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3 ÁGUAS SUBTERRÂNEAS E O ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILERO

4 A ARTICULAÇÃO DA GESTÃO DAS ÁGUAS SUBTERRÂNEAS COM A GESTÃO TERRITORIAL NA ÁREA URBANA DE MANAUS: POSSIBILIDADES E

4.2 O ESPAÇO URBANO: CONCEITO E DELIMITAÇÃO

O direito de todos ao meio ambiente326 ecologicamente equilibrado essencial à qualidade de vida,327 é ditame que não se circunscreve ao ambiente puramente naturalístico,328

326

Segundo a Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/81, art. 3º), o meio ambiente constitui "o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.”

327

Art. 225, "caput", da Constituição Federal.

328 Segundo Rodolfo de Camargo Mancuso o “conteúdo de meio ambiente não mais se resume ao aspecto naturalístico (= biota), e sim, comporta uma concepção, holística, de forma a compreender tudo o que cerca (e

mas que alcança outros tantos elementos ou percepções do meio ambiente que são indispensáveis à promoção da vida sadia. O espaço urbano se apresenta como uma dessas percepções, em que ao lado dos elementos naturais que o compõem, temos a paisagem criada pelo homem. Desse modo, o espaço urbano pode ser considerado "o resultado de uma produção cultural e histórica de uma natureza humanizada."329 Assim, a qualificação do meio ambiente como "urbano", tem o condão de localizar a problemática ambiental num determinado espaço geográfico, que são as cidades, e não de compartimentalização do meio ambiente. 330

A produção do espaço urbano no Brasil, da forma como se realizou, e vem se realizando, gerou vários problemas sócio-ambientais, dentre eles a ocupação do território sem a preocupação de disponibilidade e gestão de recursos naturais para seu funcionamento, como a água em quantidade e qualidade necessárias.331

Deve-se considerar, ainda, que "[...] empiricamente o processo de interação entre os homens individualmente e/ou em grupo e seus meios ambientes é dialética."332 Ou seja, as condições ambientais exercem influência sobre os recursos disponíveis para o sistema produtivo e as suas condições de disponibilidade. Assim, por exemplo, conforme a natureza do substrato rochoso se terá maior ou menor facilidade na exploração dos recursos hídricos subterrâneos.333

condiciona) o homem em sua existência e no seu desenvolvimento na comunidade a que pertence e na interação com o ecossistema que o cerca.” (Ação civil pública: em defesa do meio ambiente, do patrimônio cultural e dos consumidores. 9 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 43). O espaço urbano, enquanto ambiente de relações e produções do homem entre si e com o meio, insere-se nesse conceito de meio ambiente.

329 SILVA, Solange Teles da. Espaço urbano e ações civis públicas. In: SALLES, Carlos Alberto de; SILVA, Solange Teles da; NUSDEO, Ana Maria de Oliveira. Processos coletivos e tutela ambiental. Santos: Editora Universitária Leopoldianum, 2006. p. 317.

330

SILVA, Solange Teles da. Políticas públicas e estratégias de sustentabilidade urbana. Hiléia – Revista de Direito Ambiental da Amazônia, nº 1/agosto-dezembro 2003, pp. 128.

331

SILVA, Solange Teles da. Espaço urbano e ações civis públicas. op. cit., p. 317.

332 MACHADO, Carlos José Saldanha; NAPOLEÃO, Miranda; PINHEIRO, Ana Amália dos Santos. A nova

aliança entre Estado e sociedade na administração da coisa pública: descentralização e participação na Política Nacional de Recursos Hídricos. In: MACHADO, José Saldanha. Gestão de águas doces. Rio de Janeiro: Interciência, 2004. p. 7.

A produção do espaço urbano na Amazônia, nessa perspectiva, adquire importante significado, visto a complexidade ecológica e social que lhe é inerente. Para Emílio Moran o maior obstáculo ao uso das áreas tropicais úmidas é a diversidade e complexidade do bioma, assim como os elevados índices de pluviosidade, umidade e temperatura ambiente, ausência de sazonalidade, e o vigor na sucessão secundária.334 Para o autor, o impacto causado pela urbanização e industrialização merece uma atenção especial, por conta dos grandes danos que podem resultar desses processos.335 Nesse sentido, para adequada gestão do espaço urbano, deve-se buscar a integração336 das políticas públicas. Nesse sentido, a Política de ordenamento territorial tem reflexos diretos na própria conservação das águas subterrâneas.

A área urbana de Manaus, segundo o seu Plano Diretor Urbano e Ambiental – PDU,337 é aquela destinada ao desenvolvimento de usos e atividades urbanos, delimitada de modo a conter a expansão horizontal da cidade, visando otimizar a utilização da infra-estrutura existente e atender as diretrizes de Macroestruturação do Município. A delimitação da área urbana é feita pela Lei municipal de perímetro urbano, que dispõe sobre as condições de uso, ocupação e modelo espacial de estruturação do solo urbano.338

Embora seja importante a delimitação geográfica das várias regiões do município para o planejamento urbano, deve-se considerar que a Política urbana embora voltada para um espaço determinado não pode deixar de considerar as interfaces com a área rural e a própria área rural do município, tendo em vista a interação existente entre essas regiões. Aliás, consta do Estatuto da Cidade que o plano Diretor, instrumento básico da política de desenvolvimento urbano, deverá englobar o território do Município como um todo.339

334 MORAN, Emilio F. Adaptabilidade humana: uma introdução à antropologia ecológica. São Paulo: Editora

da Universidade de São Paulo,1994. p. 368.

335 Ibid., p. 370.

336 Integração no sentido de coerência.

337 Art. 47 da Lei municipal nº 671/02.

338 Art. 46 da Lei municipal nº 671/02

Assim, embora o espaço escolhido seja o espaço urbano, considerado nos termos do PDU, serão consideradas na análise da articulação da gestão das águas subterrâneas com a do solo as interfaces daquele espaço com as zonas de transição e a área rural do município, indispensáveis ao planejamento urbano.

4.2.1 O espaço urbano como área comum de planejamento e implementação da gestão das águas subterrâneas e do solo

O espaço urbano constitui, assim, um ambiente para onde convergem variadas políticas e ações públicas, dos diversos setores e níveis governamentais. Em vista disso, há necessidade de os Poderes Públicos atuem de forma próxima, para evitar ações sobrepostas e contraditórias. No caso da gestão das águas subterrâneas e do ordenamento territorial a ação articulada é necessária, considerando a interação e dependência entre esses dois elementos naturais, além de estar expressa prevista nas respectivas legislações.

Nesse aspecto um dos grandes obstáculos a essa articulação reside na visão fragmentária que, normalmente, domina a gestão pública. Sobre essa questão Andréas Krell informa que:

"[...] é muito difícil verificar uma verdadeira integração e adaptação entre leis federais e estaduais e o planejamento local concreto. São raríssimos os municípios que dispõem de informações e dados atualizados sobre a qualidade do seu solo, da sua vegetação, do uso agrícola e até das edificações presentes no seu território. A maioria das cidades somente agora começa a interessar-se por suas próprias condições geográficas, a fim de cumprir o mandamento constitucional de elaborar o seu plano diretor."340

Ainda que o referido autor, no trecho acima, se valha da lente do direito ambiental para a referida análise, vez que trata da ausência de integração administrativa e legislativa dentro do

340 KRELL, Andréas J. A posição dos municípios brasileiros no Sistema Nacional de Meio Ambiente. Revista

Sistema Nacional de Meio Ambiente – SISNAMA, observa-se que a situação não é diferente no que se refere à articulação da gestão das águas subterrâneas com o solo.

Ante esse contexto, verifica-se a necessidade de uma mudança de enfoque da gestão do solo urbano, de forma a ampliar seu objeto e alcançar os desdobramentos dessa gestão, especialmente quando se considera as contribuições que pode oferecer para a gestão das águas subterrâneas.

Constata-se, no entanto, que as possibilidades engendradas por essa articulação, no que tange a preservação da qualidade e quantidade dos recursos subterrâneos, enfrenta dificuldades pela própria estruturação administrativa e legislativa na qual se inserem, especialmente no que se refere às respectivas competências para gestão.

4.2.2 Das competências para a gestão e a necessidade de cooperação entre os entes políticos

A gestão das águas subterrâneas e do solo, como visto anteriormente,341 se encontra em “mãos” diferentes; enquanto a gestão da primeira é de competência material dos Estados a segunda é de competência material municipal. Observa-se que a previsão, nas respectivas legislações, da necessidade de articulação entre as políticas deve transcender a simples participação do representante de uma esfera política em órgãos colegiados de outra esfera,342 como ocorre no Conselho Estadual de Recursos Hídricos.

A articulação deve realizar-se em nível de planejamento, com diálogo entre as duas esferas políticas; embora a ação gerencial de cada ente ocorra no limite da sua competência, o

341

Item 3.3.2 e 3.5.

342 O art. 64, III, da Política Estadual de Recursos Hídricos prevê que um dos membros do Conselho será o representante dos municípios. (Lei nº 2.712/01).

compartilhamento recíproco de informações propiciará maiores condições para a integração das ações, concorrendo para maior efetividade na proteção das águas subterrâneas.

Nesse sentido, a cooperação entre os vários níveis de poder, especialmente entre o Poder Público Municipal e Estadual, torna-se indispensável.

4.3 OS INSTRUMENTOS DE GESTÃO DISPONÍVEIS E AS POSSIBILIDADES DE