• Nenhum resultado encontrado

INDICE DE FILIAÇÃO EM UMA OU MAIS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS EM CURUÇÁ (STTR, CP-Z5, AC)

4.1.1 Instâncias de representação formal: STTR de Curuçá e CP Z-

De acordo com Mello (1995) e Rocha et al. (1996) as colônias de pesca foram criadas a partir de 1919 por intermédio da Marinha de Guerra do Brasil, visando a utilização das embarcações dos pescadores no controle da costa brasileira e águas interiores. Inclusive as primeiras colônias teriam sido fundadas em Belém, capital do estado do Pará e posteriormente disseminaram-se por todo o litoral do país (ROCHA et al., 2006). Todavia, conforme entrevista realizada com sua atual presidente, a fundação da colônia de pescadores de Curuçá ocorreu em 20 de junho de 1902.

Embora não existam documentos deste período, os quais teriam sido extraviados, uma pesquisa feita no cartório local indicou esta data, que inclusive consta em estatuto e nos demais documentos da instituição, conforme informado pela presidente da instituição 51. De todo modo, na literatura histórica consultada (CUNHA, 1939) há referências a atuação desta colônia na década de 1930 do século passado52.

51 Maria do Rosário Saraiva das Chagas. Entrevista concedida à autora em 12 de janeiro de 2009.

52 Não foi possível explicitar em campo os fatores deste desacordo de informações. A hipótese mais plausível é a

de que os pescadores locais tenham criado uma entidade representativa e/ou associativa, que foi posteriormente enquadrada nos moldes de colônia de pesca, embora, a ponderar sobre a precariedade dos sistemas de registro civil e de seu armazenamento e manutenção em tempos pretéritos, não se possa descartar um eventual engano em relação a esta data.

Conforme demonstrado por Almeida (1994) e Sousa (2002), a questão do sindicalismo rural tem estado presente no cenário político brasileiro recente. O STTR de Curuçá foi criado em 1963 e é filiado a redes sindicais diversas, com atuação em âmbito regional e nacional, como a Federação dos Trabalhadores da Agricultura do Estado do Pará (FETAGRI), e a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG). O STTR e a CP Z-5 congregam um número expressivo de associados. Note-se, porém, que este número é bastante variável, oscilando de acordo com as taxas de inadimplência. Conforme a estimativa ativa53 mais recente, referente ao período 2008-2009, a CP-Z5 de Curuçá possui 1.128 filiados. Por sua vez, o STTR conta atualmente com 2.400 sócios54.

Fotografias 14 e 15: sede administrativa da CP-Z5 de Curuçá. Fonte: Iane Batista, pesquisa de campo, 2010.

Fotografia 16: Sede administrativa do STTR – Curuçá. Fonte: Iane Batista, pesquisa de campo, 2009.

53 Estimativa de filiados adimplentes com as taxas da CP-Z5.

A filiação a estas entidades, mediante inscrição formal e pagamento de taxas mensais, não é compulsória55. No entanto, assegura, de acordo com seus estatutos, um conjunto de direitos e garantias previdenciárias aos seus associados, como aposentadoria por tempo de serviço, salário maternidade, auxílio-doença entre outros, além da oferta de serviços de atendimento médico, odontológico e oftalmológico. Inclusive, parte significativa das falas de pescadores e agricultores contatados no decorrer da pesquisa, pertinentes a estas duas instituições, referem-se à qualidade e/ou eficácia da prestação destes serviços.

É unânime entre os pescadores e agricultores ouvidos em campo a percepção da importância da vinculação a estas entidades. Porém, apesar de se declararem filiados a um ou a outro órgão, a maioria relatou que se encontra inadimplente junto às instituições. Embora a taxa mensal seja considerada razoável por parte dos sócios – catorze reais para o STTR e oito para a CP-Z5, há uma dificuldade em efetuar o pagamento por motivos diversos. Entre estes, destacam-se a distância entre as comunidades e a sede do município, onde os órgãos estão localizados, o descontentamento com a sua atuação e/ou simplesmente a impossibilidade de dispor do valor cobrado.

Com base nos dados coletados em campo, abstrai-se que a filiação nestas organizações é motivada, de modo geral, pelo fito de assegurar benefícios, sobretudo os de cunho previdenciário.

Não paguei o sindicato em vão porque quando foi pra me aposentar foi só por que ele [o presidente] assinou. Porque se o sindicato não der a assinatura dele não adianta ir o papel [...] as mulheres pra ganhar o dinheiro dos filhos, têm que pagar o sindicato [...] porque, olha, é melhor pagar, porque uma cobra morde, cai num toco, corre pro sindicato, o sindicato ampara. Eu aconselho os meus filhos a pagar 56.

A necessidade do porte da carteira de pescador, emitida pela colônia, quando no exercício da pesca em embarcações a motor também é um motivo apontado para a inscrição neste órgão. Conforme verbalizado por Benedito M. da Silva,57 “[...] a gente paga por uma segurança que eles prometem pra gente. Por eu ser pescador, eu tenho meu trabalho, se alguém quiser implicar comigo, eu apresento a minha carteira de pescador”.

Desse modo, embora formalmente tais instituições representem pescadores e agricultores, no plano concreto, não se vislumbrou quaisquer ações viabilizadoras de uma efetiva participação destes na gestão do STTR e da CP-Z5, que acaba sendo restrita aos seus dirigentes. Reuniões, assembléias ordinárias e extraordinárias são convocadas

55 No entanto, no caso dos pescadores que trabalham em barcos pesqueiros, é necessário estar filiado à colônia

de pesca, que emite a guia de pesca, documento que dá respaldo legal ao pescador em caso de fiscalização dos órgãos competentes (IBAMA, Capitania dos Portos etc.).

56 Ana Pereira, Informação verbal repassada à autora em fevereiro de 2009. 57 Informação verbal repassada à autora em julho de 2009.

esporadicamente, em geral para informar a respeito de programas de fomento às atividades produtivas, tipo PRONAF, e da oferta de cursos – de marketing, organização social, gestão ambiental, elaboração de projetos etc. – genericamente denominados “de capacitação”.

Nessas ocasiões, além dos esclarecimentos pertinentes à pauta preestabelecida, pouco ou nada se delibera acerca das problemáticas vivenciadas pelos diversos sujeitos sociais, particularmente no que respeita a dependência dos atravessadores e o manejo negativo dos recursos naturais praticado por indivíduos oriundos de outros municípios. Além disto, a aplicabilidade dos cursos mencionados, eventualmente oferecidos em parceria com órgãos como MPEG, SEBRAE, FETAGRI entre outros é, minimamente, discutível.

De modo geral, os trabalhadores não dispõem dos recursos humanos e materiais necessários à aplicação dos conhecimentos obtidos na teoria em suas atividades cotidianas, sejam estas na esfera produtiva, seja na salvaguarda dos recursos naturais existentes em seus territórios. Exemplar a este respeito é a fala de um pescador e agente ambiental voluntário, conforme demonstrado pelo certificado de conclusão de curso homônimo,

[...] os caras que vêm de fora [praticar a pesca e a coleta de crustáceos] andam armados. A gente falou com a dona Maria [presidente da CP] pra arrumar uma voadeira pra dar uma volta no porto onde a gente sabe que tem gente de fora, mas nunca veio ninguém [...] como é que nós vamos enfrentar esse pessoal, que anda armado?58

As respostas ao questionário aplicado indicam que, em termos gerais, os associados esperam mais da atuação do STTR e da CP Z-5 que somente concessão de benefícios previdenciários. Precisamente, entre os pescadores nota-se uma insatisfação generalizada em torno da inexistência do seguro defeso no município, pois, apesar de a pesca representar a atividade econômica principal, mesmo os filiados à colônia não recebem este recurso nos períodos de reprodução de peixes e mariscos da região, o que é determinado pela Lei Federal 10.779/0359.

Os trabalhadores da pesca atribuem esta realidade à inoperância da CP Z-5. Por seu turno, a presidente desta defende-se, pontuando que a concessão deste benefício está esbarrando na ausência de uma legislação específica envolvendo as espécies da região. Nesta direção, atribui aos deputados estaduais a responsabilidade na elaboração dos mecanismos legais necessários à operacionalização do seguro-defeso em Curuçá, a exemplo do que já ocorre em outros municípios, como em Bragança do Pará.

58 Raimundo Pereira de Sousa. Informação verbal repassada à autora em fevereiro de 2009.

59 Dispõe sobre a concessão do benefício de seguro desemprego, durante o período de defeso, ao pescador

No que concerne à atuação do STTR, críticas diversas também são efetuadas. A mais enfatizada refere-se a falta de apoio técnico na execução de projetos agrícolas financiados por programas federais, notadamente PRONAF e FNO, o que, na concepção dos agricultores, influencia diretamente no seu desempenho, na produtividade dos cultivos e, por conseguinte em sua capacidade para quitar os empréstimos tomados. Ressalte-se, ainda, indícios de irregularidades administrativas e desvio de recursos financeiros na gestão anterior do STTR, mencionados por interlocutores diversos em campo (BATISTA, 2009, n.c). Embora não se tenha tido acesso a documentos comprobatórios desta situação, o presidente anterior não conpletou o mandato, precisamente por conta das denúncias de tais irregularidades.

A pesquisa de campo evidenciou que, embora associados ao STTR ou à CP Z-5, pescadores e agricultores de Curuçá não têm sido atendidos satisfatoriamente em suas demandas. Evidencia-se a existência de um descrédito de parte expressiva dos associados quanto à ação efetiva destes órgãos no sentido de implementar projetos que gerem benefícios à população local (BATISTA, 2010, 2009, n. c.). Por outro lado, os dirigentes queixam-se da dificuldade de “organização” dos seus associados. A presidente da CP Z-5 menciona que a própria dinâmica da atividade pesqueira, sujeita às oscilações das marés e dos ventos, implica em dificuldades para a mobilização dos pescadores seja para participar das assembléias do órgão, seja para fortalecer um movimento em defesa de seus direitos.

Note-se que estas entidades representam basicamente os mesmos sujeitos: pescadores e agricultores de Curuçá, visto que, conforme já assinalado, as atividades de pesca e agricultura coexistem em praticamente todas as localidades do interior, ainda que, a depender da localização, em algumas haja predomínio da pesca e, em outras, da agricultura. No entanto, não há registros de ações conjuntas e/ou parcerias institucionalizadas entre elas, no sentido de combater os problemas enfrentados pelos seus associados. Desse modo, cada uma age estritamente dentro do seu “domínio”.

Ademais, a considerar a trajetória de vida dos atuais dirigentes do STTR e da CP Z-5, verifica-se a inexistência de vínculos efetivos por parte destes com as atividades da lavoura e da pesca, embora ambos façam referências a suas origens familiares nestas ocupações. No caso da presidenta da CP Z-5, entre os próprios filiados questiona-se a sua condição de representante da categoria, justamente por não ser considerada como pescadora, e sim como “herdeira” do pai, presidente do órgão por vários anos (BATISTA, 2009, n. c.), inclusive em um momento de intervenção.

Por outro lado, o ex-presidente do STTR, é oriundo das fileiras militares, onde ocupava o cargo de sargento da Força Aérea. E, não obstante a família possuir terras em uma

localidade do município, aparentemente o fato de a esposa ser funcionária da Previdência Social, com “[...] experiência e conhecimento junto a movimentos sindicais rurais”60 influenciou a decisão deste de enveredar pelos rumos do sindicalismo rural.

Esse ex-presidente passou a compor os quadros da direção do STTR desde 1998, exercendo cargos em diretorias diversas, até ser eleito à presidência no ano de 2006. No último pleito eleitoral realizado em 2008 foi candidato a vice-prefeito na chapa de Josué Neves, que buscava a reeleição pelo Partido da Frente Liberal (PFL). Embora tenha utilizado a bandeira do sindicalismo rural na campanha política, conforme se pôde constatar em campo (BATISTA, 2009, n. c.), não logrou eleger-se. Não se sabe se a derrota há que ser atribuída apenas à avaliação negativa da gestão municipal anterior. Porém, é evidente que a condição de dirigente do STTR não se traduziu no incremento de votos para a chapa. Desse modo, e em consonância com os dados coletados, evidencia-se o caráter débil da representatividade de tais lideranças.

Atualmente, nota-se com preocupação, a ocupação da estrutura física do STTR por secretarias municipais. Com efeito, as secretarias municipais de aqüicultura e pesca, agricultura, meio ambiente e integração municipal encontram-se alocadas naquele espaço. Inclusive, e conforme constatado em campo (BATISTA, 2009, n. c.), a sua atual presidente vinha acumulando até recentemente esta função com o cargo de secretária de meio ambiente, situação ilegal que persistiu por meses e só foi extinta após intervenção do Ministério Público Federal (MPF).

Embora a locação dos espaços represente um aporte relevante ao orçamento desse sindicato e tenha um caráter provisório,61 a coexistência das funções sindicais com a atuação das secretarias referidas indica uma sobreposição de atividades, de natureza minimamente discutível. Isto, por certo, aponta para uma descaracterização do serviço sindical, na medida em que não há uma distinção nítida entre as ações de um e de outros.

Diante desse quadro, abstrai-se que, embora formalmente a CP Z-5 e o STTR sejam instâncias de representação dos interesses de agricultores e pescadores de Curuçá, a prática de tais instituições vem contrariando essa perspectiva. Em lugar da “[...] arregimentação da força social do trabalhador e exercício de luta na reivindicação de seus direitos” (SOUSA, 2000, p. 52), estes espaços têm se constituído mecanismos para acesso ao poder (DEMO, 1988) e

60 Stiverson Nazareno Modesto da Silva, presidente do STTR de Curuçá na primeira fase da pesquisa de campo

que embasou esta dissertação. Entrevista concedida à autora em 15 de janeiro de 2009.

61 Segundo o secretário de Integração Municipal de Curuçá, está a se aguardar a conclusão das obras de reforma

da sede da Prefeitura e a construção e ampliação de novos espaços para a alocação das secretarias mencionadas e outras (BATISTA, 2010, n. c.).

instituições de prestação de serviços, sobretudo médicos e previdenciários. A considerar as problemáticas locais, as quais têm sido agudizadas, sobretudo por fatores externos, torna-se imperativo a superação do viés meramente assistencialista.

Ademais, requer-se um trabalho articulado entre sindicato e colônia e entre estes e seus filiados no sentido de garantir os direitos destes trabalhadores. Isto demanda a elaboração coletiva de estratégias de enfrentamento dos problemas e construção de alternativas. Porém, o êxito deste processo dependerá da horizontalização das relações entre dirigentes e associados, ainda marcadas nitidamente pelo fator hierárquico. Ou seja, pescadores e agricultores necessitam efetivamente ter “vez” e “voz” no âmbito das suas entidades.