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2 MOVIMENTOS SOCIAIS, PARTICIPAÇÃO, DESENVOLVIMENTO E UNIDADES DE CONSERVAÇÃO: CONCEPÇÕES E ENFOQUES TEÓRICOS

2.1 MOVIMENTOS SOCIAIS

2.2.2 Aspectos históricos da participação no Brasil

No contexto brasileiro, até o final da década de 1970, o modelo de gestão pública era baseado na concentração do poder decisório e executivo no nível do governo federal, definindo-se, residualmente, atribuições e competências para o nível estadual e atribuições de interesse local para os municípios (JACOBI, 2000). O texto constitucional, promulgado em 1988, depositário dos embates entre democracia representativa e democracia direta (SANTOS, 2005), abre margem para uma descentralização fiscal dos municípios. Ainda, institui mecanismos para o exercício da democracia direta e conseqüente participação dos cidadãos, como a instituição do plebiscito, referendo, a iniciativa popular de projeto de lei, os conselhos, fóruns e comitês e outros canais de participação popular.

No período pós-constituinte houve uma generalização do discurso da participação, tanto no interior da sociedade civil quanto no interior do próprio Estado

[...] temas como democracia participativa, controle social sobre o Estado, realização de parcerias entre Estado e sociedade estavam na pauta de diversos atores políticos. Espaços de cogestão, como os conselhos setoriais ou temáticos nos níveis federal, estadual e municipal, ganharam forma, seja pela pressão da sociedade civil, seja pelos canais institucionais (formais) de participação. Em muitos casos, a própria constituição exigia a criação e implementação de conselhos estaduais e municipais como implementação de políticas públicas e repasse de verbas da União (SANTOS, 2005, p. 37)

Ressalte-se que as diretrizes legais contidas na constituição, ao discorrer sobre o aparato legal voltado à gestão ambiental e regulação do uso dos recursos naturais no país (no capítulo 225, dedicado ao meio ambiente), postularam a participação pública em conselhos gestores, conselhos consultivos de unidades de conservação, comitês de bacia, audiências públicas, entre outros.

A generalização do discurso da participação, impulsionada pelo processo de redemocratização iniciado na década de 1980, é acentuada a partir dos anos 1990. Desde então, conforme Jacobi (2000), a participação vem sendo amparada e institucionalizada no âmbito das democracias representativas.

A participação popular se transforma no referencial não só para ampliar as possibilidades de acesso dos setores populares segundo uma perspectiva de desenvolvimento da sociedade civil e de fortalecimento dos mecanismos democráticos, mas também para garantir a execução eficiente de programas de compensação social no contexto das políticas de ajuste estrutural e de liberalização da economia e de privatização do patrimônio do Estado (JACOBI, 2000, p. 11). Então, atores dos mais diversos passam a defender a participação popular como elemento essencial ao desenvolvimento, como meio de lhe garantir sustentabilidade, seja do ponto de vista econômico, social ou ambiental (STEINBRENNER, 2007). Agências multilaterais de financiamento atrelam a liberação de recursos à participação do público alvo dos projetos (BANDEIRA, 1999). Segundo Steinbrenner (2007), uma das conexões desse argumento é a implicação de que a participação da sociedade civil é importante para assegurar a transparência das ações e permitir o combate eficiente à corrupção no setor público.

Nesse contexto novo, de redefinições do papel do Estado, a nível global, e de reabertura democrática, a nível nacional, as organizações sociais, historicamente excluídas dos processos decisórios, são “chamadas” a participar.

Há uma crescente consciência por parte dos governos de que os recursos necessários para o desenvolvimento das regiões carentes são tão enormes, que uma alta proporção deles deve ser obtida nas próprias áreas beneficiárias. Ora, o mais importante recurso no processo de desenvolvimento são as próprias pessoas e, por conseguinte, os governos procuram a participação delas em escala massiva. (BORDENAVE, 2007, p. 09).

Todavia, além dessa necessidade econômica da participação, segundo Bordenave (2007) há um reconhecimento da necessidade política da mesma, posto que estratégias centralizadoras quase sempre fracassaram na mobilização de recursos econômicos e na tomada de decisões em nível local. Deste modo, a participação popular e a descentralização das decisões constituiriam os caminhos mais eficientes para enfrentar os problemas graves e complexos dos países em desenvolvimento. Romper-se-ia, então, com uma participação tradicionalmente

canalizada através dos partidos políticos, e que agora poder-se-ia manifestar através dos movimentos sociais.

Historicamente, porém, no contexto de concentração de decisões na esfera governamental, a ausência de participação das comunidades na elaboração de políticas públicas, não era sequer aventada. Nas formulações tradicionais sobre o desenvolvimento, enfatizava-se os “obstáculos” que dificultavam a sua concretização nos países ditos subdesenvolvidos. Segundo Souza (2000), estes óbices eram sempre atribuídos a questões de “atraso” cultural e à incapacidade de tais países alçarem aos padrões de consumo das nações consideradas desenvolvidas.

Nesta conjuntura, não se atribuía nenhum papel relevante nos processos de desenvolvimento à participação social. Em regiões marcadas pelas relações de dependência, como na América Latina, essa concepção era reforçada por ideologias. Sobretudo a nacional- desenvolvimentista, que justificava a industrialização e o viés econômico como questões básicas do desenvolvimento/subdesenvolvimento.

A associação do desenvolvimento ao crescimento econômico excluía a dimensão histórica do processo de desenvolvimento. Para Limoeiro (1977), este processo era analisado como parte de um contexto mais amplo: a ideologia do desenvolvimento, intrínseca a um sistema específico global – o capitalismo, que em seus processos de expansão, depara-se com as singularidades sociais, históricas e culturais das mais diversas partes do mundo. A falta de consideração dos aspectos socioculturais em muitos programas e projetos de desenvolvimento, todavia, era recorrente, sobretudo nos países latino-americanos e africanos22 (SCHRODER, 1997). Esses contextos reforçavam ainda mais a necessidade de organização das populações destas regiões no sentido de enfrentamento dos problemas ambientais, sociais, de saúde pública e outros geralmente trazidos a reboque do crescimento econômico.

Nota-se em Demo (1986), que a problemática da participação remete invariavelmente ao campo das relações de poder, se alojando a outra questão que lhe é complementar e ao mesmo tempo antagônica: a dominação ao longo da história. A considerar a tendência histórica predominante de opressão de grupos minoritários dominantes que tentam impor-se e a seus privilégios à maioria, este autor enfatiza o caráter conflituoso das relações sociais.

22 “Incapazes” de sair de sua condição de pobreza “natural”, estas regiões minimizavam os efeitos devastadores

da exploração capitalista, segundo Meillassoux (1992), através da captação de dinheiro das classes menos atingidas, a ser empregado na ajuda aos famintos, preparo de terras para o cultivo, ensino de algumas técnicas, enfim, projetos muito localizados, de alcance limitado e efêmeros, constituindo-se simplesmente numa espécie de “política de caridade”.

Nesse sentido, participação não se dá, se conquista, conforme Demo (1986, p. 69) “[...] num contexto de esforço conscientizado das tendências históricas contrárias”.

Ressalte-se, que na atualidade, apesar da defesa da participação popular como elemento fundamental ao desenvolvimento, a construção de processos participativos ainda permanece mais no plano da retórica do que na prática conforme constatado por Jacobi (2000), Scherer- Warren (2001), Gohn (2007) e Simonian (2000). Segundo Jacobi (2000), poucas são de fato as experiências que assumem uma “radicalidade democrática” na gestão da coisa pública ou que ampliam concretamente o potencial participativo. Certamente a trajetória política do Brasil, marcada por práticas estatistas, centralizadoras e patrimonialistas, com predomínio de ações clientelistas (CARVALHO, 2008) é fator importante para explicar os percalços à consolidação da cidadania e da participação no contexto brasileiro.