria satisfazer as necessidades individuais do proprietário ou possuidor. É o que se depreende das próprias palavras de Duguit (1920, p. 186):

Ante todo, el propietario tiene el deber y el poder de emplear la riqueza que posee en la satisfación de sus necesidades individuales. Pero, bien entendido, que no se trata más que de los actos que corresponden al ejercicio de la libertad individual, tal como

anteriormente la he definido, es decir, al libre desenvolvimiento de la actividad individual. Los actos realizados en vista de este fin serán protegidos. Aquellos que no tienen este fin, y que, por otra parte, no persiguen un fin de utilidad coletiva, serán contrarios a la ley de la propiedad y podrán dar lugar a una represión o a una reparación.

Feitas essas considerações acerca do desenvolvimento da ideia de função social da propriedade a partir de Duguit, embora sob uma perspectiva sociológica, torna-se oportuno analisá-la no âmbito da Constituição Federal de 1988 sob um viés jurídico.

Não há dúvida de que a função social da propriedade, de acordo com a Carta de 1988, é um princípio fundamental constitucional, tendo em vista a sua positivação (como princípio) em virtude de uma decisão política do Poder Constituinte. Essa inscrição positiva ocorre em dois momentos: a função social da propriedade referida no artigo 5º, inciso XXIII, da Constituição – “a propriedade atenderá a sua função social”, dispositivo inserido no Capítulo I (Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos) do Título II (Dos Direitos e Garantias Fundamentais); e aquela referida no artigo 170, inciso III, no Capítulo I (Dos Princípios Gerais da Atividade Econômica) do Título VIII (Da Ordem Econômica e Financeira), assim redigido:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

[...]

III - função social da propriedade.

A referência constitucional contida no inciso XXIII do artigo 5º assegura a função social da propriedade como princípio fundamental, condicionando a proteção do interesse individual do proprietário ao cumprimento de sua função social, o que representa um pressuposto para a tutela de sua situação proprietária. De acordo com Lucas da Silva Santana (2012, p. 62), o princípio ora em comento é norma jurídica construída a partir da interpretação da cláusula geral constante do artigo 5º, inciso XXIII, da Constituição Federal, a qual não oferece ao intérprete elementos suficientemente necessários para que ele proceda à conformação da norma jurídica a construir (o princípio da função social). Assim, na concretização da cláusula geral da função social, “não se pode deixar de prestigiar a finalidade concreta da norma, a pré-compreensão do intérprete, os precedentes e, ainda, o consenso social sobre [...] a função (fim) social que devem cumprir os bens objeto do domínio” (SANTANA, 2012, p. 63).

Mais adiante o mesmo autor (SANTANA, 2012, p. 89) pondera que o princípio da função social da propriedade opera, com relação ao núcleo da dimensão subjetivo-individual, “como um mandato de ponderação objetiva dirigido ao legislador que determina que este tenha em consideração interesses proprietários e não-proprietários ao proceder à conformação da situação proprietária”. Em outras palavras, na ótica do autor, exige o princípio o exercício de atividade legislativa para que possa ser aplicado, “o que torna correto afirmar que aquele princípio não produz, de regra, sem o intermédio de atividade legislativa, efeitos sob a situação proprietária” (Idem, p. 90).

Esse entendimento decorre da justificativa de que o órgão legislador é o mais legitimado democraticamente para promover a regulação porque permite a influência dos diversos segmentos da sociedade pluralista no procedimento de emanação de normas, de modo que todas as vertentes políticas tenham voz nesse processo. “Essa atividade do legislador consubstancia uma conformação, pois, as normas construídas a partir das leis editadas destinam-se a completar, precisar, concretizar o conteúdo da situação proprietária”. (SANTANA, 2012, p. 93)

A consequência lógica dessa esteira de compreensão é a de que o juiz não tem competência para promover uma interpretação e concretização direta do princípio da função social da propriedade. O Poder Judiciário estaria adstrito a opção valorativa do legislador, pois segundo Pietro Barcellona, citado por Santana (2012, p. 94), o juiz não tem competência para efetuar estas valorações de política econômica e social, e não tem mandato para tanto, já que não é representante do povo, este sim determinado pela coletividade a ser intérprete do modo de compreensão dos objetivos sociais. Apenas em hipóteses excepcionais poderia o magistrado promover a concretização direta do princípio da função social da propriedade, como “proceder à desaplicação de disposições legislativas nascidas como expressões de uma filosofia individualista ou que sejam atuativas de uma função social diversa daquela constitucional” (SANTANA, 2012, p. 95).

Entendimento semelhante se depreende da observação do atualizador de Orlando Gomes (2005, p. 128), Luiz Edson Fachin, no sentido de que o preceito constitucional do artigo 5º, inciso XXIII, não tem valor normativo:

A resposta segundo a qual a função social da propriedade é antes uma concepção com eficácia autônoma e incidência direta no próprio direito consente elevá-la à dignidade de um princípio que deve ser observado pelo intérprete, tal como sucede em outros campos do Direito Civil, como o princípio da boa-fé nos contratos. É verdade que assim considerada se torna uma noção vaga, que todavia não é inútil na

medida em que inspira a interpretação da atividade do proprietário. Nessa ótica, a ação do juiz substitui a do legislador, do Congresso ou da Administração Pública. O comportamento profissional do magistrado passa a ser, no particular, “uma ação de invenção e de adaptação”, como se exprime Lanversin definindo a ação pretoriana como um meio de realizar a modernização do direito. É verdade que, nessa colocação, se corre o risco de um uso alternativo do direito ou de uma resistência empedernida. Como quer que seja, o preceito constitucional que atribui função social à propriedade não tem valor normativo porque não se consubstancia nas normas restritivas do moderno direito de propriedade, mas simplesmente se constitui no seu fundamento, na sua justificação, na sua ratio.

Ocorre que a previsão contida no artigo 5º, inciso XXIII, constitui uma garantia fundamental, e como tal, independe de ulterior atividade legislativa, pois como já dito anteriormente, ao princípio-garantia (denominação de Canotilho) é atribuída uma densidade de autêntica norma jurídica e uma força determinante, positiva e negativa e que se traduz no estabelecimento direto de garantias para os cidadãos. Filiada a esse entendimento, deve ser compartilhada a observação de Torres (2008, p. 235) no sentido de que:

Não há que se esperar qualquer legislação complementar à Constituição ou ao Código Civil para dar efetividade ao princípio da função social porque, como garantia fundamental (art. 5º inc. XXIII), tem ele aplicabilidade imediata, nos termos do § 1º do mesmo artigo, o que impõe ao intérprete e aplicador encontrar métodos e formas de conjugar o privado com o social no direito de propriedade.

Portanto, a despeito de constituir um conceito vago e impreciso, o princípio da função social da propriedade consignado no art. 5º, inciso XXIII, possui eficácia plena e aplicação imediata, porque vincula efetivamente tanto o Estado como os particulares, produzindo, de pronto, todos os seus efeitos, de sorte que não representa mera recomendação ao legislador. Comunga idêntica posição José Afonso da Silva (2005, p. 282), quando assinala que:

A norma que contém o princípio da função social da propriedade incide imediatamente, é de aplicabilidade imediata, como o são todos os princípios constitucionais. A própria jurisprudência já o reconhece. Realmente, afirma-se a tese de que aquela norma tem plena eficácia, porque interfere com a estrutura e o conceito de propriedade, valendo como regra que fundamenta um novo regime jurídico desta, transformando-a numa instituição de Direito Público, especialmente, ainda que nem a doutrina nem a jurisprudência tenham percebido o seu alcance, nem lhe dado aplicação adequada, como se nada tivesse mudado.

Orlando Gomes reconhece que o qualificativo “social” da expressão “função social” é um parâmetro elástico que permite ao legislador ou ao juiz avaliar situações jurídicas relacionadas às atividades econômicas de modo a promover a integração do indivíduo à coletividade, ou seja, do privado com o social.

Já o adjetivo que qualifica a função tem significado mais ambíguo. Desaprovando a fórmula negativa de que social é equivalente a não-individualístico, aplaude o emprego, para defini-lo, como critério de avaliação de situações jurídicas ligadas ao desenvolvimento de determinadas atividades econômicas, para maior integração do indivíduo na coletividade. Em substância: como um “parâmetro elástico” por meio do qual se transfere para o âmbito legislativo ou para a consciência do juiz certas exigências do momento histórico, nascidas como antítese no movimento dialético da aventura da humanidade. (GOMES, 2005, p. 125)

José Diniz de Moraes (1996, p. 62) também considera que a função social da propriedade como princípio-garantia encontra-se consagrada no artigo 5º, inciso XXIII, da Constituição e se reflete em dois sentidos diversos: “garante ao proprietário a inviolabilidade do seu domínio quando a satisfaz, impedindo que o legislador ou o administrador público empreenda disciplina e atividade diversos, sob o mesmo fundamento”; e, ao mesmo tempo, “garante aos interessados (particulares, administradores, legisladores, magistrados) medidas idôneas a combater atos incompatíveis com o fundamento da atribuição do domínio, ou em razão dele, quando não atendido o princípio da função social da propriedade”.

O mesmo autor cita como exemplo do primeiro termo o artigo 185, inciso II, da Constituição, que impede a desapropriação para fins de reforma agrária da propriedade produtiva; como exemplo do segundo sentido, se reporta ao artigo 243, o qual prevê o confisco de glebas onde forem encontradas culturas ilegais de plantas psicotrópicas, sem qualquer indenização ao proprietário.

Como princípio da Ordem Econômica, previsto no artigo 170, inciso III, a função social da propriedade é “mola propulsora da atividade legislativa e administrativa” (MORAES, 1996, p. 60), ou seja, um princípio jurídico conformador que “expressa uma valoração política fundamental do constituinte acerca da atividade econômica” (MORAES, 1996, p. 61). É princípio constitucional impositivo, de acordo com a classificação de Canotilho, porque cumpre dupla função, como instrumental e como objetivo específico a ser alcançado (GRAU, 2010, p. 237).

De acordo com Eros Grau (2010, p. 237), o princípio da função social da propriedade tem como pressuposto necessário a propriedade privada dos bens de produção. Enquanto instrumento a garantir a subsistência individual e familiar, ou seja, a dignidade da pessoa humana, a propriedade, segundo o autor (GRAU, 2010, p. 240), consiste em um direito individual e, portanto, cumpre função individual, de sorte que a função social somente incide sobre os bens de produção. Quando a propriedade de bens excede o quanto caracterizável como propriedade afetada por função individual, sobre ela incide a função social, entendida

como excedente desse padrão a propriedade detida para fins de especulação ou acumulada sem destinação ao uso para o qual foi criada (GRAU, 2010, p. 243).

É bem verdade que o constituinte de 1988 consignou o princípio da função social da propriedade ao mesmo tempo como atributo da personalidade (art. 5º, inciso XXIII), como também enquanto elemento integrante da ordem econômica (art. 170, inciso III). Isso implica dizer que “perante a experiência jurídica brasileira não se deve identificar o princípio constitucional ora em comento apenas com a necessidade de satisfação de interesses econômicos, sejam estes de quaisquer espécies” (SANTANA, 2012, p. 69). Todavia, não há como negar que a função social incide diretamente sobre a propriedade dos bens de produção, pois sobre ela convergem outros interesses que vão além daqueles do proprietário.

Como observa Giovanni Coco, citado por GRAU (2010, p. 242):

A moderna legislação econômica considera a disciplina da propriedade como elemento que se insere no processo produtivo, ao qual converge um feixe de outros interesses que concorrem com aqueles do proprietário e, de modo diverso, o condicionam e por ele são condicionados.

Orlando Gomes chama a atenção para o fato de que a funcionalização da propriedade não tem inspiração socialista, como se supõe, pois “é um conceito ancilar do regime capitalista” (GOMES, 2005, p. 126-127). Isso porque, explica o autor, “legitima o lucro ao configurar a atividade do produtor da riqueza, do empresário, do capitalista, como exercício de uma profissão no interesse geral” (Idem, p. 126-127), de modo que “seu conteúdo essencial permanece intangível, assim como seus componentes estruturais”. E conclui afirmando que “a propriedade continua privada, isto é, exclusiva e transmissível livremente”, pois “do fato de poder ser desapropriada com maior facilidade e de poder ser nacionalizada com maior desenvoltura não resulta que a sua substância se estaria deteriorando”.

Em outras palavras, corroborando o entendimento supra, Grau (2010, p. 252) afirma que “a consagração do princípio da função social da propriedade, em si, tomada isoladamente, pouco significa, ao [sic] par de instrumentar a implementação de uma aspiração autenticamente capitalista: a de preservação da propriedade privada dos bens de produção”. O próprio artigo 170 da Constituição Federal de 1988 revela a opção do Estado brasileiro em adotar um sistema econômico fundado na iniciativa privada, o que revela a sua opção pelo sistema capitalista ao assegurar a apropriação privada dos bens de produção como consectário lógico da livre iniciativa.

Porém, essa preservação da propriedade privada não significa mantê-la com os mesmos contornos de sua configuração clássica, isto é, como direito absoluto, exclusivo,

perpétuo e ilimitado. A partir do momento em que o constituinte inseriu a propriedade privada como um dos princípios da ordem econômica, relativizou o conceito de propriedade, “submetendo-o aos ditames da justiça social, de sorte que se pode dizer que ela só é legítima enquanto cumpra uma função dirigida à justiça social,” conforme observação de José Afonso da Silva (2005, p. 404). Como afirma Santana (2012, p. 82), o princípio da função social “é o meio através do qual os interesses não-proprietários podem interferir na forma de utilização dos bens, o que ameniza o efeito excludente da atribuição a certa(s) pessoas(s) da titularidade formal da propriedade de certos bens”.

Uma decorrência lógica do princípio da função social da propriedade é a de que o interesse coletivo, cuja proteção impõe o aludido princípio, deve ser protegido de forma que também reste preservado o interesse privado do proprietário, “bastando apenas que a satisfação daquele possa coexistir com a realização deste” (SANTANA, 2012, p. 100). Daí porque o princípio impõe que as atividades do proprietário se desenvolvam de modo a permitir a ótima utilização dos recursos postos a sua disposição, promovendo o estabelecimento de relações sociais mais equitativas.

Observa-se então que essa conciliação entre os interesses proprietários e não- proprietários já havia sido preconizada por Duguit no início do século XX, significando que a função social da propriedade não implica uma supressão dos poderes tradicionalmente inerentes ao domínio. Apenas significa que o espaço de autonomia do indivíduo deve ser diminuído na medida em que se tornam justificadas as intervenções na situação proprietária com o objetivo de assegurar interesses não-proprietários que se afigurem mais relevantes, o que será determinado pela análise do caso concreto e requererá o equilíbrio dos interesses em conflito, de forma a atender tanto aos anseios do seu titular quanto os da coletividade.

Marcos Alcino Torres indica o que se revela importante apreciar no conflito de interesses, a fim de se constatar se a propriedade está ou não cumprindo sua função social:

Na prática, então, será necessário, no conflito de interesses (que convencionamos chamar de menor intensidade social), estabelecer quando determinados bens estão afetados à função individual, (que, na realidade, cumpre assim sua função social), e quando esses mesmos bens excedem ao padrão necessário à função individual, pois aqui sim, o princípio de função social terá aplicação, mas em desfavor do proprietário que não o estiver observando.

Por certo que a decisão a respeito deverá ser dada pelo Poder Judiciário, órgão incumbido pelo Estado para dirimir os conflitos de interesses. Somente no exame do caso concreto é que se poderá afirmar se determinada propriedade está cumprindo função social, mesmo no interesse individual do titular, ou se está indevidamente retida, para fins de especulação, ou acumulada sem destinação ao uso para o qual se volta. (TORRES, 2008, p. 228)

No tocante à propriedade rural, a análise da afetação do bem no caso concreto não prescindirá da verificação conjunta do cumprimento dos requisitos fixados pelo constituinte e pelo legislador infraconstitucional para que a propriedade atenda a sua função social, o que será mais detidamente analisado a seguir.