• Nenhum resultado encontrado

Capítulo 3 WINNICOTT E A IMPORTÂNCIA DO AMBIENTE PARA A

3.1 Aspectos gerais da Teoria do Amadurecimento pessoal

A partir de seus atendimentos clínicos como pediatra, psiquiatra infantil e psicanalista, Winnicott percebeu dificuldades emocionais em crianças muito pequenas, em um estágio em que o bebê ainda não tem consciência de si, do mundo nem das pessoas.

Em sua experiência clínica, ele notou que ocorria algo desde muito cedo com os bebês, algo que se remetia a dificuldades no estabelecimento de relação com suas mães. É daí que se estabelece seu modelo teórico e a forma como ele pensa a clínica. Esse olhar para a constituição da relação do indivíduo com o mundo externo representa uma mudança na psicanálise:

Quando tentei aprender o que havia para ser aprendido sobre a psicanálise, descobri que, naquela época, tudo nos era ensinado em função do complexo de Édipo, aos 2, 3 e 4 anos, e da regressão com respeito ao Édipo. Foi muito aflitivo, para mim, que havia estado examinando bebês – e as mães com os bebês – por um longo tempo (já estava nisso há dez ou quinze anos), comprovar que isso era assim, pois eu sabia que havia visto uma porção de bebês já começarem doentes e, muitos deles, tornarem-se doentes muito cedo (WINNICOTT, 1967, p. 437).

O problema edipiano, até aquele momento central na teoria psicanalítica, cede lugar ao problema do amadurecimento pessoal. Assim, a teoria do desenvolvimento sexual é substituída pela teoria do amadurecimento – relacionada com o crescimento, o desenvolvimento e a integração do indivíduo em um eu –, e ela será utilizada para a resolução de questões novas e antigas. Segundo Loparic, “a teoria tradicional da progressão das zonas erógenas perde o status da teoria fundante e fica redescrita em termos da teoria do desenvolvimento humano” (LOPARIC, 1996, p. 43).

O ponto inicial de sua teoria é a constituição do indivíduo a partir da relação mãe-bebê, em um estado inicial de extrema dependência de cuidados, pois é nesse período que estão sendo constituídos os alicerces da personalidade

e da saúde psíquica. As tarefas que caracterizam os estágios iniciais – a integração no tempo e no espaço, a habitação da psique no corpo, o início das relações objetais e a constituição do si-mesmo – jamais se completam, continuando a ser as tarefas fundamentais durante toda a vida. Elas não são de natureza instintual, mas pertencem à linha identitária do amadurecimento; referem-se à necessidade de existir, de sentir-se real e de chegar a estabelecer- se como uma identidade unitária (DIAS, 2017a).

Para alcançar a saúde psíquica e o status de unidade (integração), o bebê precisa ter passado satisfatoriamente por essas tarefas fundamentais do começo da vida.

A integração do bebê se dá de forma gradual, já que é só por volta de um ano a criança adquire o status de indivíduo. Para que isso ocorra, há a necessidade da presença de condições ambientais.

O apoio do ego materno facilita a organização do ego do bebê. Com o tempo, o bebê torna-se capaz de afirmar sua própria individualidade, e até mesmo de experimentar um sentimento de identidade pessoal (WINNICOTT, 2013, p. 9).

Apesar de inata, a tendência à integração não se dá automaticamente. Para que ela se realize, é preciso que haja um ambiente que facilite e forneça os cuidados frente às necessidades apresentada pelo bebê. Tais necessidades variam à medida que o amadurecimento ocorre, tendo por demanda, portanto, uma adaptação ativa do ambiente. Ter um início bom, isto é, com alguém presente e que se conecte com suas necessidades, é a base para estar no mundo e se relacionar com os outros. A falha nesse início pode significar problemas no desenvolvimento e nas relações futuras.

Nesse sentido, a teoria de Winnicott está voltada para as necessidades e as condições ambientais que favoreçam o indivíduo a constituir sua identidade, apontando para um critério maturacional e não sintomatológico da classificação dos distúrbios psíquicos.

Assim, faz-se necessário um estudo do ambiente do bebê e das relações com ele estabelecidas, para pensar a origem do problema. Nesse sentido, a natureza do distúrbio psíquico está relacionada a interrupções na continuidade

de ser, cuja origem está em falhas ambientais e nas reações do bebê a estas, que constituem organizações defensivas que interrompem o curso natural de seu amadurecimento.

Quando o processo de amadurecimento é interrompido pela falha ambiental, o meio precisa oferecer o que é necessário para a volta da integração, o que irá variar conforme a natureza do distúrbio que o bebê apresenta.

Winnicott amplia a teoria psicanalítica quando se propõe a estudar os pacientes psicóticos, que precisam regredir à situação de dependência, isto é, retornar a estágios iniciais do desenvolvimento. A partir das dificuldades desses pacientes em constituir sua identidade, Winnicott pôde pensar nas formas de adoecimento:

[...] enquanto a psiconeurose leva o analista à meninice do paciente, a esquizofrenia leva-o ao início da infância, a um estágio em que a dependência do paciente é absoluta. Em resumo, nestes casos houve falhas do ambiente de facilitação num estágio anterior à aquisição, por parte do ego imaturo e dependente, da capacidade de organizar defesas (WINNICOTT, 1964, p. 34).

A clínica e a teoria de Winnicott foram pensadas a partir desses pacientes que não conseguiam se desenvolver como indivíduos saudáveis por conta de falhas no ambiente, o que implica problemas na integração do indivíduo em um eu e em sua relação com o mundo externo.

A teoria do amadurecimento é constituída por estágios, e cada um deles apresenta tarefas, conquistas e dificuldades que fazem parte do amadurecimento e precisam da sustentação do ambiente para se realizar. Esses estágios são: dependência absoluta, dependência relativa e independência. Esse processo tem início com o bebê ainda no útero da mãe e segue por toda a vida. Se tudo ocorre bem e dentro do esperado para cada fase de desenvolvimento, então a aquisição irá tornar-se uma conquista, o que assegura o desenvolvimento da saúde emocional do bebê

O amadurecimento pode ser descrito como uma jornada que parte da dependência absoluta, passa por um período de dependência relativa, chega às etapas que estão rumo à independência, até chegar a independência relativa, que é o

estado em que o indivíduo saudável se mantém ao longo da vida (DIAS, 2017a, p. 80).

Esse percurso não ocorre linearmente, já que nenhuma aquisição é garantida, o que significa que, em certos momentos da existência, frente a alguns obstáculos, os estágios podem se sobrepor, havendo até mesmo a possibilidade de regressão a estágios anteriores.

As tarefas e as conquistas, fundamentalmente as primitivas, devem ser resolvidas com sucesso, para que se estabeleçam de forma consistente e abram caminho para um novo patamar de amadurecimento. A resolução das tarefas de cada estágio depende de ter havido sucesso na resolução das tarefas anteriores. Winnicott é um estudioso da natureza humana15, e sua teoria é pautada

pelas experiências que se constituem ao longo da vida desde o nascimento e que facilitam ou podem dificultar o processo do amadurecer.

Sendo assim, a teoria do amadurecimento está fundamentada em dois pressupostos: 1) todo indivíduo possui uma tendência inata para o amadurecimento, e 2) esse processo só é possível com a presença de um ambiente facilitador que forneça cuidados suficientemente bons.

Ao nascer, o ser humano é muito dependente dos cuidados do ambiente – geralmente da mãe – para se desenvolver satisfatoriamente. Ser e continuar sendo dependem de condições ambientais favoráveis. À medida que vamos crescendo, tais cuidados já não são tão fundamentais e, assim, adquirimos certa independência.

Desde o início, e principalmente nesse começo, o ambiente e os cuidados por ele oferecidos são fundamentais para que o bebê alcance uma identidade unitária e consolide as bases da saúde mental. Winnicott afirma:

[…] do meu ponto de vista, a saúde mental do indivíduo está sendo construída desde o início pela mãe, que oferece o que chamei de ambiente facilitador, isto é, um ambiente em que os processos evolutivos e as interações naturais do bebê com o meio podem desenvolver-se de acordo com o padrão hereditário do indivíduo. A mãe está assentando, sem que o saiba, as bases da saúde mental do indivíduo (WINNICOTT, 1968a, p. 20).

15 Winnicott vê o homem como manifestação da natureza humana no tempo e caracterizado pela

tendência à integração, que só se realiza num ambiente facilitador (a mãe, a família, a sociedade). Viver significa alcançar e manter a continuidade de ser no mundo.