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O clima e os processos oceanográficos associados (ondas e correntes costeiras) que afetam a costa da Bahia são controlados pelo cinturão de ventos alísios do Atlântico sul e por frentes frias, dois elementos associados com a Zona de Convergência Intertropical. Os ventos alísios se originam da célula de alta pressão anti-ciclone do Atlântico Sul. No verão, a zona de divergência de ventos alísios, situada a 20ºS no inverno, migra para cerca de 12ºS. Ao norte da zona de divergência estes ventos sopram predominantemente na direção sudeste-leste, ao sul, no sentido nordeste-leste. Tal sistema de circulação representa o principal controle do padrão de ondas e dispersão de sedimentos observado ao longo da costa da Bahia. As frentes frias, resultantes do deslocamento de massas polares antárticas no sentido norte, atingem latitudes de cerca de 10º ou menores durante o inverno (Bittencourt et al. 2000; Leão & Dominguez 2000; Andrade et al. 2003; Dominguez 2006). Embora não possuam o gradiente térmico observado nas regiões sul e sudeste do Brasil, estas constituem o principal mecanismo de produção de chuvas no sul da Bahia (Aragão 2004).

O clima no setor leste da costa brasileira é tropical úmido (Baía de Todos os Santos até o Rio Paraíba do Sul), contrastando com o semi-árido que predomina no setor norte-nordeste (Golfão Maranhense até a Baía de Todos os Santos). A temperatura da superfície do mar é o parâmetro mais conservativo ao longo da costa tropical do Brasil, variando entre 30ºC durante o verão e outono (fevereiro a maio), a 28ºC no final do inverno ao início do verão (agosto a dezembro) no norte-nordeste, e de 30ºC (fevereiro a maio) a 27ºC (julho e agosto) no setor leste. No entanto, a temperatura mínima exibe um marcante decréscimo no sentido norte-sul. No trecho norte-nordeste ela varia de 25ºC durante o verão e o outono, até 23ºC na primavera e inverno, enquanto no setor leste a temperatura mínima pode chegar até 21ºC no inverno (Leão & Dominguez 2000).

Partindo-se das camadas superficiais até o nível da termoclina, a corrente mais importante que flui ao longo da costa brasileira é a Corrente do Brasil (CB) (Fig. 2). Esta se origina da bifurcação do ramo sul da Corrente Sul Equatorial, ao sul de 10ºS, e flui para o sul, bordejando o continente sul-americano até a região da Convergência Subtropical, localizada entre 33–38ºS, onde forma confluência com a corrente das Malvinas e se afasta da costa. Assim, a CB nasce e se desenvolve ao largo da costa brasileira, constituindo-se na feição oceânica mais importante do lado ocidental do Atlântico Sul (Stramma et al. 1990; Castro et al. 2006; Cirano et al. 2006). Cirano et al. (2006) consideraram a CB como o fluxo associado ao movimento de duas massas de água, a Água Tropical (AT) e a Água Central do Atlântico Sul (ACAS). A AT, como água superficial (0–116 m) é formada devido à intensa radiação e

ao excesso de evaporação em relação à precipitação, característicos do Atlântico Sul equatorial, sendo transportada para o sul pela CB. Suas temperaturas são caracterizadas por serem > 20ºC e salinidades acima de 36, ao largo do sudeste brasileiro. A ACAS (116–657 m) se forma na confluência da CB com a Corrente das Malvinas, e possui salinidade > 34,6 e < 36 e temperaturas > 6ºC e < 22ºC. Os valores máximos de temperatura da AT ocorrem entre 10ºS e 15ºS e não ultrapassam os 26ºC, enquanto os valores máximos de salinidade, que atingem 37 ups, ocorrem um pouco mais ao sul, ao longo da costa sul da Bahia (Castro et al. 2006; Cirano et al. 2006).

Figura 2: Fluxo da Corrente do Brasil (CB) ao largo da costa leste do Brasil, adaptado de Nonaka et al. (2000). Setas vazias indicam o eixo principal da CB; setas sólidas mostram locais de afloramento da Água Central do Atlântico Sul. A área em cinza representa regiões com ocorrência de ressurgência costeira (Re). Montes submarinos estão indicados por linha pontilhada (isóbatas de 50, 100 e 1000 m muito próximas). Estados brasileiros: (BA) Bahia, (ES) Espírito Santo, (RJ) Rio de Janeiro.

O Banco de Abrolhos e a cadeia Vitória-Trindade formam uma barreira topográfica para a CB, causando alterações fundamentais e variabilidade espacial em fatores químicos, físicos e biológicos sobre a plataforma e ao longo de sua margem. Redemoinhos são gerados ao longo da plataforma continental do leste do Brasil, formando vórtices ciclônicos ao sul do Banco de Abrolhos. A ressurgência costeira da ACAS, rica em nutrientes, caracteriza a área ao sul de Abrolhos na primavera e no verão, resultando em alta produção primária (Summerhayes et al. 1976; Knoppers et al. 1999) (Fig. 2). Manchas de ressurgência localizadas fazem com que a temperatura das águas costeiras próximas aos bancos sejam mais frias que as da CB adjacente, apresentando temperaturas médias de 26,5ºC na plataforma interna e 29ºC na oceânica (Cabral et al. 2001). Uma feição única da plataforma interna do nordeste e do leste do Brasil é a falta de uma massa de água costeira bem definida. O aporte fluvial não é suficiente para manter uma fração de água doce detectável ao longo da costa, mesmo dentro da isóbata de 20 m em frente à foz dos principais rios, devido à eficiente diluição por parte da AT. Porém, a extensão da área afetada pela água doce ainda não é conhecida. No verão, sob condições de ventos moderados no sentido norte e nordeste, escassez de chuva e baixa contribuição fluvial, a CB cobre a plataforma do Banco de Abrolhos (salinidade > 39 e temperaturas > 22ºC e < 28º C), inclusive as áreas bem próximas à costa. No inverno, frentes frias vindas do sudeste são freqüentes e o movimento da CB em direção ao sul é fraco, o que cria uma corrente costeira reversa, que flui em direção norte (Knoppers et al. 1999; Leipe et al. 1999).

3B. A Linha de Costa

Os principais controles da sedimentação ao longo da costa e da plataforma continental adjacente incluem a história do nível do mar, o suprimento de sedimentos e o clima. Durante a última transgressão marinha, ocorrida há 5.100 anos durante o Quaternário Superior, o nível do mar estava posicionado a 5±2 m acima do nível atual, e a maior parte da zona costeira se encontrava inundada. Os rios não desembocavam diretamente no mar, e sim no interior de estuários, baías, lagunas e ilhas-barreira, que eram os ambientes costeiros mais importantes. Este foi um período de máxima expansão dos manguezais e de grande desenvolvimento de corais na plataforma adjacente. Com o decréscimo do nível do mar vastas áreas de estuários e lagunas desapareceram e os topos dos recifes ficaram expostos. O efeito do decréscimo do nível do mar, aliado ao incremento do suprimento de sedimentos por parte dos rios, resultaram na progradação da linha de costa, trazendo a mesma para junto dos recifes de coral, ou simplesmente os enterrou com sedimentos siliciclásticos. O aumento da turbidez da água

resultou em estresse adicional aos recifes e a outros ecossistemas da plataforma interna (Leão & Dominguez 2000; Bittencourt et al. 2008).

As drenagens que deságuam no Oceano Atlântico entre os rios São Francisco e Paraíba do Sul são maiores, drenam áreas de maior altitude média, e possuem clima mais úmido quando comparadas aquelas situadas entre a foz do São Francisco e o Golfão Maranhense. As diferenças no suprimento de sedimentos são refletidas diretamente na distribuição dos depósitos Quaternários ao longo da costa. Ao sul do Rio São Francisco estes depósitos resultantes da progradação da linha de costa são abundantes, enquanto ao norte os tabuleiros atingem à costa, formando ativas falésias marinhas. Além de afetar o suprimento de sedimentos às bacias de drenagem, o clima também controla a deposição de depósitos eólicos, mas este fator é mais importante no setor norte-nordeste da costa brasileira tropical (Leão & Dominguez 2000).

A costa da Bahia apresenta duas tipologias costeiras básicas, que ilustram diferentes tipos de sedimentação. Nas regiões norte e central tem-se a costa em “rift” de Camamu-Todos os Santos, marcada pela erosão diferencial das rochas sedimentares menos resistentes da Bacia de Camamu-Recôncavo, que expôs uma formação de blocos falhados que constituem a arquitetura destas bacias que, quando invadidas pelo mar durante o Quaternário, originou algumas das maiores baías brasileiras. A sedimentação nesta parte é fortemente influenciada pelas marés. Ao sul, os rios descarregam grande quantidade de sedimento no oceano, resultado da combinação de grandes bacias de drenagem com altitudes médias e níveis de precipitação elevados, produzindo clássicos deltas dominados por ondas, como, por exemplo, os dos rios Jequitinhonha e Caravelas. Este tipo de costa ainda é encontrado em direção ao sul, até a foz do Rio Paraíba do Sul, podendo ser considerado típico do leste do Brasil (Dominguez 2006).

Bittencourt et al. (2005) reconheceram 12 setores na costa brasileira entre o Golfão Maranhense e Mucuri (Bahia), considerando aspectos geológicos e fisiográficos, dos quais cinco na costa da Bahia. Tais setores são brevemente caracterizados abaixo, em ordenação norte-sul:

A) Mangue Seco-Itapuã: presença de depósitos da formação Barreiras (depósitos Terciários) próximos à linha de costa, planície Quaternária estreita, presença de “beach-rocks” descontínuos e alguns recifes de coral.

B) Itapuã-entrada da Baía de Todos os Santos: presença de afloramentos Pré- cambrianos na linha de costa, planícies Quaternárias pouco desenvolvidas e “beach-rocks” descontínuos.

C) Baía de Todos os Santos-Itacaré: linha de costa irregular com pequenas baías e canais de maré, sendo os depósitos Quaternários expressivos ao sul da Baía de Todos os Santos.

D) Itacaré-Ilhéus: presença de afloramentos Pré-Cambrianos que atingem o oceano ou próximo dele, e de depósitos Quaternários pobremente desenvolvidos.

E) Ilhéus-Mucuri: presença do Grupo Barreiras que em algumas seções alcançam a linha de costa, gerando falésias. A planície Quaternária costeira, com terraços marinhos e acumulações deltáicas, apresenta largura considerável em alguns trechos. Este setor é também caracterizado pela presença dos recifes de coral do Banco de Abrolhos.

O Banco de Abrolhos contem as maiores e mais ricas áreas de recife de coral de toda a costa brasileira. Estes formam dois arcos: o arco costeiro, localizado a poucos quilômetros da linha de costa, é composto por bancos de recifes de várias formas e dimensões, e um arco externo, bordejando o lado leste do Arquipélago de Abrolhos, formado por chapeirões isolados em águas com profundidades maiores que 20 m (Leão & Dominguez 2000; Leão 2002).

Segundo Kempf (1971) as descargas dos rios costeiros têm, no geral, apenas conseqüências locais. Entre os principais rios, formadores de extensas áreas estuarinas, destacam-se, de norte para sul, o Rio Paraguaçu, que desemboca à oeste da Baía de Todos os Santos, o Rio de Contas, com sua foz junto à cidade de Itacaré, o Rio Pardo, com foz junto à Canavieiras, o Rio Jequitinhonha, e sua foz em Belmonte, e o Rio Mucuri, com sua desembocadura junto à cidade homônima (Fig. 1).

3C. A Plataforma Continental e os Fatores Edáficos

A plataforma continental da Bahia pode ser dividida em dois setores bem definidos (Fig. 3). No primeiro, situado ao norte de Ilhéus (14–15ºS), a plataforma é bem estreita, apresentando acentuado gradiente batimétrico, com isóbatas arranjadas de modo quase paralelo uma em relação à outra e em relação à linha de costa. No segundo setor, situado ao sul de Ilhéus, a plataforma sofre um alargamento, caracterizado por um baixo gradiente batimétrico e isóbatas com contorno irregular (Bittencourt et al. 2000). A parte norte tem 10 km em frente à Salvador, se estreitando até 5 km em frente à Itacaré (14º16’S), sendo o trecho mais estreito da plataforma continental brasileira (Lana et al. 1996; Freire & Dominguez 2006). No setor sul, as principais feições fisiográficas são o Banco Royal Charlotte, que alcança 100 km ao largo de Belmonte (15º51’S), e o Banco de Abrolhos, situado 190–200 km em frente à Caravelas (17º45’S) (Lana et al. 1996).

Figura 3: Aspectos fisiográficos da plataforma continental do estado da Bahia, Brasil, adaptado de Bittencourt et al. (2000). Contornos batimétricos em metros.

Ainda pouco se sabe a respeito da composição dos fundos da plataforma da Bahia, especialmente ao sul da Baía de Todos os Santos (Lana et al. 1996). Em linhas gerais os sedimentos superficiais do fundo, em águas rasas, constituem duas grandes fácies sedimentares, de natureza terrígena e biogênica, que estão paralelamente distribuídas ao longo da linha da costa (Leão & Brichta 1996).

Freire & Dominguez (2006) verificaram que a quebra da plataforma continental central da Bahia, entre a Ponta do Mutá (13º52’S) e Olivença (14º56’S), se dá em torno de 60 m, e que os fundos neste trecho da costa são compostos basicamente por dois tipos de sedimento: os siliciclásticos arenosos e lamosos, restritos à face da costa e à plataforma interna, e os carbonáticos, localizados principalmente na plataforma média e externa, e no talude.

A ocorrência de algas calcárias sobre extensas áreas da plataforma permite sua distinção como fácies sedimentar independente. Esta fácies representa a continuação da fácies arenosa (areia quartzosa litorânea), situando-se entre esta e a borda externa da plataforma. No nordeste do Brasil, as algas dominam a maior parte da plataforma. Este tipo de sedimento ocorre desde o Piauí até Cabo Frio, e também na plataforma de Fernando de Noronha, do Atol das Rocas, e dos montes submarinos encontrados a menos de 100 m de profundidade ao longo da costa. Geralmente as algas se desenvolvem melhor onde o substrato é relativamente duro e as águas límpidas. Desta forma, águas com correntes fortes e turbulentas, com lama em suspensão, não são favoráveis ao crescimento das algas. Outro fator a influenciar o desenvolvimento dos bancos é a penetração da luz, necessária para a realização de fotossíntese. Em virtude disso, é provável que o limite de crescimento das mesmas esteja situado a aproximadamente 90 m no nordeste, contrastando com certas áreas do Mediterrâneo Oriental, cujas águas claras permitem o desenvolvimento das algas até profundidades de 150 a 180 m (Kempf et al. 1969; Otmann & Otmann 1969; Kempf 1970; Manso et al. 2004).

Os elementos que compõem este conjunto são principalmente do grupo das Melobesiae (Rhodophyceae, Corallinaceae), presentes sob a forma de pequenos talos ramificados livres (Lithothamnium), ou de concreções de tamanho variável. Em locais de águas calmas pode predominar Halimeda (alga calcária verde). Como elementos acessórios podem ainda ser mencionados foraminíferos e conchas quebradas de moluscos acumulados nos interstícios e espaços vazios das concreções algálicas. Completam a fácies uma fração arenosa, originária da desagregação das algas, e uma pequena porcentagem de lama calcária branca (Kempf et al. 1969; Otmann & Otmann 1969; Kempf 1970; Manso et al. 2004).

Observa-se grande variação dos tipos morfológicos das algas calcárias em função da profundidade de ocorrência e da latitude. No nordeste, fragmentos de Lithothamnium predominam em águas infralitorais, decrescendo em importância no circalitoral, onde as concreções são mais comuns. Os grandes depósitos de Halimeda que ocorrem no nordeste contrastam com a inexistência destes no sudeste, o que estaria relacionado com o decréscimo da temperatura em função da latitude. Rodolitos (algas calcárias de forma livre) ocorrem na forma maciça ou ramificada, dependendo da região. Briozoários podem predominar em certas

áreas, como na plataforma do norte do Espírito Santo, substituindo gradualmente as algas calcárias (Kempf 1970; Melo et al. 1975; Dias 2000).

A comunidade bentônica associada aos fundos de algas calcárias incrustantes é mais rica em número de espécies comparada aos fundos de areia e lama. Os talos calcários complexos, vivos ou mortos, transformam fundos homogêneos em fundos heterogêneos duros, servindo de habitat para algas moles e invertebrados, incluindo espécies epibênticas, crípticas e endofauna (Kempf 1970; Amado-Filho et al. 2007; Figueiredo et al. 2007). Alguns estudos em grandes bancos de algas calcárias, mais precisamente em mantos de rodolitos, e sua importância para o bentos, foram recentememte conduzidos no Banco de Abrolhos (Figueiredo et al. 2007) e na costa do Espírito Santo (Amado-Filho et al. 2007).

A dominância dos fundos de algas calcárias característica da região nordeste brasileira prossegue na costa da Bahia. O limite superior desta faixa está ligado ao fim da influência terrígena e, conseqüentemente, varia. Geralmente encontra-se nas proximidades do litoral, próximo à isóbata de 20 m, na maior parte da plataforma, exceto em Abrolhos, onde se afasta mais. O limite inferior é dependente da penetração da luz e se situa no início do talude, em profundidades iguais ou pouco superiores a 100 m. Extensos arrecifes de algas calcárias recobrem os Bancos de Abrolhos, Royal Charlotte, Besnard e Vitória. Ao sul de Abrolhos, os fundos de algas calcárias se aprofundam e regridem em importância. Ao largo de Cabo Frio, os bancos se restringem a manchas, sendo substituídos pelos fundos de areia biodetrítica, ricos em briozoários, fragmentos de algas calcárias, corais e conchas (Coutinho 1969; Kempf 1970, 1971; Melo et al. 1975).

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