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23 Assim, a característica principal do hipertexto é a presença de links ou nós

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que indicam uma associação com outros textos. Grosso modo, podemos definir, pois, o hipertexto como um texto com conexões. Navegar em um hipertexto na Internet é seguir um percurso de informações quase sem fronteiras. Já no CD- ROM, por exemplo, os limites são bem mais definidos, uma vez que as idas e vindas ocorrem nos limites do conteúdo desse suporte.

Na leitura de Eco (2003), o leitor, através do hipertexto, lê penetrando os textos como uma agulha de tricô em um novelo de lã. O hipertexto não só permite essa dinamicidade da leitura e esse perpassar de informações através dos textos, mas permite também uma nova forma de construir os textos. Uma prática livre e coletiva de criação, que se constrói através de um grupo de amigos virtuais e que proporciona a construção dos mais

diferentes gêneros em ambientes como blogs, por exemplo. Um espécie de jam session literária em que é possível reconstituir narrativas clássicas, levando Chapeuzinho Vermelho a encontrar-se com Cinderela, ou levando Anna Karenina a passear com Emma Bovary, feliz e pacificada com seu Charles, ou mesmo, reconstituindo gêneros já cristalizados, ou seja, constituindo, através de e-mails, um romance epistolar.

Figura 4: Mapa de Hipertexto. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Pierre_L%C3%A9vy

Jam session é uma sessão de jazz em que os músicos retomam um tema clássico ou uma música específica qualquer e a recriam de diferentes formas.

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4.5 A LEITURA E A LITERATURA A Leitura Literária

Para que serve este bem imaterial que é a literatura? Bastaria responder, como já fiz, que é um bem que se consuma gratia sui, e portanto não deve servir para nada. (ECO, 2003, p.10)

Assim inicia Umberto Eco uma discussão sobre algumas funções da literatura, lembrando que ela, em si, não tem uma função definida, existe pela necessidade humana de projetar a si mesmo e às suas experiências através da linguagem. Mas, ao mesmo tempo, ela pode ser usada com um sem número de objetivos.

Por sua especifidade, no entanto, a literatura necessita de um tratamento diferenciado Para Pound (1989), ela é uma leitura “carregada de significado”. Para Otávio Paz (1982, p. 15), ela é “conhecimento, salvação, poder, abandono”. Também já se tentou definir literatura a partir de uma delimitação dos textos, e até mesmo utilizando a identificação do autor sobre a obra, mas uma definição completa a outra e dificilmente se chegará a um consenso. O assunto, aliás, gera polêmica, pois quando se acredita estar a literatura definida, eis que surgem novas obras, novos perfis, que vão inovando e transformando o conceito, o modo de se pensar literatura. Por isso, Compagnon (2001) sugere substituir a pergunta “o que é literatura?” por “quando é literatura?”.E com isso, nos leva a discutir a especificidade da linguagem literária.

No dizer de Eco (2003), a literatura compreende uma série de funções capazes de enriquecer o leitor nos mais diversos sentidos. Vejamos algumas delas.

A literatura exercita a língua, como patrimônio coletivo.

Quem trabalha com literatura costuma ouvir ou dizer: o que seria do inglês se não tivesse existido Shakespeare? Ou o que seria da língua portuguesa sem Camões? Essas questões tentam demonstrar a importância que esses autores de literatura têm em relação ao idioma que falavam. Shakespeare, Camões, Dante, entre outros grandes nomes, exploraram e criaram os vocábulos de seu idioma, construíram formas inovadoras de sintaxe, ajudaram a definir uma nova melodia ou deram forma a novas expressões da língua. Ou seja, eles contribuíram para que o idioma que falavam se tornasse mais dinâmico, mais vivo, mais representativo da cultura e da sociedade em que é utilizado.

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António Emílio Leite Couto, conhecido como Mia Couto, é um dos mais conhecidos escritores mozambiquenhos atuais. Sua carreira literária começou em 1983, com o livro de poemas Raiz de

Orvalho. Tem publicado crônicas, relatos

breves e várias novelas. Sua produção literária goza de enorme prestígio nos países de língua portuguesa e está traduzida para vários idiomas, entre eles o espanhol, o catalão, o sueco, o francês, o alemão e o italiano. Em 1999, Mia Couto recebeu o Prêmio Virgílio Ferreira, pelo conjunto de sua obra.

Assim, se não servisse para mais nada, a literatura seria útil já pelo fato de, por si só, pensar o idioma e transformá- lo. Mia Couto, escritor moçambicano, afirma sobre seu trabalho: “Meu desejo é desalisar a linguagem, colocando nela as quantas dimensões da Vida. E quantas são? Se a Vida tem, é idimensões? Assim, embarco nesse gozo de ver como a escrita e o mundo mutuamente se desobedecem.” (2007).

Clarice Lispector (2008), por sua vez, escreveu:

Eu queria que a língua portuguesa chegasse ao máximo nas minhas mãos. E este desejo todos os que escrevem têm. Um Camões e outros iguais não bastaram para nos dar para sempre uma herança da língua já feita. Todos nós que escrevemos estamos fazendo do túmulo do pensamento alguma coisa que lhe dê vida.

Todos os grandes escritores, e aqueles também não tão grandes, acreditam estar contribuindo, de alguma forma, para a língua em que escrevem, seja através de um novo uso para um vocábulo já existente, seja através da criação de novos vocábulos ou até mesmo através do uso de uma sintaxe inovadora, enfim...

A literatura contribui para criar a identidade da comunidade.

A língua é um importante elemento na construção da identidade de uma comunidade. A literatura de língua portuguesa, por exemplo, pode ser considerada de amplo espectro, pois é realizada não só em Portugal, mas no Brasil, em Moçambique, Angola entre outros países. Assim, ao nos referirmos a uma determinada literatura, construída em uma determinada língua, temos de pensar o seu local de origem, a sua autoria, pois esses elementos podem nos ajudar a compreender os valores e os símbolos que ela comporta. Ainda dialogando com Mia Couto (2007), percebemos a sua consciência da língua e da literatura como elementos construtores de sua identidade quando ele afirma: “Venho brincar aqui no Português, a língua. Não aquela que outros embandeiram. Mas a língua nossa, essa que dá gosto a gente namorar e que nos faz a nós, moçambicanos, ficarmos mais Moçambique.”

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