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2. ANTECEDENTES: A REGIÃO E A IMIGRAÇÃO ALEMÃ

2.1 Aspectos Locacionais e Geográficos

Situada no centro do Rio Grande do Sul, a região ocupa parte da faixa de transição de duas zonas fisiográficas características do Estado, ou seja a encosta inferior do nordeste e a depressão central. (Arend, 1977, p.

27). Isto implica em diferenças sensíveis quanto ao relevo e também quanto a vegetação. Os contrastes apresentados por estas duas zonas, cujos limites atravessam no sentido leste-oeste a região em questão, são basicamente os que caracterizam as metades norte e sul do estado, conforme descritas por Etges (1991, p. 68): o norte com seu relevo acidentado, porção meridional do planalto basáltico e coberto de matas e o sul com suas áreas planas, com predomínio de campos e vegetação de baixo porte, compondo a chamada zona de campanha.

A vegetação da região enquadra-se segundo Weibel (1979, p. 228), nos dois tipos principais encontrados no sul do Brasil ou seja, densas matas compostas por árvores tropicais latifoliadas e campos limpos. Nas matas

nativas as espécimes mais comuns são o cedro, açoita-cavalo, cabriúva, palmitos, angico, louro, jérivas entre outras, sempre entremeadas pela vegetação de menor porte e entrelaçadas por cipós. Já os campos limpos subtropicais são constituídos por gramíneas altas e duras e gramíneas rasteiras que cobrem o solo de maneira contínua formando um relvado.

A flora variada é resultante do tipo de solo e relevo, além do clima subtropical que impera na região, apresentando invernos rigorosos, com a ocorrência freqüente de geadas e verões bastante quentes e úmidos. A água é abundante, mantida por chuvas bem distribuídas ao longo do ano e que alimentam inúmeros córregos, que por sua vez abastecem os três principais rios que cortam a região: Rio Pardinho, Rio Pardo e Rio Jacuí, tributários um do outro na ordem apresentada, fazendo parte da bacia hidrográfica do sudeste.

Quanto a fauna nativa, hoje bastante rara, podemos dizer que outrora era composta por uma grande variedade de pássaros como o quero-quero, garças, papagaios, perdizes, macucos, entre outros, e por animais de maior porte como capivaras, veados, tatus, antas, macacos e onças, sendo os dois últimos particularmente encontrados nas zonas de matas. A devastação da fauna e da flora foram intensas na região, principalmente após a ocupação da área de matas pelos colonos alemães que até pouco tempo ainda queimavam a floresta para abrir novas áreas para a agricultura.

Contudo, apesar da grande alteração ocorrida em sua cobertura vegetal, podemos perceber ainda hoje, através do relevo e da vegetação remanescente a dicotomia existente na região, representada pela coexistência de áreas com características tão distintas e ao mesmo tempo tão próximas. Quanto a esta questão Weibel (1979, p. 231) destaca:

“Assim, a mata e o campo são dois mundos inteiramente diferentes no sul do Brasil. São diferentes quanto as condições naturais, tanto quanto as econômicas, sociais e raciais. No planalto ocidental do Rio Grande do Sul, esses dois mundos diferentes se limitam por fronteiras nítidas e distintas, com intervalos de alguns quilômetros, até 30 ou 50 quilômetros.”

A descrição de Weibel, encaixa com precisão a situação encontrada na área analisada, inclusive em relação a distância, que no caso de Rio Pardo e Santa Cruz é de aproximadamente 35 quilômetros. De acordo com o pensamento do autor, veremos a seguir como estas questões se materializaram na região, partindo da ocupação inicial dos campos junto do Jacuí, por elementos de origem lusa já na segunda metade do século XVIII e posteriormente com a ocupação por colonos alemães das matas da encosta da serra a partir de 1849.

A origem de Rio Pardo, está diretamente ligada a assinatura do Tratado de Madri, firmado entre Portugal e Espanha em 1750. Este tratado estabelecia os novos limites entre as possessões das duas coroas na América do Sul e tentava por fim a uma disputa de mais de um século sobre o sul do continente. No intuito de estabelecer um melhor posicionamento militar visando a defesa e demarcação das fronteiras do território, foi criado em 1751, pelo Capitão-General Gomes Freire de Andrade, um depósito de provisões que posteriormente foi transformado na Fortaleza Jesus Maria José, junto a margem esquerda do Rio Jacuí, na confluência com o Rio Pardo (Rezende, 1993, p. 23). Com o passar do tempo, foi sendo erguido em torno da fortaleza um núcleo populacional, formado por militares e suas famílias, tropeiros, comerciantes e colonos açorianos.

Alavancada por sua estratégica posição junto ao Jacuí, Rio Pardo progrediu rapidamente, transformando-se em importante entreposto comercial, estabelecendo a ligação com a fronteira e os campos de cima da serra. Sua economia baseava-se na criação extensiva de gado e na agricultura desenvolvida pelos açorianos, fazendo de Rio Pardo um produtor de culturas variadas como feijão, alpiste, cevada, ervilha, centeio, e trigo1 (Laytano, 1948, p. 21).

A pujança econômica do município, teve igualmente reflexos no crescimento de sua sede, como bem o descreve o botânico e viajante

1 A produção tritícola transformou-se, entre os séculos XVIII e XIX, na única cultura comercial do Rio Grande do Sul, até seu declínio iniciado a partir de 1820, quando então foi substituída em larga escala pela pecuária, pois esta apresentava menores riscos e maior lucratividade, estando voltada a produção do charque exportado aos mercados do centro do país. (Elimar Manique da Silva, apud Vogt 1997, p. 7).

frânces, Saint -Hilaire (1974, p. 191), em sua passagem pela região em 1821:

“Sobre a crista de elevada colina corre a principal rua, ficando as demais nos flancos dessa e de outras colinas adjacentes. A maior parte das ruas se comunicam diretamente umas com as outras;

por assim dizer não passam de grupos de casas, atiradas aqui e ali, entremeadas de gramados, terrenos baldios e de cercados plantados com laranjeiras; conjunto variado e agradável à vista. A praça pública é pequena. A igreja paroquial forma um de seus lados e não está ainda acabada, o mesmo acontecendo a duas outras pequenas igrejas existentes na cidade. A casa da Câmara, tendo anexo a cadeia, é um edifício térreo. A rua principal é, em parte, calçada e as demais ainda não o são. Todas ascasas de Rio Pardo são cobertas de telha; várias grandes e bem construídas. Contam-se em grande número as assobradadas, de um e mesmo dois andares e quase todas as que anunciam abastança têm sacadas envidraçadas”.

Através da análise de Saint-Hilaire, podemos perceber o desenvolvimento de Rio Pardo, na época ainda na categoria de vila, através da existência de edificações de maior porte, como igrejas, edifícios públicos e sobrados, o que para a época constituíam-se em algo incomum, pois poucos eram os núcleos com tais características no Brasil meridional.

Não se sabe com certeza se a vila de Rio Pardo teve algum planejamento inicial, contudo se o teve provavelmente teria surgido como uma complementação do forte. O primeiro desenho da planta entretanto, data do ano de 1829 e é assinado por João Martin Buff, engenheiro e agrimensor alemão que posteriormente assumiria como diretor da Colônia de Santa Cruz. Esta planta apresentava algumas características comuns as cidades do período, ou seja, a rua principal no divisor de águas e as demais formando uma malha ortogonal, porém a abertura posterior de novas ruas não seguiu a ortogonalidade e a rigidez pretendida. (Weimer, 1992, p. 52).

A economia de Rio Pardo teve seu apogeu em torno de 1830, quando era grande a movimentação comercial em função de sua posição geográfica, sendo considerada por Antunes (1933, p. 25) como o “centro comercial do Rio Grande”, descrevendo assim a situação: “No Jacuí navios, lanchas e chatas num vaivém contínuo, carregavam e descarregavam, e carretas tiradas a seis, oito juntas de bois, partiam para diversos pontos da fronteira atulhadas de gêneros, fazendas e bugigangas.”

Este período áureo contudo, teve fim com a eclosão da Revolução Farroupilha em 1835, acontecimento este que trouxe muitos problemas a economia de Rio Pardo, como de igual maneira ao restante da Província, e que se estendeu por dez longos anos, encerrando-se em 1845. Após o fim do conflito, a paz voltou a reinar e em 31 de março de 1846 a vila foi elevada a categoria de cidade, contudo suas atividades econômicas não mais conseguiram recuperar-se plenamente. Nas décadas seguintes uma

série de questões levaram a sua estagnação, notada de maneira mais acentuada a partir de 1865.2

Como forma de novamente intensificar o comércio na Província, particularmente entre Rio Pardo e a região de Cima da Serra foi sancionada a Lei Provincial n.º 111 de 6 de dezembro de 1847, que autorizava a abertura de uma estrada ligando Rio Pardo a Cruz Alta, passando por Rincão Del Rey. Esta nova via é criada como uma alternativa a estrada do Passa Sete, existente desde o século XVIII, mas que encontrava-se sempre em precário estado de conservação (Cunha, 1981, p. 97).

Com a abertura desta estrada, foram favorecidos na época, os proprietários de terras na área norte da cidade de Rio Pardo, sendo eles segundo Martin (1979, p. 34): Peter Kleudgen, de origem teuta e posteriormente agente da Colônia de Santa Cruz na Alemanha, João de Faria, proprietário da área de terras onde seria erguida a povoação de Santa Cruz, Gregório Silveira, José Rodrigues de Almeida, Agostinho de Barros, entre outros proprietários de sesmarias que rodeavam a futura colônia, transformando-a de acordo com o autor, em uma “ilha de terras

2 Segundo Rezende (1987, p. 54) as principais causas do declínio econômico de Rio Pardo foram: “os saques sofridos pelo comércio durante a Revolução Farroupilha, (1835-1845), a morte de inúmeros riopardenses na Guerra do Paraguai (1864-1870), a epidemia de cólera-morbus que dizimou a população (1867), os contínuos desmembramentos de territórios, a construção da Estrada de Ferro (1885) e a retirada da Escola Militar e dos últimos batalhões”.

Revista Agora (1996, v2, nº 1, p. 10) destaca também sobre esta questão que: “o fator fundamental do lento crescimento econômico de Rio Pardo a partir de meados do século XIX está vinculado com a incapacidade que teve sua gente, fundamentalmente a sua classe dirigente, de aproveitar a acumulação de capitais proporcionada pela atividade comercial para desenvolver o artesanato, a manufatura e a indústria. Isto é, o capital acumulado, ao que tudo indica, não foi reinvestido em atividades produtivas urbano-industriais.”

devolutas” e que devido as suas características, zona montanhosa e coberta de matas, não atraíram o interesse de nenhum dos antigos povoadores, que a exceção de Peter Kleudgen, prefeririam as terras de campo. (Martin, 1979, p. 34).

A existência de grandes áreas devolutas, formando verdadeiros vazios demográficos na província há muito preocupava o Governo Imperial, somando-se a isto o fato de que nas regiões até então ocupadas, ou seja os campos do sul, o vale do Jacuí e os campos de Cima da Serra, o sistema de grandes propriedades voltadas a criação extensiva, pouco contribuíra para o aumento populacional e o surgimento de núcleos urbanos.

Entre estas áreas escassamente povoadas, encontrava-se a quase totalidade da porção norte da Província, cujo relevo e vegetação dificultavam qualquer iniciativa de uma exploração econômica voltada a pecuária, principal atividade da época. Estas questões criavam entraves, não somente em relação a defesa do território, mas também quanto ao seu desenvolvimento econômico. Visando fazer frente a estes aspectos foi dado início por parte do governo Imperial a um processo de ocupação destas áreas, tendo como base a introdução de imigrantes estrangeiros. Esta iniciativa contudo, teve nas províncias do sul objetivos diferentes daqueles previstos para o centro do país conforme Vogt (1997, p. 54):

“Assim, enquanto que no centro do país o fluxo imigratório visava a obtenção de mão-de-obra para a lavoura, no sul o intuito era o de povoar o território através do estabelecimento de comunidades agrícolas sedentárias e autônomas que: 1º) pudessem constituir uma agricultura voltada para o mercado;

2º) ocupassem a província que, historicamente, fora palco de

conflitos lusos-brasileiros e castelhanos; 3º) mantivessem o equilíbrio de ordem política, formando uma classe de pequenos e médios proprietários não ligados, política e ideologicamente, aos interesses dos grandes estancieiros.”

A vinda deste contingente populacional trazia em seu âmago, como podemos ver, a intenção de satisfazer uma série de necessidades e interesses tanto dos governos Imperial e Provincial, como dos próprios imigrantes, oriundos de uma Europa em grandes transformações sociais, políticas e econômicas.