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Aspectos Geoeconômicos das Principais Regiões Industriais

Analisando a partir dum ponto de vista geográfico, é interessante notar que a maioria das indústrias catarinenses, assim como as microcervejarias, está localizada em regiões de formações socioeconômicas e espaciais muito semelhantes aqui em Santa Catarina. Ou seja, o Vale do Itajaí, o Norte, o Oeste e, até mesmo, o Sul de Santa Catarina possuem características muito parecidas, no que dizem respeito à ocupação, organização e uso do território para o seu desenvolvimento socioeconômico. Entre as principais, já destacadas anteriormente, estão a colonização europeia, iniciada com a chegada dos imigrantes europeus (alemães, suíços, austríacos, italianos, poloneses etc.) na primeira metade do século XIX; a predominância dos minifúndios, herança da forma praticada na época da colonização para a distribuição de pequenos lotes para os colonos/imigrantes europeus; a mão de obra qualificada, já que o contingente europeu trazia consigo práticas, técnicas e conhecimentos mais avançados de uma Europa em plena Segunda Revolução Industrial; e a economia dinâmica e desenvolvida, quando se criaram as condições ideais para o surgimento das bases capitalistas nas colônias. Por outro lado, enquanto que em regiões de diferente formação socioespacial, como o Litoral, o Norte e o Planalto Serrano, onde a estrutura fundiária e a organização socioeconômica são diferentes, as microcervejarias são menos presentes e, consequentemente, menos importantes do ponto de vista socioeconômico para estas regiões catarinenses.

Provavelmente, uma distinta formação socioeconômica e espacial representa um importante fator para determinar a localização destas e de outras atividades econômicas numa ou noutra região de Santa Catarina, já que

[...] a dinâmica de um espaço geográfico qualquer precisa ser compreendida à luz dos processos sociais que a engendraram, sem, contudo, esquecer as características naturais que ofereceram as bases para o seu desenvolvimento. (PEREIRA, 2003, p. 101).

Isto ajuda a compreender os exemplos acima acerca do desenvolvimento diferenciado ocorrido nas regiões catarinenses e a relacioná-los com a atualidade socioeconômica de Santa Catarina, já que as características resultantes deste processo são bastante visíveis nas diferentes regiões catarinenses, sendo que as regiões de colonização europeia foram as que mais rápida e intensamente se industrializaram e desenvolveram. Se forem comparadas as figuras 13 e 14 a seguir, ficam nítidas as diferentes origens da colonização e ocupação do território catarinense, que se refletem na divisão política de suas atuais regiões e, respectivamente, na formação socioeconômica e espacial de cada uma delas, como se pode constatar em ambas as figuras.

Figura 13 – Mapa da Origem do Povoamento em Santa Catarina

Fonte: ATLAS de Santa Catarina. Florianópolis: SEPLAN/SC, 1986. Figura 14 - Regiões de Santa Catarina

Fonte: REGIÕES de Santa Catarina. Disponível em: <http://wikitravel.org/upload/shared/4/40/Regions_of_Santa_Catarina_( pt).png>. Acesso em: 20 de junho de 2010.

No que diz respeito à realidade catarinense na época da colonização, da definição do uso do território e das atividades econômicas nestas regiões de imigração europeia, pode-se dizer neste sentido, que os estímulos estatais ao estabelecimento e desenvolvimento da indústria catarinense foram essenciais e, mesmo que por muitas vezes eles tenham sido de forma indireta, tal fenômeno não teria ocorrido sem isto. Como foi discutido anteriormente mais a fundo, o Estado foi, portanto, um dos responsáveis pelo advento da indústria em Santa Catarina, especialmente por concentrar os imigrantes europeus em determinadas regiões de seu território, que viriam a moldar as diversas dinâmicas regionais, conceber suas distintas formações socioeconômicas e espaciais e, por fim, industrializá-las.

Desta forma, deve-se levar em consideração um importante fator, que sem o qual nem o Estado e nem as empresas seriam protagonistas de tal processo e merece ser destacado numa análise da atual realidade catarinense: a formação social, econômica e espacial aqui presente. Tal método, empregado inicialmente por Santos e Mamigonian no Brasil e difundido atualmente na geografia brasileira, permite analisar e compreender melhor a industrialização brasileira e, consequentemente, a catarinense, incluindo o desenvolvimento de diversos setores industriais, inclusive o setor cervejeiro catarinense no caso deste trabalho.

Levando em conta tais considerações, Silva (2003, p. 169) destaca, que

Uma vez consolidado o capital industrial regional, este logrou contar, para o fortalecimento de sua capacidade concorrencial, notadamente nos períodos do milagre econômico e do II PND [Plano Nacional de Desenvolvimento] do governo Geisel [1974- 1979], com importantes estímulos financeiros por parte dos poderes públicos, tanto em escala estadual (Fundesc, Procape) quanto federal (BNDES). Porém, seu poder de concorrência nacional e, mesmo, internacional não pode, como geralmente querem aqueles que minimizam a importância da categoria de formação social, ser limitado a tais estímulos. Aliás, se assim se procede, a própria ação estatal fica sem ser corretamente compreendida, tendo-se em geral uma leitura dela como a de uma ação demiúrgica, que se coloca acima do funcionamento real da

economia regional. É preciso, pois, entender que tais estímulos vão permitir que as empresas da região levem a efeito um movimento de modernização no que concerne à organização da produção (estrutura técnica e administrativa, tecnologia de produtos e processos, organização social da produção, etc.). Esta organização da produção, porém, tem seu funcionamento em boa medida ligado à formação sócio-espacial regional, à unidade contraditória das continuidades e descontinuidades históricas regionais – e que certamente se imbricam com aquelas da formação social nacional – o que permite, pois, caracterizar nossa industrialização regional como desigual e combinada.

Assim sendo, a industrialização e o desenvolvimento econômico destas áreas de colonização europeia, em especial a grande área de colonização alemã correspondente ao Vale do Itajaí e Nordeste de Santa Catarina – foco deste estudo -, não deve ser compreendida somente pelo papel do Estado ou do empresariado de origem estrangeira, mas acima de tudo a partir das determinações da formação socioespacial enraizada nestas regiões, sendo esta combinação de fatores o sucesso de vários setores industriais catarinenses na atualidade, muitos deles discutidos anteriormente.

Além disto, no que tange à industrialização do Brasil e de Santa Catarina, pode-se afirmar que

[...] os fortes subsídios governamentais – eles mesmos a expressão mais acabada da via prussiana de industrialização que marcou a formação social brasileira – acabaram se mostrando particularmente adaptados ao tipo de mentalidade empresarial encontrada na formação social regional, determinada, pois, pela base econômica com raiz na pequena produção mercantil e na propriedade familiar.

Por conseguinte, a industrialização de Santa Catarina insere-se neste contexto, visto que, de um modo geral, o estado estava inserido no sistema econômico nacional caracterizado pela industrialização denominada "via prussiana" – baseada na combinação de forças entre o Estado, o latifúndio e o comércio import/export -, mas também num

subsistema próprio caracterizado pela industrialização denominada "via americana" – baseada na combinação de forças endógenas, geralmente o minifúndio e o empresariado local, praticamente sem apoio do Estado. Em outras palavras, os sócios maiores dominavam o cenário nacional e, concomitantemente, os sócios menores predominavam em pequenas manchas do território nacional, sendo as regiões do Vale do Itajaí e Nordeste catarinense exemplos para isto.44 Nelas, surgiam novas atividades econômicas (agricultura intensiva, comércio e indústria), que ditavam novos usos ao território, dinamizavam a economia regional e organizavam as relações sociais, diferentemente dos padrões no restante do país. Portanto, era uma formação social, econômica e espacial nova e distinta.

Como foi colocada anteriormente, a questão da industrialização brasileira também pode ser vista pela ideia industrialização desigual e combinada. Tal concepção foi idealizada por Trotsky (1979), ao analisar a questão do desenvolvimento das forças produtivas na Rússia czarista, e pode ser empregada para analisar e exemplificar a realidade brasileira e catarinense. A partir do exemplo russo, o autor constatou, que países em desenvolvimento tendiam a se industrializar de forma desigual e combinada. Ou seja, por serem países de industrialização tardia, para citar o exemplo da Rússia, do Brasil e outros tantos, eles pulavam etapas e partiam para indústrias de ponta, não as de base como a maioria dos países desenvolvidos, concentrando-as desigualmente em poucas regiões de seus territórios. Por outro lado, coexistiam atividades econômicas muito atrasadas, combinando, às vezes, características pré-capitalistas com semifeudais.45 No caso do Brasil, coexistiam regiões industriais muito desenvolvidas como várias áreas do Sul, Sudeste e alguns pontos do litoral brasileiro, e outras regiões completamente apartadas desta realidade como boa parte do Nordeste e Norte do país. Silva (2003), também afirmou, que o desenvolvimento econômico de Santa Catarina

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Ignácio Rangel trabalhou muito com a ideia de polos internos e externos e seus lados para explicar o desenvolvimento econômico e sua ligação com diferentes forças da sociedade brasileira, o que chamou de dualidade básica da economia brasileira. Para mais ver: RANGEL, Ignácio. A Dualidade básica de economia brasileira. In: ______. Obras reunidas. Rio de Janeiro: Contraponto, 2005.

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Para mais detalhes, ver a obra de TROTSKY, Leon. A Revolução

também pode ser caracterizado como desigual e combinado, já que dentro do território catarinense coexistem tais situações: grosso modo, as áreas desenvolvidas de colonização europeia (Vale do Itajaí, Nordeste, Oeste e Sul catarinense) com setores industriais altamente desenvolvidos e áreas menos desenvolvidas de colonização luso- brasileira (Planalto Norte e Serra catarinense).

Após esta breve explanação dos aspectos geoeconômicos, que envolvem o desenvolvimento do setor cervejeiro catarinense, os quais também já foram enunciados e discutidos mais profundamente nos capítulos anteriores deste trabalho, parte-se agora para uma análise mais detalhada deles através de exemplos práticos e atuais de algumas microcervejarias catarinenses, a fim de estabelecer uma relação entre eles e explicar tal processo como um todo.