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Assimetrias de género nas práticas desportivas

No documento Género e Identidades no futsal português (páginas 37-40)

CAPITULO II – Género e identidades

2) Assimetrias de género nas práticas desportivas

O campo desportivo, como temos visto, apresenta-se como um espaço de dominação masculina e isso é evidenciado, entre tantas outras situações, quando olhamos para as práticas desportivas. Existem diferenças nas práticas desportivas numa série de variáveis como são os casos da idade – onde os jovens apresentam maiores índices de participação -, da escolaridade - quanto mais elevada a escolaridade maiores são os níveis de participação registados -, ou da profissão - onde se registam maiores níveis de participação desportiva nos indivíduos que detêm um estatuto socioprofissional que requer maiores níveis de qualificação e de responsabilidade. Mediante este exemplo, percebemos que os indivíduos apresentam diferentes experiências e oportunidades consoante as suas características sociais.

Para este exercício, o que nos interessa esmiuçar são as diferenças nas práticas desportivas tendo em conta o género e perceber de que forma estas diferenças se apresentam e quais são as razões para a sua existência. Na realidade, a variável género também apresenta diferenças consideráveis no que respeita às práticas desportivas, visto que os homens tendem a praticar mais desporto do que as mulheres, algo expectável pelo que vimos até aqui, pois a existência de fortes preconceitos funciona como um entrave à prática desportiva das mulheres. Num estudo sobre os Hábitos Desportivos da População Portuguesa, Salomé Marivoet verificou que “Entre a população dos 15 aos 74 anos, em

cada cem homens 34 praticam desporto, enquanto nas mulheres 14%” (Marivoet, 2000).

As práticas desportivas estão intimamente ligadas ao contexto espaciotemporal, ou seja, elas dependem em larga medida dos contextos históricos, sociais, culturais, políticos e económicos de cada sociedade. A nível europeu, por exemplo, verificam-se grandes assimetrias na participação feminina que resultam, essencialmente, de uma menor presença das mulheres dos países do Sul nas práticas de lazer face à verificada nas mulheres dos países do Norte. O menor envolvimento das portuguesas, espanholas e italianas nos lifestyle sports, não poderá ser compreendido sem que se tenha presente, por um lado, os condicionalismos culturais inerentes aos contextos históricos que marcaram as respetivas sociedades durante o último século, e por outro, as diferentes ações dos Estados e das organizações das mulheres com vista ao alargamento da participação feminina. (Marivoet, 2002: 427)

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O desporto nos países do Sul da Europa ressentiu-se das ações e ideais dos regimes fascistas do século XX, visto que estes impuseram fortes condicionalismos culturais à afirmação das mulheres. Neste período, as mulheres foram confinadas à esfera doméstica - à maternidade e à educação dos filhos - e também ao marido que foi instituído pelo Estado na nobre missão patriótica de ser o chefe de família. Em ambientes de restrição económica, de baixos níveis de escolaridade e com grandes agregados familiares, devido à proibição do controlo da natalidade, os lazeres foram pouco estimulados. O desporto assumiu sobretudo interesses de índole patriótico, de disciplina dos corpos e de preparação física (tradicionais paradas atléticas das organizações juvenis fascistas masculinas e femininas). A juntar a estes condicionalismos acresce-se o facto de o sistema de ensino ter sido sexualmente dividido – e restrito a uma minoria das raparigas e não muito maior dos rapazes –, e ainda ter sido fortemente influenciado pelos ideais da Igreja Católica pouco recetivos ao desporto, sobretudo no caso das mulheres. Neste contexto, compreende-se que a grande maioria das mulheres não tenha adquirido hábitos de prática desportiva, facto que se continua a fazer sentir atualmente, em especial nas gerações mais velhas. (Marivoet, 2002: 427-428)

O quotidiano das mulheres com filhos, sobretudo dos estratos sociais mais desfavorecidos, faz denotar uma clara escassez de tempo livre, com reflexos diretos na menor participação desportiva. Contudo, Salomé Marivoet alerta-nos que “o tempo livre

apresenta-se como um dos factores explicativos, ainda que seja maioritariamente invocado como justificação da não prática, pois pelo menos nos casos de Portugal e Espanha, os estudos têm revelado que entre as gerações adultas, e sobretudo nas mais idosas em que os níveis de escolaridade são menores, ainda se fazem sentir os preconceitos de género que as afastaram enquanto jovens das práticas desportivas”

(Marivoet, 2002: 428).

As assimetrias de género na participação desportiva tendem, assim, a atenuar-se nos países do Norte da Europa e a acentuarem-se nos países do Sul, apresentando os primeiros uma maior generalização dos hábitos desportivos entre as mulheres e os homens do que os segundos. Contudo, quando nos situamos no desporto intensivo, as assimetrias entre os países deixam de ser significativas, o que nos permite concluir que estas resultam, em grande medida, do maior envolvimento da população masculina e

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feminina dos países do Norte nas práticas de lazer, enquanto nos países do Sul da Europa estas se tornam mais restritas, sobretudo no caso das mulheres. (Marivoet, 2002: 429)

Se atendermos à participação no desporto competitivo, organizado e intensivo (alta competição), a presença das mulheres torna-se bastante reduzida em todas as sociedades e as desigualdades de género tornam-se fortemente visíveis, fazendo denotar o forte predomínio que os homens aí exercem. Neste espaço das práticas desportivas, as mulheres encontram-se mais ausentes nos desportos tradicionalmente associados à masculinidade, como são os casos do futebol e do futsal. Ainda assim, no que concerne às afinidades das atletas pelas diferentes modalidades, estas demonstram contrariar mais os tradicionais estereótipos de género do que o que acontece com os homens, uma vez que se fazem representar mais nos desportos predominantemente praticados pelos homens do que os homens nos maioritariamente praticados pelas mulheres. Para além disso, as mulheres não tendem a concentrar-se “nos desportos associados ao tradicional ideal de

feminidade, contrariamente aos homens que se concentram em mais de metade nos mais associados ao tradicional ideal de masculinidade.” (Marivoet, 2002: 429)

Se a fraca presença das mulheres nos desportos que veiculam a tradicional cultura masculina poderá ser explicada pelas resistências sexistas que restringem a sua entrada, noutros desportos parecem ser-lhes oferecidas maiores possibilidades de prática, dado o maior equilíbrio das taxas de feminização e masculinização. Deste modo, para podermos explicar a reduzida presença feminina no espaço das práticas competitivas federadas, teremos de considerar a hipótese de que as resistências também virão de muitas mulheres que não se sentem identificadas com o nomos deste espaço. (Marivoet, 2002: 430)

As diferenças entre homens e mulheres não se ficam pelas práticas desportivas, elas extravasam também para a forma como o desporto é vivido por cada género. João Sedas Nunes (2012) verificou que, regra geral, o futebol atrai os homens e repele as mulheres. Tendo em conta a afinidade clubista medida em graus de intensidade, apurou que esta é fortemente influenciada pelo género, verificando-se nos graus de intensidade mais elevados maiores proporções de homens e nos graus mais reduzidos maiores proporções de mulheres. É possível que esta diferença esteja relacionada, como vimos anteriormente, com o facto de o futebol – e o desporto em geral - proporcionar à forma de sociabilidade masculina competitiva um terreno especialmente fértil.

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No documento Género e Identidades no futsal português (páginas 37-40)