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I. REVISÃO DE LITERATURA

1.2. Educação Especial: uma breve retrospectiva

1.2.2. Aspectos Históricos

Temos de saber onde queremos chegar para encontrar um caminho, porque não existe “o” caminho, mas caminhos a escolher, decisões a se tomar. E escolher é sempre correr risco (MANTOAN, 2003).

Uma análise da literatura indica que houve momentos históricos de total exclusão de pessoas com deficiência, passando pela segregação, integração, até a entrada do terceiro milênio, que trouxe o conceito de inclusão, resultado de movimentos mundiais. Esse conceito traz uma nova filosofia, uma nova concepção de educação, a educação inclusiva, recheada de conteúdos que não se referem somente aos alunos da educação especial, mas a todas as minorias que até então, têm sido excluídas da educação em geral.

Educação inclusiva pode ser entendida como uma política de educação que visa construir uma nova cultura escolar, rompendo com paradigmas tradicionais, no sentido de formar escolas democráticas, com espaços onde todas as crianças, jovens e adultos possam conviver e aprender juntas, inclusive aquelas com deficiências (CARVALHO, 2002).

A história da educação especial apresenta informações significativas sobre a educação de pessoas com deficiência. Segundo alguns autores, como por exemplo, Mazzotta (1996) e Pessotti (1984), até o século XVIII, as deficiências eram ligadas ao misticismo e ao ocultismo. Nessa época, existia um consenso social, por falta de conhecimento, de que a condição de “incapacitado”, “deficiente”, “inválido” era condição imutável. Diante disso, a sociedade se omitiu em oferecer atendimento às necessidades dessa população.

Na Europa, no século XVII, surgiram os primeiros movimentos em favor das pessoas com deficiência, por intermédio de pessoas leigas ou profissionais, portadores de deficiência ou

não, que formaram lideranças e desenvolveram ações em favor da melhoria de vida das pessoas com deficiência. Esse movimento expandiu-se para os Estados Unidos, Canadá e, posteriormente, chegou ao Brasil. Até o final do século XIX, várias expressões foram utilizadas para se referir ao atendimento educacional a esses indivíduos: Pedagogia dos anormais, Pedagogia Teratológica, Pedagogia Terapêutica ou Curativa, Pedagogia da Assistência Social, Pedagogia Emendativa, e algumas dessas expressões podem ser encontradas até hoje (MAZZOTTA, 1996).

De acordo com Mazzotta (1996) e Pessotti (1984), a primeira obra impressa sobre a educação de alunos com deficiência é de autoria de Jean-Paul Bonet, no ano de 1620, na França, com o título Redação das Letras e Arte de Ensinar os Mudos a Falar. A primeira instituição para atendimento a alunos surdos foi fundada em Paris, em 1770. Quatorze anos depois, em 1784, foi fundado também em Paris o Instituto Nacional dos Jovens Cegos. Essas instituições não eram caracterizadas como asilos, mas como escolas e se dedicavam à educação e ao ensino propriamente dito, especialmente com a leitura, e, por essa razão, tiveram aprovação da Academia de Ciências de Paris.

Segundo Mazzotta (1996), no início do século XIX, o médico Jean Marc Ytard realizou uma experiência: ensinar um menino de doze anos com deficiência mental, encontrado na floresta do sul da França, denominado “selvagem de Aveyron”. O objetivo do trabalho de Itard foi verificar se pessoas com deficiência mental eram “educáveis”, se elas aprendiam. Sua experiência obteve resultado positivo, o que deu origem à primeira publicação sobre retardados mentais, termo comumente utilizado na época.

Em princípios do século XIX, nos países escandinavos e nos Estados Unidos, iniciou-se a institucionalização de pessoas com deficiência. Nesse período, foram criadas as primeiras escolas especiais com o objetivo de isolar as crianças com deficiência das consideradas

“normais”. A educação escolar e a desinstitucionalização das pessoas com deficiência mental, na época, chamadas de excepcionais, começaram no ocidente no princípio do século XX (MAZZOTTA, 1996).

No Brasil, a história da Educação Especial teve como referência a evolução ocorrida na Europa e nos Estados Unidos. O atendimento educacional a alunos surdos, cegos e deficientes físicos, foi iniciado em instituições oficiais e particulares isoladas, reflexo do interesse de alguns educadores. A “educação de deficientes”, “educação dos excepcionais” ou “educação especial”, só entrou na pauta da política educacional brasileira no final dos anos 50 e início dos anos 60 do século passado (MAZZOTTA, 1996).

Nesse mesmo período, surgiu no Brasil, o atendimento de estimulação precoce a bebês do nascimento aos três anos de idade, que apresentavam problemas no seu processo evolutivo. Esse atendimento era realizado tanto em instituições de saúde como em instituições educacionais especializadas, especialmente em instituições não governamentais, como por exemplo, nas Associações de Pais e Amigos de Excepcionais – APAE.

Na década de 70 do século passado, a educação especial se fortaleceu, devido à implantação de um subsistema educacional, época em que houve um grande aumento de instituições especializadas públicas e privadas para o atendimento a alunos com deficiência (BUENO, 1993).

No Brasil, um dos marcos importantes na educação das pessoas com deficiência, foi o Princípio da Normalização, originado na Dinamarca na década de 50 do século XX. Esta se opunha às “alternativas e modalidades de atendimento de tendência segregacionista e centralizadora, refletindo-se também, na organização de serviços e metodologia de ensino”

(MANTOAN, 1997, p.11). Esse princípio passou a fazer parte do vocabulário da educação especial, originando um novo princípio, o da Integração.

O princípio da normalização e o conceito da integração educacional deram origem a um paradigma, que recebeu o nome de Paradigma de Serviços. Este teve como objetivo principal contribuir para que as pessoas com deficiência pudessem ter uma vida em sociedade tão próxima do normal quanto possível (GONZÁLEZ, 2002).

O Paradigma de Serviços permitiu que a relação da sociedade com essas pessoas mudasse substancialmente. Buscaram-se serviços e recursos que pudessem contribuir para que elas se aproximassem do estado “normal”. Considerou-se, então, que as crianças, jovens e adultos com necessidades educacionais especiais tinham o direito à convivência social com as demais pessoas.

Nesse contexto de debate de idéias, provocado por movimentos internacionais, começou-se a delinear o mais novo paradigma, denominado Educação Inclusiva, fundamentado nos princípios da igualdade, da diversidade e da inclusão social. Neste mais recente paradigma, a pessoa passa a ser identificada pelas necessidades especiais apresentadas e não por suas limitações (GONZÁLEZ, 2002).

Nos últimos anos, o conceito de Educação Especial tem passado por modificações. Para entender a conceituação atual, é necessário conhecer a existência de dois enfoques: o enfoque tradicional, centrado nos déficits com características próprias, frente e à margem da educação geral, e o centrado na concepção inclusiva, que dá respostas à diversidade dos educandos a partir do currículo. Nessa concepção, a educação especial está inserida na educação geral. Nenhuma dessas concepções nega que os alunos tenham problemas no seu processo de desenvolvimento e aprendizagem (GONZÁLES, 2002).

1. 3. Educação Inclusiva 2.

A educação inclusiva vai muito além de atender ao alunado com necessidades educacionais, uma vez que supõe melhoria das práticas educativas para todos os alunos e para a escola em geral (AINSCOW, 1998).

No dicionário Houaiss (2001), as palavras inclusão e integração são sinônimas, mas quando contextualizadas e avaliadas sob a ótica mundial no que se refere à política sócio- educacional, adquirem conotações distintas. Esse é o ponto essencial a ser compreendido, quando se tratam de questões referentes à inserção de pessoas com necessidades especiais na escola e na sociedade em geral.

A diferença entre os conceitos de integração e inclusão precisa ser entendida por toda a sociedade, a fim de possibilitar mudanças culturais. Nem mesmo a força da legislação tem sido suficiente para que essa diferença seja assimilada.

A integração busca selecionar os alunos que têm condições de serem inseridos nas classes comuns do sistema regular de ensino e possibilitar sua adequação à escola. Essa prática vem sendo utilizada há décadas, mas a partir dos anos 80, começou a ser questionada pelos movimentos internacionais, especialmente pelas organizações que lutam em prol das pessoas com deficiência.

O conceito de inclusão é holístico e indica um caminho diferente ao da integração. A inclusão é guiada pela certeza de que discriminar seres humanos é filosoficamente ilegal. Como filosofia, incluir é acreditar que todos têm o direito de participar ativamente da educação e da

sociedade em geral. A inclusão tem força legal e política para quebrar barreiras sólidas em torno das minorias excluídas da sociedade (BLANCO, 1998).

Inclusão denota concordância, pressupõe uma escola com uma política participativa, ou seja, um maior envolvimento entre a família e a escola e entre a escola e a comunidade, onde todos buscam uma educação de qualidade para todas as crianças (FERREIRA, 2005).

O Centro de Estudos sobre Educação Inclusiva de Bristol na Inglaterra define inclusão como sendo uma:

filosofia que valoriza diversidade de força, habilidades e necessidades [do ser humano] como natural e desejável, trazendo para cada comunidade a oportunidade de responder de forma que conduza à aprendizagem e ao crescimento da comunidade como um todo, e dando a cada membro desta comunidade um papel de valor (CSEI n.d:p1).

O Index, que é outra publicação relevante na área da educação inclusiva, segundo Ferreira (2005), estabelece que:

inclusão ou educação inclusiva não é um outro nome para a educação dos alunos com necessidades educacionais especiais. Inclusão envolve uma abordagem diferente para identificar e resolver dificuldades que emergem na escola (.) [a inclusão educacional] implica em um processo que aumente a participação de estudante [nas atividades e vida escola] e reduza sua exclusão da cultura, do currículo e das comunidades das escolas locai (FERREIRA, 2005 p. 58).

O Centro de Estudos sobre Educação Inclusiva, sediado em Bristol na Inglaterra, defende que a inclusão é uma questão de direitos humanos. Portanto, ter acesso à escola e ser aceito é um direito de qualquer pessoa. Nessa mesma linha, a Convenção dos Direitos da Criança em seus artigos 2°, 3º, 12º e 23°, dispõe de elementos para a elaboração de estratégias de inclusão e formas de garantir a todas as crianças, inclusive aquelas que têm deficiência, que tenham acesso e sucesso à escolarização. (ONU, 1989. Disponível em: www. inclusion.que.ac.uk/csie/).

De acordo com a Conferência Mundial de Educação para Todos (1990), a educação inclusiva é entendida como veículo de inclusão social e habilitação da pessoa para a sociedade,

isto é, educação para todos ao longo de toda a vida. Deve iniciar a partir do nascimento, dado que a educação, bem como os cuidados na primeira infância são componentes essenciais da Educação Básica (UNESCO, 1990).

No Brasil, tanto a Constituição de 1988 quanto a LDB 9394/96 destacam a importância e urgência de promover a inclusão educacional como elemento formador da cidadania. Diante disso, os Sistemas de Ensino Federais, Estaduais e Municipais, têm envidado esforços no sentido de se materializar os dispositivos legais que amparam iniciativas no caminho da construção da inclusão escolar.

Conforme a Declaração de Salamanca (1994) a educação inclusiva é uma política educacional que demanda reestruturação dos sistemas de ensino, criando um novo modelo de escola e ressignificando sua função, na busca de uma ideologia educacional inovadora. Tal proposta justifica-se por diversas razões: a) o reconhecimento dos direitos da criança em geral; b) os serviços prestados às crianças com necessidades especiais; c) a necessidade de remoção das barreiras contra a inclusão, especialmente as atitudinais, de modo que todas as crianças possam conviver no mesmo espaço, num clima solidário e respeitoso, tendo acesso às oportunidades educacionais e sociais oferecidas pela escola.

Tudo isso foi reafirmado pelo Decreto Nº. 3.956, de 8 de Outubro de 2001, que promulga a Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas com Deficiência - Declaração da Guatemala.

Formular políticas públicas que promovam transformações nos sistemas educacionais, de modo a não excluir nenhum de seus alunos, é levar em consideração, além da legislação vigente, os marcos legais dos movimentos internacionais, para fazer elegível a inclusão como

uma responsabilidade coletiva, assegurando o acesso de todas as crianças e jovens à educação básica.

A educação inclusiva propõe mudanças não só na política, mas essencialmente, na prática educativa, na aceitação da diversidade, na provisão de serviços de apoio, promovendo assim oportunidade aos alunos que apresentam necessidades educacionais especiais, de freqüentarem a mesma escola, juntamente com as crianças de sua comunidade, de obterem sucesso na aprendizagem, sem sofrer nenhum tipo de discriminação (SALAMANCA, 1994).

Nessa perspectiva, a sociedade precisa conhecer o universo da criança com necessidades educacionais especiais associadas a algum tipo de deficiência ou não, para entendê-la e atender suas necessidades específicas. Somente assim poderá proporcionar a ela o desenvolvimento de suas potencialidades e uma infância feliz (MONTE, 2005).

Segundo Mantoan (2003, p. 60) “Não se pode encaixar um projeto novo, como é o caso da inclusão, em uma velha matriz de concepção”. Daí a necessidade de se recriar ou ressignificar as escolas. Por este motivo, a inclusão abre possibilidades para o aperfeiçoamento da educação escolar, beneficiando a todos os alunos, com e sem deficiência.

As escolas foram construídas sob a perspectiva de educação clássica, focalizada na instrução e na reprodução de conteúdos curriculares. Com a proposta da educação inclusiva, há necessidade de mudanças para atender à diversidade de todos os alunos. Essas mudanças requerem inovações que provoquem na educação transformações de cunho cultural (MANTOAN, 2003).

Nessa perspectiva da educação aberta às diferenças, Mantoan (2003) refere-se à importância da formação inicial ser generalista para todos os professores, com vista a ressignificar o papel da prática pedagógica e da escola, reforçando a aspiração de se formar um

sistema que ofereça educação para todos, eliminando em grande parte as dificuldades expressas pelos professores do ensino regular. Essa proposta poderia gerar uma reforma educacional mais ampla e mais rápida.