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2. CONSTRUINDO OS CAMINHOS DA PESQUISA

2.1 Aspectos teórico-metodológicos

2.1.1 Aspectos históricos

A historicidade e o interesse pelo método biográfico, que emerge das ciências sociais (Ferrarotti, 1991), começa a ser percebido na diversificação do termo na área da educação: Bueno (2006) fala em método biográfico; Dominicé (1988) em biografia educativa; Nóvoa (1998) denomina essa metodologia como método (auto)biográfico; Josso (2004) refere-se a narrativas de formação; Delory- Momberger (2008) usa o termo biografização; Pineau (1999) denomina de abordagens autobiográficas, apresentando quatro categorias: biografia, autobiografia, relatos orais e histórias de vida.

Uma vez que todos os termos estão relacionados à pesquisa biográfica (Delory-Momberger, 2012), tomo como pertinente utilizar a abordagem autobiográfica por entender que os colaboradores desta pesquisa, ao fazerem narrativas de suas experiências musicais, refletem sobre as figuras de si (Delory-

Momberger, 2012; Josso, 2007). Assim, ao apresentar os aspectos históricos e teórico-metodológicos da abordagem autobiográfica farei uma aproximação do termo com o objeto desse estudo, chegando à denominação Narrativas de Experiências Musicais de Jovens Indígenas – NEMJI, discutidas no capítulo de análise. Falar das próprias experiências formadoras “é, pois, contar de certa maneira, contar a si mesmo a própria história, as suas qualidades pessoais e socioculturais o valor que se atribui ao que é “vivido” (JOSSO, 2010, p. 47).

As pesquisas biográficas tiveram início nos anos de 1920, na escola de Chicago. Nos anos 50, o sociólogo Franco Ferraroti, inconformado com a utilização de metodologias formais na pesquisa organizadas em torno de questionários rígidos e rigorosos, questiona-se sobre a possibilidade de ser utilizada outra metodologia que desse conta de resolver problemas e questões relacionadas à vida dos sujeitos em seus cotidianos. Diante de suas inquietações, o que mais chamou atenção de Ferraroti foi o caráter sintético do social que a narrativa autobiográfica poderia apreender através da entrevista face a face com os sujeitos. Nos termos de Ferraroti (1991, p.171): “materiais primários”.

O interesse pelas produções autobiográficas aparece com mais intensidade no início da década de 70, no contexto das transformações econômicas e sociais que afetam as sociedades ocidentais e dos questionamentos políticos e ideológicos que elas provocam. Às dificuldades sofridas no seio de uma sociedade onde crescem as desigualdades sociais, acrescenta-se o distúrbio de identidade nascido da incapacidade das instituições em trazer respostas às interrogações e às aspirações individuais. Este embaraço de referências marca a passagem de uma sociedade ainda tradicional, cujos membros participam de empreendimentos comuns e compartilham as mesmas normas e valores coletivos, para uma sociedade individualizada, onde cabe a cada um criar um projeto de vida e fixar seus princípios de ação e de avaliação. O indivíduo tem, cada vez mais, que encontrar seu lugar na história coletiva; ele retorna a si mesmo para definir suas próprias marcas e fazer sua própria história (DELORY-MOMBERGER, 2006, p. 106).

O tema e a pesquisa autobiográfica alcançaram, após os anos setenta do século passado, uma larga repercussão nos estudos sociais e históricos, tendo como resultado uma vasta produção bibliográfica sobre o assunto em todo o Ocidente, inclusive no contexto brasileiro. A dissolução de certezas e crenças de

validades universais, aliadas à emergência de diferentes grupos sociais minoritários reivindicando visibilidade e poder decisório sobre assuntos e políticas de seus interesses, reforçaram esse mergulho no particular e no individual, favorecendo o ressurgimento da temática autobiográfica. Buscou-se uma nova compreensão para o lugar do indivíduo na história, não só como resultado de estruturas de longa duração que formam e direcionam as sociedades, mas também como atores dos processos sociais e culturais, produzidos em diferentes tempos e lugares (AVANCINI, 2006, p. 120).

A vivência cotidiana apresenta-se, desde então, como uma mediação para o conhecimento individual e coletivo. Portanto, os aspectos históricos abordados evidenciam a consistência do método. A autobiografia tornou-se, segundo Delory – Momberger (2008), um “método de pesquisa tendo sua história, com seus fundadores, seus colóquios, uma produção de literatura, redes múltiplas de pesquisadores e práticas associadas a diversos profissionais em redes regionais, Associações, congressos nacionais e internacionais e uma gama de trabalhos acadêmicos que se valeram desse método para a produção do conhecimento” (DELORY-MOMBERGER, 2008, p.108).

No contexto brasileiro há uma vasta produção acadêmica desenvolvida por pesquisadores da área, em instituições como: Universidade Federal de Pelotas, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, Universidade Federal de Santa Maria, Universidade Federal Fluminense, Universidade Federal do Rio Grade do Norte, Universidade de Campinas, Universidade do Estado da Bahia e Universidade Federal do Pará, entre outras.

O avanço do movimento biográfico na área educacional no Brasil registra um “momento expressivo da pesquisa autobiográfica no país e algumas das tendências de outros países nesse campo” (SOUZA, SOUSA, CATANI, 2003, p.41). Assim, considerando esse progresso como campo de pesquisa que vem se consolidando e expandindo no Brasil, nas palavras de Passeggi, Souza e Viscentini (2011), essa metodologia “tem se firmado, marcadamente, pela diversidade de entradas e modos singulares adotado nos programas de pós-graduação, em suas linhas e grupos de pesquisa” (PASSEGGI, SOUZA E VISCENTINI ,2011, P. 382).

2.1.2 Aspectos teórico-metodológicos

O método autobiográfico é uma abordagem de investigação narrativa, que se ocupa da forma de construir e analisar fenômenos narrativos. O fenômeno consiste no ato de narrar, no acontecimento. É a narrativa como produto, cujos registros podem ser nas formas oral, escrita ou imagética. A narrativa é tanto o fenômeno que se investiga quanto o método de investigação (CONNELLY E CLANDININ, 1995, p.12).

Os caminhos metodológicos empregados para alcançar os objetivos desta pesquisa comungam do pensamento de Delory-Momberger (2008). Ao estabelecer aspectos teórico-metodológicos concernentes à biografia, a autora entende que a narrativa consiste em trazer o movimento da vida, contando como um ser se tornou o que ele é. A partir do momento em que a pessoa narra a sua história para o pesquisador, podemos denominá-la como uma biografia. Delory-Momberger (2012) afirma que:

A postura específica da pesquisa biográfica é a de mostrar como a inscrição forçosamente singular da experiência individual em um tempo biográfico se situa na origem de uma percepção e de uma elaboração peculiar dos espaços da vida social (DELORY- MOMBERGER, 2012, p. 524).

De acordo com a autora, qualquer que seja o quadro ou o campo de estudo mobilizado, a finalidade da entrevista é mesmo colher e ouvir, em sua singularidade, a fala de uma pessoa num momento X de sua existência e de sua experiência (DELORY-MOMBERGER, 2012, p. 526). Portanto, ao narrar-se o sujeito está compondo sua própria história, à sua maneira, com sua linguagem e visão de mundo (ABRAHÃO, 2012, p.59).

Na área de educação musical, as pesquisas que se utilizam da autobiografia têm possibilitado ampliar questões teórico-metodológicas relacionadas à produção da área de educação musical no Brasil: Histórias de vida contada pelo maestro Levino Ferreira de Alcântara (ABREU, 2014); Memórias musicais como formas de trazer as subjetividades narradas por acadêmicos dos cursos de Bacharelado e

Licenciatura em Dança na Universidade Federal de Santa Maria (TEIXEIRA E LOURO, 2014); Potência teórica e a riqueza compreensiva da abordagem (auto)biográfica no estudo dos processos narrativos no campo da Educação Musical (MAFFIOLETTI; ABRAHÃO, 2014); Narrativas de experiências musicais de jovens indígenas (SILVA, 2014); Modos de constituir experiências musicais de Jovens indígenas (SILVA, 2014); Escritas de diários digitais de professores de música para análise de suas trajetórias de formação profissional (LOURO; RAPÔSO, 2014); Narrativas de formação de professores iniciantes na docência (GAULKER, 2013); Narrativas de experiências musicais de crianças (PEDRINI, 2013); Narrativas de profissionalização em música (ABREU, 2012; 2011); Pesquisa narrativa nos Grupos de Pesquisa (LOURO, et al. 2010); Narrativas orais e escritas de alunas professoras (TORRES, 2003).

De acordo com Souza (2007), as pesquisas como fontes autobiográficas conferem um estatuto teórico-metodológico para uma compreensão das práticas educativas e escolares. Assim, as narrativas de alunos indígenas do CRMB se inscrevem numa perspectiva da educação musical escolar indígena.

A pesquisa autobiográfica consiste em compreender os significados daquilo que o indivíduo narra de sua história (GAULKE, 2013, p. 24). Portanto, dar possibilidades de enxergarem as histórias de vida de jovens indígenas, justificável pelos sujeitos, objetos da pesquisa, nos leva a compreender as problemáticas existentes, neste caso, na educação musical escolar indígena. No caso da educação musical (Abreu, 2011, p. 25) diz que, “a pesquisa autobiográfica em educação musical se inscreve na condição humana de um sujeito que conta, por meio de sua relação com música, o que ele é, ou poderá vir a ser” (ABREU, 2014, p.75). Portanto, ao contar suas experiências musicais, os colaboradores desta pesquisa narram os sentidos e significados que a música teve, tem e poderá ter em suas vidas.