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CAPÍTULO II ASSÉDIO MORAL 17


2.4 
 Assédio moral em enfermagem 36

Apesar de considerado um fenómeno com consequências nefastas para o indivíduo, organização e sociedade, o assédio tem sido pouco estudado, no que diz respeito à profissão de enfermagem. Segundo Sá (2008), constitui um problema, disseminado nos vários sectores de prestação de cuidados, que pode originar um clima prejudicial ao bem-estar dos enfermeiros, conduzindo a estados de má saúde mental, com elevados custos para a organização, com reflexos na qualidade dos serviços.

Trata-se de um síndrome psicossocial e multidimensional, porque, conforme descreve Sá (2008):

“se apresenta comummente como gerador de um complexo de sintomas físicos e psíquicos específicos e não específicos não redutíveis a uma configuração típica e facilmente diagnosticável; psicossocial porque afecta o indivíduo, o grupo de trabalho e a organização produzindo disfunções a nível individual e colectivo e multidimensional, porque se origina e desenvolve permeando e afectando a todos os níveis hierárquicos da organização e, também com importantes repercussões externas, familiares e sociais” (p. 94).

Este tipo de violência tornou-se, nos últimos anos, um fenómeno preocupante, quer pela sua dimensão e intensidade, quer pelas consequências que dele advêm. Di Martino (2002) refere que, apesar de afectar todos os sectores e categorias profissionais, é no sector da saúde

que apresenta maior expressão, tendo os enfermeiros três vezes mais a probabilidade de serem vítimas deste tipo de violência que os trabalhadores de outros grupos profissionais. Com base no trabalho realizado por Nordin em 1995, citado por Di Martino (2002) a violência, no sector da saúde, corresponde a um quarto das ocorrências em contexto laboral.

Barbosa, Labrocini, Sarquis, e Mantovani (2011), por sua vez, afirmam que se trata de um problema multidimensional, generalizado, prevalente e com um preocupante impacto na saúde física e mental dos profissionais de saúde, podendo afectar negativamente o seu desempenho profissional e, consequentemente, a qualidade dos cuidados prestados. Pode, além disso, influenciar o enfermeiro, de modo a ser obrigado a abandonar a profissão.

Neste contexto, Ferrinho, Antunes, et al. (2003) realizaram um estudo em Portugal, com o objectivo de caracterizar o fenómeno de violência em profissionais de saúde. Para o efeito, o autor recorreu, em termos metodológicos, à consulta de documentos, questionários, entrevistas (com os vários intervenientes no processo) e estudos de caso, realizados em ambiente hospitalar (277 trabalhadores), num centro de saúde (212 funcionários) e num centro de atendimento de uma equipa de saúde mental comunitária (9 trabalhadores). Os tipos de violência (física e psicológica), mais frequentes, encontrados neste estudo foram a violência verbal, física, sexual, discriminatória e o assédio moral. As principais conclusões referem que mais de metade dos profissionais de saúde questionados, viveram, pelo menos, um episódio de violência física ou psicológica, nos doze meses anteriores ao estudo, com o assédio moral a apresentar uma incidência de 17%, em ambiente hospitalar, e 23% em contexto de centro de saúde. As vítimas são maioritariamente do sexo feminino e os enfermeiros são o grupo profissional cuja incidência nos diferentes tipos de assédio é maior.

Para Stevens (2002), o assédio moral é entendido como um fenómeno cultural, já que a profissão de enfermagem sempre esteve associada a comportamentos intimidatórios por parte dos enfermeiros, como forma de mostrar o seu poder. A mesma autora é de opinião que a construção de uma identidade profissional saudável dos futuros trabalhadores, neste ramo de actividade, deverá ser um aspecto a considerar, necessariamente, por docentes e enfermeiros, enquanto responsáveis pela formação dos novos profissionais.

A este propósito, um estudo realizado por Randle (2003) a alunos de enfermagem, teve, como principais resultados, os efeitos negativos sobre a auto-estima dos futuros profissionais. Más práticas, durante a formação destes alunos, estenderam-se na sua vida profissional. O facto de terem sido assediados pelos profissionais de enfermagem, fez com que também eles prestassem cuidados sem qualidade e sem preocupação pelo bem-estar dos doentes. Esta situação é definida por Woelfle e McCaffrey (2007) como violência horizontal que, segundo os autores, consiste em comportamentos agressivos e destrutivos. Trata-se de fenómeno preocupante que incide sobre os profissionais, desde a sua formação académica. Com efeito, se o ambiente na equipa não for saudável, a tensão entre os seus elementos daí resultante, levará a uma prestação de cuidados deficiente. As agressões físicas, verbais e psicológicas, infligidas ao enfermeiro, produzem efeitos negativos no seu próprio estado de saúde.

Segundo o International Council of Nurses, vários estudos indicam que a violência e o stress, no local de trabalho, representam cerca de 30% dos custos totais das doenças profissionais e acidentes de trabalhado, referindo ainda o stress e a violência como responsáveis custos anuais de, aproximadamente, entre 0,5 e 3,5% do produto interno bruto (International Labour Office, International Council of Nurses, World Health Organization, & Public Services International, 2002).

O contexto de crise económica é favorável ao aparecimento de factores que promovem este tipo de comportamentos no ambiente laboral dos enfermeiros. São de referir, entre outros, os seguintes: a insegurança no emprego e a precariedade; a escassez de recursos materiais e humanos; trabalho por turnos (nomeadamente o nocturno); ritmo acelerado de trabalho imposto; reduzida autonomia dos enfermeiros; organização de trabalho deficiente e, em muitas organizações, a existência de uma hierarquia rígida, implementada com assimetrias que negam a existência de um bom clima de relações interpessoais, tanto de natureza vertical como horizontal (Luna, 2003).

Os enfermeiros estão inseridos em equipas de trabalho multidisciplinares existindo vários factores que podem afectar a motivação e coesão dos seus elementos. Por exemplo, o modo de interagir entre os elementos da equipa, a existência de objectivos comuns e a forma de gerir os eventuais conflitos. O resultado final de todas estas interacções reflecte-se na produtividade e na qualidade dos cuidados prestados. Além disso, a perda de valores, como o da solidariedade, foi alterada por comportamentos perversos de inveja, de rivalidade e de incentivo descontrolado à competitividade pelo emprego de comportamentos não éticos, provenientes de colegas ou superiores hierárquicos. Inúmeras vezes, os profissionais trabalham sob stress constante, a fim de dar resposta imediata às necessidades dos pacientes. Têm, por outro lado, de responder ao que lhes é solicitado pelos seus superiores hierárquicos e pelos seus pares, podendo mesmo encontrarem-se numa relação de subordinação injusta, face a outros profissionais de trabalho com o mesmo grau de escolaridade e de responsabilidade (Carvalho, 2007, 2010; Hirigoyen, 2002; Luna, 2003; Thofehrn et al., 2008).

As organizações têm-se transformado em palcos de acções humilhantes, onde surgem os problemas físicos e psíquicos que atingem sobretudo o trabalhador. É necessário recuperar a qualidade de vida no trabalho, pela construção de um ambiente humanizado e promotor de espaços que estimulem a discussão, preservando a componente multidimensional de cada indivíduo e aceitando a subjectividade de cada enfermeiro. Só é possível alcançar a humanização dos cuidados de enfermagem se houver humanização nas relações entre os seus profissionais. Os escassos incentivos dados aos enfermeiros para a sua formação, reforçam, assim, a pouca importância atribuída à subjectividade de cada um (Thofehrn et al., 2008). Estes autores afirmam ainda que “o que se vê, constantemente, nos serviços de saúde, é a ocultação e negação dos aspectos que envolvem a subjectividade e a complexidade do profissional, bem como as questões que envolvem o prazer e o sofrimento no trabalho” (p. 599).

É de considerar, por fim, que o desconhecimento, por um lado, desta problemática no âmbito laboral da enfermagem, e, por outro, das formas de reagir e que medidas adoptar, poderão estar também na génese deste tipo de comportamentos, nas instituições de saúde.