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3.3. Soro de Queijo

3.3.3. Aspectos Relacionados ao Tratamento Anaeróbio

O tratamento anaeróbio do soro é uma das alternativas mais interessantes que pode ser empregada para se resolver o problema de poluição por disposição de soro sem tratamento em corpos d’água. Entretanto, algumas características do soro como altíssima biodegradabilidade, deficiência de alcalinidade e alta carga orgânica, fazem com que o tratamento anaeróbio desse tipo de substrato em reatores de alta taxa, embora possível, se torne difícil (MALASPINA et al., 1995). Devido à sua elevada biodegradabilidade, o soro tende a acidificar-se rapidamente, dificultando a manutenção da estabilidade do processo quando o reator é operado sob a aplicação de altas cargas orgânicas volumétricas. De acordo com Hill et al. (1987), concentrações de ácidos voláteis totais menores que 1000 mgHAc.l-1 são recomendáveis para manutenção da estabilidade do processo.

Problemas como dificuldade de granulação da biomassa e tendência para formação de material polimérico viscoso de provável origem biológica, o qual reduz a sedimentabilidade do lodo e pode causar perda de biomassa do sistema, também têm sido registrados quando do tratamento anaeróbio de soro de queijo, podendo inviabilizar o uso de reatores UASB para o tratamento deste tipo de substrato (MALASPINA et al., 1995; HICKEY et al., 1991).

Malaspina et al. (1995), operando um reator anaeróbio híbrido para o tratamento de soro de queijo, observaram alta produção de polímeros extracelulares de provável origem biológica no interior do reator, sendo que a formação desse material foi mais relevante durante a aplicação de maiores cargas orgânicas volumétricas, em torno de 10 gDQO.l-1.d-1, diminuindo a capacidade de sedimentação da biomassa e causando o seu arraste. Segundo Sutherland (1985), a formação desse material polimérico é favorecida quando do tratamento de águas residuárias contendo alta concentração de açúcar e alta relação C/N.

Alguns trabalhos da literatura mostram que a ausência de micronutrientes e de um sistema de controle de pH também tornam difícil a manutenção da estabilidade do processo em reatores anaeróbios de alta taxa tratando soro de queijo (BOENING & LARSEN, 1982; LO & LIAO, 1986; MARSHALL & TIMBERS, 1982; KELLY & SWITZENBAUM, 1984).Em grande parte dos casos, torna-se necessária então a adição

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de alguma fonte externa de alcalinidade, na forma de bicarbonato, carbonato ou algum hidróxido (YAN et al., 1992; LO & LIAO, 1986). Além disso, de acordo com Omil et al. (2003), a adição de fonte externa de alcalinidade não somente aumenta a capacidade tampão do meio, como também facilita a degradação anaeróbia de lipídeos presentes no soro. No entanto, o uso de bicarbonato de sódio para o controle do pH pode resultar em efeitos tóxicos aos microrganismos quando a concentração de sódio passa a ser maior que 8000 ppm (McCARTY, 1964; GRADY & LIM, 1980).

Segundo Demirel et al. (2005), a concentração de matéria orgânica, de sólidos suspensos e a alcalinidade disponível são os principais fatores que influenciam na estabilidade do processo, na eficiência de remoção de matéria orgânica e na máxima carga orgânica volumétrica que pode ser aplicada no tratamento anaeróbio de soro. De acordo com os autores, o efeito de aumentos na carga orgânica volumétrica aplicada sobre a estabilidade de reatores anaeróbios tratando efluentes de indústria de laticínios é um dos principais parâmetros que merecem atenção e que devem ser estudados atualmente. Além disso, a maioria dos estudos sobre tratamento anaeróbio de soro de queijo foi realizado utilizando soro diluído, em baixas concentrações, o que diminui significativamente o risco de perda de estabilidade do processo (ERGÜDER et al., 2000).

Portanto, é importante o desenvolvimento de estratégias de controle com o objetivo de manter estável a operação de reatores anaeróbios de alta taxa, quando estes são utilizados para o tratamento de soro. Estas estratégias de controle colaboram para uma minimização do acúmulo de ácidos voláteis no reator (YAN et al., 1992; DEMIREL et al., 2005). Por exemplo, estratégias como recirculação do efluente, ajudam na diluição do afluente e, ao mesmo tempo, aumentam a sua alcalinidade disponível, diminuindo ou eliminando a necessidade de adição de fonte externa de alcalinidade.

Borja e Banks (1995) utilizaram um reator anaeróbio de leito fluidizado com reciclo do efluente, em escala laboratorial, para o tratamento de água residuária de indústria de sorvetes. Durante o primeiro mês de operação, a carga orgânica volumétrica foi aumentada gradualmente de 3,2 a 15,6 gDQO.l-1.d-1, não causando variação significativa na eficiência de remoção de matéria orgânica, na produção de metano e na concentração de ácidos voláteis totais. A cada aumento na carga orgânica volumétrica era verificado um pequeno aumento da concentração de ácidos voláteis totais, a qual diminuia em seguida e voltava a apresentar seus valores originais depois de 14 horas.

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Para cargas orgânicas volumétricas acima de 15,6 gDQO.l-1.d-1, a eficiência de remoção de matéria orgânica foi de 94,4 %. Os autores citam que a estabilidade do sistema e o alto valor obtido para a eficiência de remoção de matéria orgânica podem estar relacionados à recirculação do efluente e à adição de metanol ao afluente durante o primeiro mês de operação, o qual favoreceram o crescimento de biomassa metanogênica.

Bermúdez et al. (1988) utilizaram um filtro anaeróbio com recirculação, em escala de bancada, para o tratamento de soro de queijo, e verificaram uma ligeira queda na eficiência de remoção de matéria orgânica (de 69 para 63 %) com o aumento da carga orgânica volumétrica (de 3,85 para 7,70 gDQO.l-1.d-1). O aumento na carga orgânica volumétrica não causou variação na concentração de ácidos voláteis totais e no pH do reator, o qual manteve sua estabilidade sem a necessidade de suplementação de alcalinidade.

Outra estratégia de controle do processo registrada em alguns trabalhos da literatura é a utilização de sistemas de duas fases (reator acidogênico seguido de reator metanogênico), o qual pode permitir uma operação estável sem a necessidade de adição de alcalinidade. Yilmazer & Yenigün (1999) utilizaram um sistema de duas fases para o tratamento de soro de queijo. No referido trabalho, foi determinado o tempo de detenção hidráulica no qual resultou em maior eficiência de remoção de matéria orgânica, para cada um dos reatores do sistema de duas fases. O primeiro reator (acidogênico) consistiu de um CSTR, e foi operado sob diversos tempos de detenção hidráulica (de 18 horas a 4 dias), apresentando maior eficiência de acidificação (50 %) para o tempo de detenção hidráulica de 24 horas. O reator metanogênico, um filtro anaeróbio de fluxo ascendente, apresentou maior eficiência de remoção de matéria orgânica (90 %) para o tempo de detenção hidráulica de 4 dias, dentre os tempos de detenção hidráulica testados (3, 4, 5 e 6 dias).

García et al. (1991) utilizaram um sistema de duas fases em escala laboratorial para o tratamento de soro de queijo. A recirculação do efluente do reator metanogênico para o reator acidogênico causou uma diluição do afluente do reator acidogênico, permitindo maior estabilidade e eficiência (99 %) do sistema sem a necessidade de adição de fonte externa de alcalinidade, e permitindo a aplicação de cargas orgânicas volumétricas de até 30 e 15 gDQO.l-1.d-1 no reator acidogênico e metanogênico, respectivamente.

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também ser função da imobilização da biomassa em algum suporte inerte. Zellner et al. (1987) realizaram a comparação entre dois reatores de fluxo ascendente, um com biomassa imobilizada em cerâmica porosa e outro contendo células livres, para o tratamento de soro de queijo. Os autores verificaram que ambos os reatores atingiram eficiências de remoção de matéria orgânica de 95 %, no entanto, a máxima carga orgânica volumétrica que pôde ser aplicada no reator com células livres e com células imobilizadas foi de, respectivamente, 8 e 24 gDQO.l-1.d-1, indicando que o reator com biomassa imobilizada apresentou maior velocidade de remoção de matéria orgânica. Além disso, a concentração de ácidos voláteis e o tempo de partida foram menores no reator com biomassa imobilizada.

Como já citado anteriormente, a aplicação de altas cargas orgânicas volumétricas em reatores anaeróbios tratando soro de queijo pode levar à perda da estabilidade do processo. Ademais, vale ressaltar que, como no caso dos esgotos domésticos, os efluentes de indústrias de laticínios, como o soro de queijo, estão sujeitos a grandes variações não somente na sua vazão, como principalmente em sua concentração. O impacto e o efeito dessas variações, na estabilidade e eficiência dos sistemas anaeróbios de tratamento, devem ser considerados em todo o projeto e operação como fator preponderante no dimensionamento das unidades (NACHAIYASIT & STUCKEY, 1997).

Yan et al. (1992), operando um UASB de 14,3 l de volume útil, para o tratamento de soro de queijo, estudaram o efeito do aumento da carga orgânica volumétrica sobre a estabilidade e o desempenho do reator. Os autores verificaram que cargas orgânicas volumétricas acima de 5,96 gDQO.l-1.d-1 resultaram em queda de desempenho do reator e perda de estabilidade.

Gavala et al. (1998) utilizaram um UASB de 10 l de volume útil para o tratamento de água residuária de indústria de laticínios composta basicamente de soro de queijo. Visando fornecer nutrientes e manter o controle do pH, foram adicionados soluções de (NH4)2HPO4 e NaOH, respectivamente, à água residuária. Os autores verificaram que para as concentrações de 37 gDQO.l-1 (COV = 6,2 gDQO.l-1.d-1) e 42 gDQO.l-1 (COV = 7,5 gDQO.l-1.d-1), as eficiências de remoção de matéria orgânica foram de 98 e 85 %, respectivamente, sendo que maiores valores na concentração do afluente resultaram em menores eficiências de remoção de matéria orgânica, baixa produção de biogás e queda no pH.

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seqüenciais e contendo biomassa granulada para o tratamento de soro de queijo. O reator, de 5 l de volume útil e com agitação mecânica de 50 rpm, tratou 2 l de soro a cada ciclo de 8 horas, sob a aplicação de cargas orgânicas volumétricas de 0,59; 1,15; 2,50 e 4,79 gDQO.l-1.d-1, correspondendo à cargas orgânicas específicas de 42,4; 44,3; 76,4 e 137,8 mgDQO.gSVT-1.d-1. O reator mostrou-se estável e eficiente para todas as cargas orgânicas volumétricas estudadas, apresentando eficiência de remoção de matéria orgânica próxima de 90 % para amostras filtradas. Vale ressaltar que houve suplementação de alcalinidade ao afluente com NaHCO3, nas relações de 0,5; 0,5; 0,25 e 0,25 gNaHCO3.gDQO-1 para as cargas orgânicas volumétricas de 0,59; 1,15; 2,50 e 4,79 gDQO.l-1.d-1, respectivamente. Para carga orgânica volumétrica de 9,6 gDQO.l-1.d-1, o reator mostrou perda de estabilidade e queda na eficiência de remoção de matéria orgânica. Além disso, para cargas orgânicas volumétricas de 2,5; 4,79 e 9,6 gDQO.l-1.d-1, houve problemas de flotação de biomassa, provavelmente devido à liberação de gás carbônico, uma vez que a quantidade de biomassa flotada aumentou com o aumento da suplementação de alcalinidade.

Damasceno et al. (2004) avaliaram o desempenho de um reator anaeróbio operado em bateladas seqüenciais contendo biomassa imobilizada em cubos de espuma de poliuretano para o tratamento de soro de queijo reconstituído, em função da carga orgânica volumétrica aplicada e do tempo de alimentação. O reator, com agitação mecânica (500 rpm), possuiu volume útil de 3 l e tratou 2 l de soro por ciclo de 8 horas. O afluente foi suplementado com bicarbonato de sódio numa relação de 0,5 gNaHCO3.gDQO-1. Foram estudados três tempos de alimentação (10 minutos, 2 horas e 4 horas) para quatro valores de carga orgânica volumétrica (2, 4, 8 e 12 gDQO.l—1.d-1). Os autores verificaram que tempos de alimentação de 10 minutos e 2 horas resultaram em maiores eficiências de remoção de matéria orgânica para cargas orgânicas volumétricas menores (2 e 4 gDQO.l-1.d-1). Para o tempo de alimentação de 4 horas, o reator se mostrou mais eficiente para cargas orgânicas volumétricas maiores (8 e 12 gDQO.l-1.d-1). O aumento do tempo de alimentação permitiu a redução da concentração de ácido propiônico ao longo do ciclo.

Grande parte dos trabalhos da literatura enfocando tratamento anaeróbio de soro de queijo em reatores de alta taxa mostram que, na ausência de algumas das estratégias de controle do processo já citadas, como recirculação do efluente, utilização de sistema de duas fases, ou uso de um tempo de alimentação maior quando o reator é operado em bateladas seqüenciais, a adição de fonte externa de alcalinidade é essencial para

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manutenção da estabilidade do processo, evidenciando a importância de maiores estudos enfocando a otimização da suplementação de alcalinidade nestes sistemas.

García et al. (1989), utilizando um UASB em escala laboratorial para o tratamento de soro de queijo, verificaram que a principal limitação operacional esteve relacionada à falta de alcalinidade no afluente, o que diminuiu significativamente a capacidade tampão do meio e facilitou sua rápida acidificação. Quando cargas orgânicas volumétricas maiores que 5 gDQO.l-1.d-1 foram aplicadas, houve tendência de acidificação e perda de estabilidade do reator. Depois da acidificação, a retomada do processo e sua recuperação foi bastante lenta e teve de ser auxiliada pela adição de fonte externa de alcalinidade para aumentar o pH.

Malaspina et al. (1996), aplicando um reator anaeróbio híbrido de fluxo ascendente, de 107,5 l de volume útil, para o tratamento de soro de queijo, verificaram que a aplicação de cargas orgânicas volumétricas acima de 10 gDQO.l-1.d-1 levaram à um rápido aumento na concentração de ácidos voláteis totais e conseqüente queda do pH. A partir daí, a recuperação do sistema foi prejudicada e a eficiência de 90 % de remoção de matéria orgânica somente foi mantida por meio da adição de fonte externa de alcalinidade e aplicação de cargas orgânicas volumétricas menores que 1 gDQO.l-1.d-1.

Ghaly et al. (2000) utilizaram um sistema anaeróbio de duas fases para o tratamento de soro de queijo de indústria de laticínios. A carga orgânica volumétrica aplicada foi de 4,8 gDQO.l-1.d-1. Em uma das etapas de operação não houve suplementação de NaHCO3 no segundo reator (metanogênico). Nesta etapa, o pH caiu até 3,3 em ambos reatores levando o sistema à falência. Em seguida, foi realizado o aumento do pH no segundo reator até 7,0 pela adição de NaHCO3, na tentativa de se recuperar o sistema. No entanto, a inibição da biomassa foi irreversível e a retomada do processo não foi possível, frente aos baixos valores de eficiência de remoção de matéria orgânica observados. Em outra etapa, em que houve a reinoculação do sistema, e o controle do pH em 7,0, no segundo reator (metanogênico), pela adição de NaHCO3, o sistema manteve-se estável. Nesta etapa, embora a concentração de ácidos voláteis totais no segundo reator tenha sido de 1640 mgHAc.l-1, não houve inibição da biomassa, fato comprovado pela manutenção da produção de biogás e da eficiência de remoção de matéria orgânica filtrada e não filtrada, que permaneceram em torno de 66,8 e 59,9 %, respectivamente.

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e de 8 l de volume útil, para o tratamento de soro de queijo proveniente de indústria de laticínios, verificaram que o reator apresentou eficiência de remoção de matéria orgânica de 87 % para cargas orgânicas volumétricas de até 8,5 gDQO.l-1.d-1, correspondendo à uma carga orgânica específica de aproximadamente 0,70 gDQO.gSVT-1.d-1. Para cargas de choque de 17 gDQO.l-1.d-1, a eficiência de remoção de matéria orgânica ficou em torno de 75 %. Vale ressaltar que, no referido trabalho, a alcalinidade do meio foi mantida em torno de 1500 mgCaCO3.l-1 pela adição de solução de NaOH e/ou NaHCO3.

Ergüder et al. (2000) utilizaram um UASB em escala laboratorial para o tratamento de soro de queijo de indústria de queijos e verificaram que a eficiência de remoção de matéria orgânica permaneceu praticamente a mesma, entre 95,3 e 97 %, para cargas orgânicas volumétricas de 22,6 a 24,6 gDQO.l-1.d-1, e entre 94,7 e 95,7 %, para cargas orgânicas volumétricas de 10,4 a 14,6 gDQO.l-1.d-1. O afluente era suplementado com nutrientes, metais traços e NaHCO3 (6000 mgCaCO3.l-1). A concentração de sólidos suspensos voláteis no UASB era de aproximadamente 100 gSSV.l-1.

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