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3 ÁGUAS SUBTERRÂNEAS E O ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILERO

4 A ARTICULAÇÃO DA GESTÃO DAS ÁGUAS SUBTERRÂNEAS COM A GESTÃO TERRITORIAL NA ÁREA URBANA DE MANAUS: POSSIBILIDADES E

4.1 ASPECTOS GERAIS DA GESTÃO

A palavra gestão origina-se do latim gestione310 e significa o ato ou efeito de gerir; gerência, administração.311 Gerenciamento, por sua vez, deriva da palavra gerenciar, e traduz dirigir como gerente, gerir.312 Considerando os respectivos significados as duas terminologias serão usadas como sinônimas no presente trabalho.

Assim, pode-se conceituar o gerenciamento ou gestão de um recurso ambiental como:

"[...] a articulação do conjunto de ações dos diferentes agentes sociais, econômicos ou socioculturais interativos, objetivando compatibilizar o uso, o controle e a proteção deste recurso ambiental, disciplinando as respectivas ações antrópicas, de acordo com a política estabelecida para o mesmo, de modo a se atingir o desenvolvimento sustentável."313

As águas subterrâneas, enquanto recurso natural, precisam ser usadas de forma adequada314 para que se possa ter um determinado equilíbrio entre a disponibilidade desse recurso e a sua demanda diminuindo, com isso, os conflitos pelo seu uso. Por outro lado, torna-se imprescindível considerar o aspecto do uso do solo, ou seja, do ordenamento territorial urbano, podendo-se afirmar, inclusive, que as gestões desses dois recursos são indissociáveis.

Embora a gestão conjunta entre águas subterrâneas e o solo se estabeleça como uma necessidade, a sua realização enfrenta dificuldades na adequação administrativa e institucional, tendo em vista a diversidade de organismos que tratam desses recursos ambientais.

310 <http: www.priberam.pt>Acesso em 8 de agosto de 2007.

311 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Miniaurélio Século XXI escolar. 4.ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. p. 347.

312

Ibidem., p. 346.

313 FREITAS, Adir José de. Gestão de Recursos Hídricos. In: SILVA, Demétrius David da. Gestão de recursos

hídricos: aspectos legais, econômicos e sociais. Brasília: Secretaria de Recursos hídricos Viçosa. Universidade

Federal de Viçosa: Porto Alegre. Associação Brasileira de Recursos Hídricos, 2000. p. 4.

314 O uso adequado pode ser entendido como aquele que não comprometa a qualidade e quantidade para os diversos usos humanos.

Em matéria de recursos hídricos argumenta Adir José de Freitas que "não se deve falar para a bacia hidrográfica, isoladamente, em gestão ambiental ou gestão de recursos hídricos, que devem ser tratados globalmente."315 Segundo o autor certos recursos naturais como a água e o solo devem ser estudados numa perspectiva "multifuncional", uma vez que atendem a funções sociais e ambientais múltiplas.316

Dessa forma ao estabelecer como objetivo a compatibilizarão entre as ofertas dos recursos naturais e suas respectivas demandas, a sociedade precisa tomar decisões políticas e instituir sistemas jurídico-administrativos adequados, o que implica numa dimensão interinstitucional do gerenciamento.317

José Galizia Tundisi avalia que, "do ponto de vista de planejamento e gerenciamento, é fundamental considerar a mudança de paradigma de um sistema setorial, local e de resposta a crises para um sistema integrado, preditivo e em nível de ecossistema."318

Na mesma linha de pensamento Carlos José Saldanha Machado defende uma gestão integrada dos recursos hídricos com uma negociação sociotécnica. Segundo este autor, a integração é realizada primeira no sentido de abranger os processos relacionados ao ciclo hidrológico; segundo no concernente aos usos múltiplos de um corpo d’água; terceiro é o aspecto do inter-relacionamento dos corpos hídricos com os demais elementos do ecossistema, como o solo, fauna e flora; em quarto está a co-participação entre os gestores, usuários e populações locais no planejamento e na administração dos recursos hídricos e, por fim, os anseios da sociedade pelo desenvolvimento sócio-econômico compatibilizando-o com a preservação ambiental, no sentido do desenvolvimento sustentável.319 A negociação

315 FREITAS, Adir José de. Gestão de Recursos Hídricos. In: SILVA, Demétrius David da. Gestão de recursos

hídricos: aspectos legais, econômicos e sociais. Brasília: Secretaria de Recursos hídricos Viçosa. Universidade

Federal de Viçosa: Porto Alegre. Associação Brasileira de Recursos Hídricos, 2000. p. 5.

316 Ibidem., p. 6.

317

Ibidem., p. 6.

318 TUNDISI, José Galizia. A água no século XXI: enfrentando a escassez. São Carlos: Rima, IIE, 2003. p. 105.

sociotécnica320 a orientar a gestão integrada, "significa agir visando ao ajuste de interesses entre as propostas resultantes do diagnóstico técnico-científico e as legítimas aspirações e conhecimentos da população que habita o território de uma bacia hidrográfica."321

Todos os aspectos acima reportados, no que tange a gestão integrada, estão presentes nos incisos do art. 7º da Lei 9.433/97.322 Assim, a gestão integrada pode então ser definida como aquela que dispondo de uma visão conjunta do ciclo hidrológico e do ecossistema específico, da participação da população local e gestores busca realizar as aspirações sociais e econômicas da sociedade, considerando a preservação do meio ambiente. Trata-se, portanto, de um modelo de gestão que promove várias interfaces entre as políticas públicas.

Segundo Maria Paula Bucci, políticas públicas "são programas de ação governamental visando a coordenar os meios à disposição do Estado e as atividades privadas, para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente determinados."323 Ou seja, são as políticas públicas que devem indicar as linhas mestras ou diretrizes para realização da gestão, bem como estabelecer a estrutura administrativa e organizacional para a sua concretização.

Deve-se considerar, no entanto, que no Estado social de direito324 "as políticas públicas devem ser concebidas não mais no sentido de intervenção sobre a atividade privada, mas 'de diretriz geral tanto para a ação dos indivíduos e organizações, como do próprio Estado.'"325 A Política de Recursos Hídricos adotada no Brasil a partir da edição da Lei 9.433/97, que instituiu seus fundamentos, objetivos e diretrizes de ação ao mesmo tempo, também,

320 Embora o autor reconheça que a negociação sociotécnica, comparada a simples possibilidade de impor, seja

de modo geral, um procedimento dispendioso do ponto de vista político, financeiro e emocional, além de incerto, afirma que ela tem a vantagem de ajustar melhor as partes entre si, de aprofundar laços e produzir novas situações e oportunidades de troca.

321 Ibidem., p. 13.

322 MACHADO, Carlos José Saldanha. Gestão de águas doces. Rio de Janeiro: Interciência, 2004. p. 12.

323

BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito administrativo e políticas públicas. São Paulo: Saraiva, 2002.p. 241.

324 No Estado social de direito, inserido na era da pós-modernidade, o direito é compreendido como sendo autônomo, de regras gerais e abstratas, "aplicáveis de forma dedutiva pelo sistema jurídico;" (SILVA, Solange Teles da. Políticas públicas e estratégias de sustentabilidade urbana).

325 SILVA, Solange Teles da. Políticas públicas e estratégias de sustentabilidade urbana. Hiléia – Revista de

estruturou o sistema de gestão a ser implementado, ou seja, este deve observar tais fundamentos objetivos e diretrizes. Desse modo, ao prever a articulação da gestão dos recursos hídricos com a do uso do solo, consignou expressamente um modelo de gestão conjunto, na medida em que sua efetividade está associada a ações de outras esferas de poder público, como será analisado nesse capítulo. Assim, a articulação da gestão das águas subterrâneas com o ordenamento territorial, por serem de competência do Estado e do Município, respectivamente, demanda um esforço no sentido de atuações conjuntas.

Assim, além da integração das políticas públicas setoriais deve-se promover a integração das políticas públicas governamentais, o que se verifica especialmente no caso das águas subterrâneas e do solo, em que a gestão de cada um desses recursos naturais se encontra em distintos âmbitos políticos. A complexidade econômica e social do meio ambiente urbano, por sua vez, se constitui em um fator a mais para o estabelecimento de ações planejadas e executadas em conjunto pelas várias esferas de Poder Público.

Antes, porém, de se prosseguir no exame da articulação entre a gestão das águas subterrâneas e do solo, se faz necessário um reconhecimento desse espaço urbano, de sua dinâmica e características, o que será visto a seguir.