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Assistência Social Pública : A emergência no contexto da questão

Capítulo II – A Trajetória da Assistência Social na Estrutura do Sistema de

1. Assistência Social Pública : A emergência no contexto da questão

Um dos desdobramentos da questão social no Brasil foi gerado no meio rural e os equacionamentos foram sendo feitos visando a grande propriedade. A diferença marcante fica por conta da tardia abolição da escravatura - feita sem qualquer integração da população especialmente pela disponibilidade da mão-de-obra negra que deixa de ser interessante para a classe dominante - e pela intensificação do processo de imigração européia, deixando uma herança social no momento mesmo da industrialização, gerando vários níveis de desigualdade que juntamente com a pobreza, vão se reproduzindo e se avolumando.

Esta reprodução vai mantendo o parâmetro de sociedade desigual que se constrói em cima dos monopólios, primeiro da terra e posteriormente dos monopólios chamados do consumo moderno na época da segunda revolução industrial, caracterizando então um traço de persistência, como nos mostra Henrique (1999), que faz parte de nossa herança. Ou seja,

o monopólio da terra está no centro da miséria rural e teve largas conseqüências na pobreza do mundo urbano, especialmente porque não houve uma estrutura agrária que tenha democratizado a estrutura de reprodução e, além da ausência de um sistema de proteção social, o poder econômico foi reforçado para os donos da terra com a modernização conservadora.

A exclusão do campo reproduz a pobreza e a miséria pela abundante disponibilidade de mão-de-obra no mercado urbano, gerando grandes demandas sociais, configurando a evolução da questão social e a necessidade de inserção do Estado se dando no cenário da constituição do mercado de trabalho nos principais centros urbanos, especialmente pela luta do operariado denunciando a exploração a que eram submetidos e o caráter secundarizado do trabalho. Este cenário fertilizou um campo propício para a emergência do serviço social na década de 30, cujo desenvolvimento, em sua gênese, voltou-se para o controle social da força de trabalho, imperativo para a garantia da manutenção da ordem pública25. Assim, o

surgimento do serviço social, como um departamento da Ação Social Católica, se deu no bojo do enfrentamento da questão social com a expansão do proletariado, como mecanismo de alívio dos problemas sociais, peculiares ao início da industrialização no nosso país. Dito de outra forma, a origem da assistência social esteve imbricada e assentada no desenvolvimento capitalista industrial e na expansão urbana, razão pela qual os fenômenos da questão social, passaram a ser sua base de atuação26.

Em face da ausência do Estado e de sua incapacidade de implementar políticas sociais eficazes, a repressão policial e as ações assistenciais (caridade) assentadas nos princípios da Igreja Católica, foram as respostas oferecidas para a efetivação de um almejado controle social.

A Igreja Católica às voltas para recuperar seu poder, privilégios e influência, adotou como estratégia o agrupamento da intelectualidade da sociedade, conforme experiência desenvolvida na França e na Bélgica, cuja tônica de intervenção na dinâmica social era a recuperação do proletariado através do desenvolvimento de campanhas anticomunista pelo

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A primeira Escola de Serviço Social surge em 1898 nos EUA – Escola de Filantropia Aplicada, criada pela Sociedade de Organização da Caridade de Nova York. Na América Latina, a escola pioneira foi fundada em Santiago do Chile em 1925, seguida pelo Brasil, fundando em 1936 a Escola de Serviço Social de São Paulo, criada pelo Centro de Estudos de Ação Social, formado por um grupo de católicos empenhados na ação social. A regulamentação da profissão no Brasil se deu em 1957.

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“O Serviço Social se gesta e se desenvolve como profissão reconhecida na divisão social do trabalho, tendo por pano de fundo o desenvolvimento capitalista industrial e a expansão urbana, processos esses aqui apreendidos sob o ângulo das novas classes sociais emergentes e das modificações verificadas na composição dos grupos e frações de classes que compartilham o poder do Estado em conjunturas históricas específicas” (Iamamoto e Carvalho, 1985:77)

comunitarismo ético-cristão, lançando um movimento de militância ativa, então controlado pela Ação Social Católica.

A assistência social profissionalizada passa assim a se diferenciar do aspecto apenas assistencial e caridoso tal como vinha sendo configurada, para ganhar um plano mais político de intervenção, composto de um mecanismo “modernizador” do apostolado social. Em outras palavras, a formação teórica básica vinda pelas encíclicas papais e a intervenção ideológica, tinha suas bases assentadas no assistencialismo e na caridade para que se produzisse os efeitos políticos de enquadramento da população pobre, uma vez que o capitalismo deveria ser mantido enquanto ordem natural contrária à ameaça do perigo vermelho, já que os conflitos emanados pela luta de classe seriam os desvios que colocariam em risco a paz social. Nesse cenário, o assistente social seria o profissional que se aproximaria desta classe subalterna e os colocaria em situação de perfeita integração ao regime. Mas para tanto, exigia-se um determinado perfil que pudesse dar conta desta intervenção e não por outra razão, os grupos pioneiros estiveram compostos basicamente por um núcleo feminino de jovens e senhoras católicas da alta sociedade, envoltas no humanismo cristão para intervir em um meio hostil.

Temos então que a profissão é derivada de um certo caráter missionário permeado pela vocação de servir através de ações filantrópicas e benemerentes, onde as qualidades pessoais são mais valorizadas do que o próprio saber e, portanto, é uma escolha e antes de ser um trabalho é uma missão, cujo alvo se destinava não somente àqueles que se apresentavam sem condições de ter suas necessidades satisfeitas pelo trabalho (idosos, crianças, doente mentais, etc), como também para o trabalhador e sua família, visto as condições degradantes a que estavam expostos e submetidos pelo pauperismo.

Segundo Iamamoto e Carvalho (1985), esta foi a imagem social historicamente plasmada e freqüentemente incorporada à assistência social, cuja base teórica estava dada pela Doutrina Social da Igreja e os objetivos definidos em termos políticos de resgate do eleitorado católico, para dar legitimidade à reconquista do poder da Igreja sob a contrapartida da manutenção da paz social, da moral e dos bons costumes e assim, reproduzir as formas de controle social para legitimar a estrutura social.

Neste contexto, onde miséria e pauperismo eram anomalias do proletariado urbano e fruto de uma má formação moral, a intervenção social deveria então ser canalizada para a produção de efeitos amenizadores dos conflitos sociais, pois, estes poderiam colocar em risco a boa sociedade e gerar fissuras sociais, prejudiciais à manutenção da paz e da coesão social.

Face a tônica na intervenção prática, somada a carência de uma estruturação teórica mais robusta, as causas nunca foram objetos de análise, ou seja, o desvio era o pauperismo e a miséria e as constatações sobre as causas desta condição ficavam apenas para o plano do desajuste individual. Raul de Carvalho (1980), refere que não será em grandes embates acadêmicos que o serviço social mostrará sua utilidade e eficiência, porque estas aparecerão no embate cotidiano e individualizado com as populações carentes, com seus assistidos.

A diferença marcante que temos com a existência das primeiras ações profissionalizadas do serviço social é que a caridade e a filantropia, desenvolvidas pela elite para tutelar os desafortunados nas seculares obras sociais, deveriam ser transformadas em ação educativa de ajustamento às relações sociais vigentes, mesmo sendo a tutela vista como um ato de humanismo trazendo os modernos agentes da caridade e da justiça social (Carvalho,1980).

Posteriormente, a assistência social foi se configurando como uma área pragmática da ação governamental voltada para a prestação de serviços, sendo que esta presença é que em tese, asseguraria e garantiria a justiça social. Assim, o assistente social caracterizou- se como o profissional que socialmente teve atribuído a função de identificar e categorizar tanto a pobreza quanto a miséria, para que a justiça social se processe sem favoritismos e de maneira equânime, portanto, afirma-se como profissão integrada ao setor público, na medida da expansão da ação e do controle do Estado junto a sociedade.

“Historicamente, passa-se da caridade tradicional levada a efeito por tímidas e pulverizadas iniciativas das classes dominantes, nas suas diversas manifestações filantrópicas, para a centralização e racionalização da atividade assistencial e de prestação de serviços sociais pelo Estado, à medida que se amplia o contingente da classe trabalhadora e sua presença política na sociedade. Passa o Estado a atuar sistematicamente sobre as seqüelas da exploração do trabalho expressas nas condições de vida do conjunto dos trabalhadores” (Iamamoto e Carvalho, 1985:79)

Ainda hoje a profissão guarda estes traços marcantes de sua origem que em muito contribuíram para a manutenção de algumas características por longas décadas, estigmatizando e subalternizando o serviço social em relação às demais áreas da política social, porém, a assistência social fez parte e esteve diretamente inserida nos mecanismos estruturantes do nosso Estado de Bem Estar Social. Isto é, a primeira fase que caracteriza a emergência do nosso sistema de proteção social também foi a fase da gênese da assistência social profissionalizada pelas ações desencadeadas no plano público e no segundo período que se abre com a expansão institucional do sistema de proteção social, a

assistência social caminha para sua estruturação, buscando substituir o “espírito” filantrópico e religioso pelo conhecimento técnico científico, definindo sua representação institucional, conforme podemos verificar a seguir.