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1. Introdução

5.3 Aspectos neurológicos e de neuroimagem

Todos os pacientes desta série tiveram prejuízo em suas atividades de vida diária, sendo a maioria de forma grave. Em nove destes doze indivíduos o comprometimento principal foi motor, visto que vários deles encontram-se em cadeira de rodas, enquanto em quatro deles o prejuízo se associou a alterações cognitivas e comportamentais. Estas compreenderam déficit intelectual nos irmãos 3 e 4 (forma adulta), rebaixamento da compreensão na paciente 7 (forma adulta) e depressão no paciente 8 (forma juvenil). A paciente 9 (forma adulta) apresentou um episódio de surto psicótico que foi atribuído ao uso de carbamazepina, com total remissão após sua retirada.

Todos os pacientes apresentaram disartria. A presença de disartria e anartria é extremamente comum na forma adulta da gangliosidose GM1 sendo encontrado em 97% dos casos e ajuda a distinguir pacientes com distonia primária idiopática (16). Em uma casuística com 16 pacientes de origem japonesa, todos apresentavam alterações da fala (25).

74 Tabela 6. Resumo dos achados neurológicos.

Forma juvenil Forma adulta

Paciente 2 5 6 8 1 3 4 7 9 10 11 12 Total Prejuízo AVD G G L G G G G G G L G G 12/12 Disartria + + + + + + + + + + + + 12/12 Extrapiramidal + + - + + + + + + - + + 10/12 Distonia facial + + - + + + + + + - + + 10/12 Distonia MM + + - + + + + + + - + + 10/12 Grimacing + + - + + + + + + - + + 10/12 Atrofia musc. + + - + + + - + + - + + 9/12 Piramidal + + - + - + - + + + - + 8/12 Disfagia + + + + + - - + NI + - + 8/12 Mv. ocular an. + + + NE + NE NE + + + NE + 8/12 Alt. comport. - - - + - + + + - - - - 4/12 Ataxia - - - + - - ? - - - 2/12 Epilepsia - - - 0/12

Legenda: + = presente; - = ausente; ? = duvidoso; AVD = atividades de vida diária; G = grave; L = leve; MM = membros; NE = Não examinado, NI = não informado.

Em dez pacientes foram constatados sinais evidentes de alterações extrapiramidais como distonia, facial e de membros, sendo esta distonia generalizada um aspecto predominante durante todo o curso da doença (31). Roze et al. (31) sugerem que, em pacientes com distonia de início precoce associado a baixa estatura e displasia esquelética,

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deve ser suspeitado o diagnóstico de gangliosidose GM1, sendo que a distonia orofacial é um sinal comum na forma crônica, com uma prevalência de 87,5% (16).

Atrofia ou hipotrofia muscular esteve presente em 9/12 pacientes de nossa casuística podendo ser secundária à disfagia, com consequente desnutrição, e(ou) ao desuso muscular. Em uma série de 16 pacientes japoneses foi evidenciado atrofia muscular em apenas 3/16 pacientes (25).

Oito em doze de nossos pacientes apresentaram sinais de síndrome piramidal como reflexos vivos, reflexo cutâneo plantar em extensão e aumento do tônus velocidade dependentes, sinais estes encontrados ou descritos na literatura pesquisada em 66% dos pacientes japoneses e em 62% de pacientes não japoneses (31).

Os movimentos oculares são descritos como normais nas séries disponíveis na literatura (6,15) porém em nossa cauística oito de doze pacientes apresentaram alterações da motricidade ocular extrínseca como segmento fragmentado e intrusões sacádicas. Estas últimas alterações haviam sido descritas apenas em um paciente indiano por Muthane et al. (16).

Um sinal previamente descrito na literatura, mas que foi de difícil caracterização em nossa casuística, foi a ataxia axial, considerada possível em 2/12 pacientes. O paciente 4 apresentava dificuldade de deambulação e alterações comportamentais importantes e o paciente 8 não deambula, portanto, dificultando a avaliação neurológica.

Sinais de parkinsonismo têm sido relatados em 48% (31) e 7,5% (16) dos pacientes. Em nosa casuística não foram evidenciados tais achados.

Em relação aos achados de neuroimagem, não há muitas descrições em gangliosidose GM1. Os relatos mais antigos, geralmente baseados em TC, foram

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comentados por Suzuki et al. (6) e uma revisão dos achados de RM foi feita por van der Knaap & Valk (12).

A maioria desses relatos é baseada nas formas infantil (21,41,42,43) e juvenil (44,45) da doença. Na maioria dessas publicações, o exame de RM foi realizado abaixo da idade de dois anos, exceto pela descrição de De Grandis et al. (46) que relataram exames em um menino de oito anos e em uma paciente de 20 anos de idade. Descrições de neuroimagem na forma adulta de gangliosidose GM1 são limitadas a poucos artigos e compreem uma faixa etária bastante variável, indo do relato de Vieira et al. (46) em um paciente de 12 anos até o de Campdelacreu et al. (15) em uma adulta de 46 anos.

Exames de RM de encéfalo em pacientes com gangliosidose GM1 na forma crônica são frequentemente (90,9%) alterados (16). Os achados incluem sinal hiperintenso em T2 com atrofia bilateral de núcleo caudado e putâmen, sinal hipointenso em T2W nos globos pálidos, atrofia cerebral e discretas alterações de substância branca. Dilatação do sistema ventricular e do espaço subaracnoide, além de atrofia cerebelar e cerebral, também têm sido descritos na forma juvenil da doença (12).

No presente estudo foram realizados exames de RM do encefálo e coluna cervical de forma sistemática em seis pacientes, sendo dois com a forma juvenil (pacientes 2 e 5) e quatro com forma adulta (pacientes 1, 7, 10 e 12) (tabela 7), além de haver exames anteriores realizados em serviço externo em outros dois indivíduos.

Na série de exames realizados de forma sistemática foram evidenciados dilatação do sistema ventricular supratentorial, hipossinal em FLAIR, T2 e difusão localizado nos globos pálidos e hipersinal em FLAIR na região póstero-lateral putaminal em todos os seis pacientes. O achado de hipossinal em T2W em globo pálido sugere acúmulo de ferro nesta região (24). Apesar de estudos de microscopia (12) não demonstrarem o depósito de ferro na

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gangliosidose GM1, pelas características de neuroimagem esta doença pode entrar como diagnóstico diferencial nos pacientes que apresentam neurodegeneração com acúmulo de ferro no cérebro (NBIA, sigla em inglês), grupo amplo de distúrbios com acentuada deposição regional de ferro, particularmente em globo pálido, substância negra, estriato e núcleo dentado cerebelar. A sintomatologia clínica não é específica, tendo em vista que as NBIAs podem se manifestar em idades variadas, desde a infância até a idade adulta, com várias combinações de distúrbios do movimento, convulsões, sinais piramidais, declínio cognitivo, sinais extrapiramidais e outros (23).

Tabela 7: Aspectos de neuroimagem em seis pacientes.

Juvenil Adulta

Paciente 2 5 1 7 10 12 total

Dilatação ventricular + + + + + + 6/6

Hipointensidade globo pálido T2W + + + + + + 6/6 Hiperintensidade de putâmen em FLAIR + + + + + + 6/6 Deformidade vertebral + NI + + + + 5/5 Atrofia de putâmen + + + + - - 4/6 Atrofia cortical - - - + - - 1/6 Alterações de tálamo - - - 0/6

Alteração de substância branca - - - 0/6

Atrofia cerebelar - - - 0/6

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Anomalias de corpos vertebrais foram vistas em cinco casos, sendo que no sexto paciente não foi possível avaliar por questões técnicas relacionadas a artefatos de movimentação durante a aquisição das imagens. Outro achado frequente foi a redução do volume putaminal em quatro indivíduos. Em um único caso havia atrofia cortical e em nenhum desses indivíduos foram vistas alterações de tálamo, substância branca ou atrofia cerebelar.

Quanto aos demais dois indivíduos que haviam realizado avaliação de neuroimagem, ambas com a forma adulta, na paciente 3 foi vista dilatação do sistema ventricular e atrofia cortical difusa, enquanto na paciente 9 não foram evidenciadas alterações, sendo ainda o único caso em que foi possível realizar espectroscopia, a qual resultou normal. Em nenhum exame de neuroimagem, realizado nos pacientes em nossa casuística, foi evidenciada calcificação dos núcleos da base.

Roze et al. (31) demonstraram hipersinal em putamem, nas imagens T2W, em apenas 42% dos pacientes analizados enquanto Muthane et al. (16) relataram alterações em putâmem em 90% dos pacientes em uma metanálise. O padrão de distribuição das lesões, envolvendo predominantemente o putâmen, como observado nas RM e estudos anatomo- patológicos, pode explicar o fato da distonia ser um sintoma predominante na forma adulta (15).

Os pacientes 6 (forma juvenil) e 10 (forma adulta) não apresentaram distonia e grimacing face sendo que o paciente 10 apresenta, como pode ser visto na tabela 7,

alterações em globo pálido e em putâmen, o que pode sugerir uma alteração cumulativa nos gânglios da base até determinado ponto quando os sintomas se tornam evidentes.

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Segundo Van der Knaap et al (12), na forma crônica o depósito de GM1 é predominantemente em gânglios da base e a substância branca pode ser afetada apenas em proporções mínimas. Diferente da forma infantil onde há descrição de alterações importantes em substância branca podendo sugerir alteração da mielinização e(ou) destruição da mielina (47).

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